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quarta-feira, 19 de março de 2014

Mais mulheres no teclado, por favor

Na era digital, precisamos de programadores que entendam o que quer a sociedade. Pena que eles sejam todos homens

BERTHIER RIBEIRO-NETO*

Mais mulheres no teclado, por favor (Foto: reprodução)Se você convive com mulheres de qualquer idade, no trabalho ou fora dele, considere os três casos abaixo:

- Na Malásia, a partir dos anos 1970, o governo começou a recrutar mulheres das áreas rurais para trabalhar em empresas de tecnologia. As exportações de equipamentos eletrônicos haviam aumentado e faltava gente qualificada. O Poder Público também criou “clubes de computador” no ensino fundamental, sempre com grande participação feminina. Hoje, na Malásia, as mulheres representam mais da metade dos profissionais de informática e graduados em computação;

- Na Polônia, em 2011, jovens programadoras criaram a Geek Girls Carrots, uma ONG que promove encontros para mulheres amantes de tecnologia. O “Carrot” do nome, cenoura em inglês, é porque a dieta nos encontros é saudável, e não à base de pizza, como ocorre em muitos eventos de tecnologia com predominância masculina. Houve ao menos 17 encontros em oito cidades, em que as participantes fazem contatos e aprendem a desenvolver software;

- Do Brasil, em dezembro de 2013, nove mulheres estudantes de ciência da computação viajaram para os Estados Unidos. Foram participar da primeira edição do Google Computer Science Academy, na sede da empresa na Califórnia, com estudantes de computação de outros países. O programa, de dez semanas, permite às participantes estudar a aplicação da computação a problemas do mundo real.

Três iniciativas, em três continentes, uma de governo, outra de cidadãs, outra de uma empresa. O objetivo é o mesmo: levar mais mulheres a abraçar carreiras relacionadas à tecnologia da informação. Na era digital, as empresas de tecnologia da informação fazem grande parte das inovações. Geram novos serviços e produtos, que mudam nossa forma de viver. Elas moldam comportamentos. Para essas empresas e para os que usam suas invenções, é fundamental que o setor seja criativo e entenda profundamente como as pessoas se comportam, o que desejam e de que precisam. Tudo isso é bem mais difícil se os grupos responsáveis pela inovação são homogêneos demais – no caso, masculinos demais. Precisamos de diversidade.

Diversidade, aqui, deve ser entendida como variedade não só de gênero, mas também de formação acadêmica, experiências profissionais e filosofias de trabalho. Incluir mulheres nas equipes é uma forma de promover essa variedade e chegar a melhores resultados. Um estudo realizado pelo Centro Nacional para Mulheres e Tecnologia da Informação (NCWIT, em inglês), nos EUA, por mais de 25 anos, concluiu que as equipes mistas produziram patentes mais citadas, com taxas de 26% a 42% maiores que a média.

Ainda que programas para aumentar e estimular a participação feminina nas carreiras de engenharia venham sendo implementados por governos e empresas desde a Segunda Guerra Mundial, há que perguntar: será que já alcançamos uma mudança significativa nesse campo? As mulheres fizeram progressos em esferas como educação, política e mercado de trabalho. Vimos mulheres ascender à Presidência de diversos países e empresas. Apesar disso, elas continuam subrepresentadas em empregos de engenharia e tecnologia.

No setor de computação, as mulheres reclamam da falta de mentores, de apoio e de modelos a seguir

No Brasil, as mulheres constituem 59% da força profissional, mas ocupam apenas 20% dos empregos em ciência da computação e áreas correlatas. Há um avanço de mulheres estudantes de engenharia em anos recentes, mas a participação feminina nos cursos de computação, especificamente, caiu pela metade na última década. Passou de 30% em 2001 – uma fatia já inferior à desejável – para meros 15% atualmente, de acordo com a Sociedade Brasileira de Computação.

Certamente, há causas diversas para tal fenômeno. Uma é especialmente perversa: haver poucas mulheres numa carreira desestimula outras mulheres de seguir esse rumo. Segundo um estudo do Centro de Política Trabalho-Vida (CWLP, em inglês), nos EUA, um terço das mulheres em empregos de engenharia, ciências e tecnologia diz se sentir isoladas no trabalho, cercadas por homens. Além disso, 46% das mulheres em tecnologia acreditam que o preconceito de gênero influencia as avaliações de desempenho. Um quarto delas diz ser vistas como menos capazes do que os homens.

Para que o interesse das mulheres pela computação cresça, precisamos de mais exemplos de profissionais bem-sucedidas, que possam servir como ícones inspiracionais. No setor, 40% das mulheres relatam a falta de modelos a seguir. Quase metade reclama da falta de mentores, e 84% da falta de veteranos que as apoiem para dar visibilidade às suas realizações nas empresas, segundo o CWLP.

Estratégias de sucesso para motivar o interesse feminino pelas carreiras tecnológicas exigem, invariavelmente, investimentos de longo prazo. As empresas do setor devem se empenhar em contratar mulheres, profissionais de tecnologia, interessadas em criar novos produtos e serviços, como fazemos no Centro de Engenharia do Google em Belo Horizonte. Familiares, colegas e professores podem e devem se unir a essa empreitada. O objetivo é expor as mulheres sistematicamente à tecnologia, quando ainda bem jovens, e incentivá-las a considerar esse caminho profissional. Exposição implica discutir, questionar e apreciar aspectos arquiteturais, ergonômicos e de facilidade de uso dos dispositivos de tecnologia, não simplesmente usá-los para satisfazer necessidades imediatas. Isso é importante para familiarizá-las com a tecnologia, sua lógica e sua engenharia. Tal processo de desmistificação contribuirá para despertar nelas a paixão pela tecnologia e conduzirá a um aumento do número de mulheres em carreiras na área. Com maior diversidade de perspectivas dentro das organizações, seremos capazes de criar produtos melhores, que melhorem ainda mais a vida das pessoas.

Berthier Ribeiro-Neto é diretor de engenharia do Google para a América Latina, professor de ciências da computação na UFMG e cofundador da Akwan Information Technologies

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