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sábado, 6 de fevereiro de 2016

"Não cabe a mim decidir quem vai nascer", afirma mãe contrária ao aborto

Para Simone Tavares, mãe de duas atletas com microcefalia, o aborto de fetos com a condição neurológica não deve ser permitido: "Essas mães estão dizendo que não vão amar um filho que não é perfeito." Confira o relato.
03.02.2016
Simone Tavares, relato especial para a DW Brasil
Quando minha filha mais velha nasceu, há 20 anos, nem se falava em microcefalia. No teste do pezinho todos os exames deram negativo. Ela nasceu prematura e não me falaram nada no hospital. Fiz a primeira consulta de rotina quando ela tinha um mês. Só então soube do diagnóstico. Foi um choque. No posto de saúde, falaram que dificilmente ela iria andar e falar. "Vai ser retardada", foi exatamente o que eu ouvi. Eu criei a Patrícia praticamente no escuro e aprendi o que é a síndrome no dia a dia.
Decidi engravidar de novo depois de seis anos e, com cinco meses de gestação, descobri que Adriana, a minha segunda filha, também tinha microcefalia. Eu já vivia a síndrome, então o medo foi bem menor, a aceitação foi bem mais fácil. Desde o início da gestação parece que eu sabia que ela também iria nascer com a doença. Não me assustei, porque já tinha consciência de que não era uma sentença de morte. Lógico que fiquei revoltada: "Ai, meu Deus, por que isso aconteceu comigo de novo?" Não pensei em aborto, até porque eu sabia que pessoas com microcefalia podem viver bem em sociedade.
A Patrícia é mais sentimental. Ela vê as notícias e diz que tem muita dó das "crianças que as mães não querem que nasçam". Para as mulheres grávidas que estão sendo diagnosticadas com o zika, eu digo que esperem e deem a oportunidade de a criança nascer.
Chega a ser muito egoísta da parte dessas mães. Elas estão dizendo ao mundo que não vão amar um filho que não é perfeito. A criança com necessidades especiais traz uma paz tão grande para dentro da família e um entendimento tão grande da vida... Eu não tirei o direito das minhas filhas de nascerem. Eu poderia ter interrompido a segunda gestação e pensar: "Não, eu já tenho uma criança com microcefalia, não quero outra". Mas não cabe a mim decidir quem vai nascer.
Acredito que elas estejam tão bem como hoje, porque eu parei a minha vida para viver a vida delas. Essas crianças precisam de um tratamento intensivo e de terapias, e chega uma época em que é preciso fazer uma escolha. A opção que eu fiz foi ficar com elas, agradeço ao meu marido por essa possibilidade.
Durante 20 anos, fizemos tudo de ônibus. Eu nunca tive carro. Eram três, quatro ônibus todo o dia. Levantávamos cedinho e chegávamos à noite em casa. Eu andava nas ruas com uma mochila e marmita, e comíamos na rua no intervalo entre uma terapia e outra. Foram anos bem difíceis, mas eu vejo que teve resultado. Apenas no ano passado, depois de ganhar uma ação contra o INSS, que se negou a pagar um benefício, consegui comprar um carro.
Além disso, tem o preconceito, que é óbvio, até mesmo dentro da própria família. O ser humano não aceita o diferente. O diferente causa medo. O olhar das pessoas é o que machuca mais. Já chegou ao cúmulo de as pessoas pegarem na cabeça delas e dizer: "Nossa, mas é muito pequena!" Essa barreira só é quebrada no dia a dia.
A Patrícia sempre reclamou de não ter amigas. No recreio, ninguém queria ficar perto dela. Conversei com a coordenação da escola, e eles começaram a fazer um trabalho de inclusão. Começou a colocá-la em grupinhos para estudar e fazer trabalho junto. Durou um ano para entenderem que ela não ia morder, não ia passar doença e que era uma criança como eles. Hoje, ela já está no nono ano, encerrando o ensino fundamental, com essa turminha que no início ficava um pouco arredia com ela. Hoje são amigos que a protegem caso alguma outra criança mexa com ela.
As limitações das meninas são cognitivas. Elas não aprenderam a ler, nem a escrever, nem a fazer contas. Elas estão na escola com um conteúdo adaptado em nível de ensino de pré-escola e têm o acompanhamento de um professor auxiliar.
Já no esporte, tiram os desafios de letra. Elas participam de competições de atletismo da Apae e de paragincanas da escola regular. No ano passado, a Adriana representou o nosso estado [Mato Grosso do Sul] nas olimpíadas nacionais da Apae em Natal. Elas participam de todas as modalidades: corrida, lançamento de dardos e polibat, um esporte adaptado parecido com o tênis de mesa. O pai fez até um quadro de medalhas. Cada uma conquistou mais de 30. Elas viajam para as competições sozinhas, apenas com professores e colegas. Nem todas as crianças têm essa oportunidade.

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