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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Combinados são supérfluos

Abertos ou fechados, eles não asseguram a fidelidade e nem protegem as pessoas do sofrimento. São apenas uma racionalização dos nossos temores

IVAN MARTINS
03/02/2016
Vocês já ouviram um homem usando a palavra combinado para falar das regras que definem as relações de um casal? Eu ainda não ouvi. Acho que virou um termo feminino. Só escuto as amigas usando, e tenho discutido com elas por causa do seu significado e das suas implicações.
Minha impressão é que por trás da palavra combinado existe uma postura conservadora. Embora tenha jeito de coisa moderna e até liberal, a expressão manifesta o desejo antigo e sempre frustrado de controlar a vida do parceiro – oferecendo, em troca, que ele controle a nossa vida.
Na minha experiência, as mulheres que enfatizam a ideia docombinado parecem preocupadas demais com a fidelidade do parceiro. É uma coisa que está no topo da lista delas, mesmo antes do início das relações. Por isso, quando o envolvimento se adensa e começa a ficar sério, elas querem estabelecer desde logo - de um jeito muito claro e muito ético - qual é o combinado, aquilo que se pode e que não se pode fazer na relação.
A novidade dessa proposta é que no combinado as duas partes têm direitos iguais. O que uma delas faz a outra pode fazer também. Parece bonito, soa justo, mas eu identifico nessa proposta um subtexto de ameaça. Se o combinado implica que eu e você faremos a mesma coisa, veja lá o que você vai escolher, porque eu farei rigorosamente o mesmo que você fizer.
É como se a mulher lembrasse ao homem, implicitamente, o quanto ela é capaz de fazê-lo sofrer se ele optar, digamos assim, pela promiscuidade: “Tem certeza que você quer manter uma relação aberta com uma mulher atraente como eu”?
Na minha experiência, isso não passa de ameaça vazia, um blefe.
O que as mulheres com quem eu converso realmente desejam é uma relação convencional, em que as partes se mantenham fiéis e verdadeiras o tempo inteiro. Se, mesmo ameaçado, o sujeito optar pelo combinado aberto, elas não topam. Não querem sair com outras pessoas e não querem que ele saia. O combinado que elas têm em mente é o casamento ou namoro convencional, mas sem as escapadas e as mentiras tradicionais. Imaginam que ao colocar as cartas na mesa estarão se livrando desses fantasmas.
Sei que há homens e mulheres que praticam combinados abertos e aparentemente funcionais, em que as pessoas são livres para estar com outros, mas eu não os conheço.
combinado que eu vejo discutido ao meu redor é uma estratégia feminina para evitar o comportamento infiel dos homens. As instituições do passado – como muitas puderam comprovar na casa dos pais e nas suas próprias vidas – não funcionam para protegê-las das mentiras masculinas. E o comportamento dos caras em volta delas (e das outras mulheres em volta deles) não transmite a menor segurança.
combinado surge, então, como uma nova tentativa de comprometer os caras, de fazer com que eles topem voluntariamente um arranjo mais restritivo, mais protetor dos sentimentos, ainda que a conversa comece como uma ameaça: o que você escolher fazer, eu também farei...
Sendo homem, não entendo muitos dos sentimentos femininos do meu tempo, como a preocupação exacerbada com a fidelidade. Parece ser um trauma coletivo. As mulheres, obviamente, têm aproveitado muito bem a própria liberdade. Basta olhar em volta para perceber isso. Mas, ainda assim, temem a liberdade interior dos homens. Quando estão apaixonadas, quando têm planos com o sujeito, a insegurança piora. Ou aparece. Já vi mulheres livres e donas de si agirem como adolescentes enciumadas diante da ambiguidade dos parceiros. Parece ser uma coisa muito forte – que os homens não compartilham da mesma forma.
Os homens, obviamente, morrem de medo de ser enganados, mas isso entra na vida deles de outro jeito, de uma forma mais tranquila. Sim, há os malucos ciumentos, mas eles são a minoria, imagino.
A cultura masculina simplesmente supõe a fidelidade das mulheres, talvez porque, historicamente, os homens sempre tenham tido o poder de se assegurar dela, punindo as infratoras com a lei ou com a violência pura e simples. Até hoje os psicopatas matam as mulheres que os traem ou abandonam. Essa é uma forma de controle muito poderosa sobre a vida do outro.
Como as mulheres nunca tiveram e não têm esse poder de repressão, tentam criar instâncias de controle mais sutis sobre a vida sexual e afetiva dos parceiros. O combinado (com a sua ameaça implícita de retaliação) parece ser apenas mais uma delas.
Eu não sei se funciona. Vocês me digam.
Temo, pessoalmente, que nenhum arranjo seja capaz de conter o desejo humano. Ele está na nossa cultura e na nossa cabeça. As pessoas farão acordos e promessas, mas, frequentemente, um e outro serão quebrados diante de um impulso sentimental ou de prazer. Algumas pessoas são inclinadas a isso. Outras são naturalmente fiéis. Não é o combinado que assegura isso, é a pessoa - seu temperamento, seus valores, seu caráter, se quiser. Eles determinam quem ficará ou não na monogamia. Para evitar mentiras, é mais útil escolher as pessoas do que os combinados.
Por isso, o combinado me parece supérfluo.
Toda relação afetiva pressupõe exclusividade. Eu namoro você e apenas você. Você é a minha mulher e não há nenhuma outra. Aquilo que temos é singular e único, ou não é muita coisa. Isso nem precisa ser dito, está implícito no arranjo. Mas, ao contrário do que muitos imaginam, a exclusividade afetiva ou social não garante que as pessoas sejam fiéis o tempo todo.
O quarentão pode sair para uma viagem de trabalho e se encantar com a designer de 25 anos que conheceu no aeroporto, embora tenha mulher e filhos. Ela pode querer passar a noite com seu primeiro homem grisalho, ainda que tenha namorado. E aí? Se ficar nisso, está bom. Saiu barato para todos. Mas, se os dois se envolverem, vai começar um drama capaz de ferir todo mundo, sobretudo os parceiros inocentes.
Combinados abertos ou fechados não previnem esse tipo de imprevisto. Eles não nos protegem da dor, do desamor e do abandono. São mais uma racionalização dos nossos temores, uma tentativa de transferir para o terreno da ética aquilo que, fundamentalmente, reside em outra área da experiência humana.
O que protege os parceiros é a capacidade das pessoas dizerem não a elas mesmas quando a possibilidade da transgressão se apresenta. Mas isso, nós sabemos desde Sigmund Freud, carrega suas próprias consequências, em termos de dor e sofrimento. Há o custo da liberdade e o custo da repressão, e as nossas escolhas no meio. O resto são apenas palavras que a gente inventa.

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