Em nossa última coluna da carta Forense falamos a respeito da não manutenção pelo novo CPC do foro privilegiado em favor da mulher casada. Assim, em seu art. 53, estabelece o novo CPC seguinte:
Art. 53. É competente o foro:
I - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:
a) de domicílio do guardião de filho incapaz;
b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;
c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;
O critério de proteção se desloca. É o filho incapaz que é merecedor da tutela e não mais a mulher.
Em razão da opção do legislador do novo CPC, três questões se colocam: acerta o novo CPC ao abandonar a regra protetiva da mulher para se adotar a regra protetiva do incapaz? Em tempos de casamento homoafetivo, a regra de proteção da mulher ainda é coerente? A lei Maria da Penha sofre alguma alteração com relação a seu art. 15?
Vamos às respostas.
a) Acerta o novo CPC ao abandonar a regra protetiva da mulher para se adotar a regra protetiva do incapaz?
O novo CPC traz uma visão de futuro e não de presente. Ainda que a situação da mulher frente ao homem tem evoluído para se afastarem discriminações e injustiças, ainda, em termos de remuneração, a mulher ganha menos que o homem e tem situação econômica menos favorável.
Ademais, não se pode esquecer, que em parte sensível da população, cabe apenas a mulher os serviços domésticos, o quer reduz seu tempo de trabalho fora do lar conjugal.
Segundo a pesquisa, que utilizou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) entre 2001 e 2012, mesmo que as mulheres cumpram jornadas de trabalho de 40 a 44 horas semanais, elas chegam a dedicar entre 20 e 25 horas semanais com cuidados com a casa e os filhos (http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2015-03-05/90-das-mulheres-fazem-tarefas-domesticas-entre-homens-indice-chega-a-40.html)
Assim, o novo CPC antecipa uma tendência, mas não espelha uma realidade em que a igualdade é formal, mas não material.
b) Em tempos de casamento homoafetivo, a regra de proteção da mulher ainda é coerente?
O número de casamentos homoafetivos no Brasil é ínfimo e não altera o dado histórico pelo qual efetivamente o casamento heterossexual é predominante.
Os dados do IBGE de 2013 impressionam: “no País, em 2013, o montante de registros de casamentos entre os cônjuges masculino e feminino totalizava 1 048 776” e “dentre os 3 701 registros de casamentos entre cônjuges de mesmo sexo, verificou-se que 52,0% eram entre cônjuges femininos e 48,0% entre cônjuges masculinos” (ftp://ftp.ibge.gov.br/Registro_Civil/2013/rc2013.pdf). Em suma, o número corresponde a 0,3% do total de casamentos.
Assim, a questão do foro privilegiado nos casamentos homoafetivos se coloca de maneira mais teórica do que prática.
Efetivamente, no casamento homoafetivo entre dois homens, a regra não tem qualquer aplicabilidade. Já no casamento entre duas mulheres, ambas poderiam invocá-la em seu benefício.
É de se salientar que efetivamente caberia ao juiz analisar em termos concretos a ratio legis para a sua aplicação. Em caso de igualdade material, a regra deveria ser afastada, seguindo-se a regra geral do domicílio do réu. Se houvesse diferenças efetivas em temos dos cônjuges, aplicar-se-ia em favor daquela mulher vulnerável em termos econômicos.
Concordo que estabelecer competência nessas condições gera um problema prático, pois a competência dependeria de questões a serem comprovadas, gerando instabilidade ao processo.
Logo, para o casamento homoafetivo, efetivamente a regra é pouco coerente, pois ambos os cônjuges que contam com o benefício são mulheres.
c) A lei Maria da Penha sofre alguma alteração com relação a seu art. 15?
A Lei Maria da Penha (11.340 de 07 de Agosto de 2006) é protetiva da mulher em situação de clara vulnerabilidade em relação ao homem ou outra mulher. Assim dispõe seu artigo 1º.
Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8odo art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
O diploma traz uma disposição específica com relação à competência:
“Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado: I - do seu domicílio ou de sua residência; II - do lugar do fato em que se baseou a demanda; III - do domicílio do agressor”
Nestas hipóteses, a situação protetiva é regra, pois a mulher dela efetivamente necessita. Invocadas as situações da Lei Maria da Penha, não há que se discutir igualdade ou desigualdade, pois é patente a vulnerabilidade de quem a invoca.
Assim sendo, a regra especial da Lei Maria da Penha, quanto ao foro do domicílio da ofendida, ou outro previsto pelo art. 15 da Lei 11.340/2006, não sofre qualquer alteração por força da mudança do CPC que é regra geral para as ações decorrentes do direito de família.
A conclusão que se chega é que, apesar de o novo CPC refletir uma mudança em curso, talvez tenha sido precipitado em adotar uma igualdade entre homens e mulheres, que é apenas formal, ao abolir o foro privilegiado da mulher casada.
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