Para quem se interessa em pensar o tema Justiça-Democracia, nas suas mais variadas implicações, notadamente
no âmbito da cidadania e seu componente acesso à justiça, perceberá que o Brasil ocupa um lugar privilegiado na
escala dos campos de observação para pesquisa e estudo em nível mundial, tendo em vista constituir uma República
com um Estado Democrático de Direito, e possuir, em contrapartida, uma lógica institucional autocrática e uma prática burocrática cotidiana não raro inversa daquilo que se teoriza.
Esse misto de contradições traduz um aspecto curioso de nossa cultura que nos incita a refletir sobre a engrenagem
governamental e sua relação com essa sociedade de disparidades; sobre como se operacionalizam as garantias
democráticas já consagradas como a igualdade perante a lei, num contexto de desigualdades e injustiças.
Especialmente no âmbito da violência de gênero, as desigualdades biológicas apropriadas culturalmente reforçam um estado de acesso desigual a direitos e de submissão a um modelo histórico de aviltamentos recorrentes, que
necessitam de um locus de resistência e combate, reivindicado também pelo Poder Judiciário. Assim, com o marco
legislativo da Lei 11340/06, criaram-se os Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM), espaço originalmente concebido para um olhar atento e diferenciado sobre as diversas formas de agressão física, moral,
psicológica, sexual e patrimonial.
A questão que se apresenta agora é, portanto, se a prática de tais órgãos jurisdicionais se coaduna com os objetivos
internacionalmente declarados e com os compromissos assumidos pelo Brasil na implementação de condições
para garantir a eficácia de políticas públicas em Direitos Humanos. Especificamente, se a assistência judiciária gratuita
e de qualidade, através das Defensorias Públicas dos Estados, vem se inserindo conscientemente nesse projeto maior
de acesso à justiça, à informação emancipadora, à orientação humanizada e às técnicas de empoderamento capazes
de romper o ciclo de violência.
Como instituiu a Lei 11.340/06, em seus artigos. 27 e 28 é compromisso do Estado brasileiro prover a assistência
judiciária às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, definindo que:
Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e
familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.
Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços
de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial,
mediante atendimento específico e humanizado.
Consiste em inovação o fato de a vítima possuir, em processo de natureza criminal, uma Defensoria Pública. A
justificativa ficou consubstanciada na Exposição de Motivos do Projeto de Lei que resultou na Lei Maria da Penha:
A assistência jurídica integral e gratuita, aludida no Art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, refere-se ao
conceito de assistência judiciária envolvendo serviços jurídicos não somente relacionados com a atividade processual, mas abrangendo serviços de orientação jurídica, aconselhamento ou informação dos
direitos à comunidade. Desta forma, o Projeto prevê, nos artigos 20 e 21 [agora, 27 e 28], a assistência
judiciária à mulher em situação de violência doméstica como forma de garantir o seu acesso à justiça.
Assim, coube aos Estados da Federação, no âmbito de suas Defensorias Públicas, criar órgãos para atender ao disposto
na lei, capacitando seus profissionais para um atendimento específico e humanizado.
Um trabalho aprofundado sobre o tema constitui, então, um mapeamento importante a contribuir para a obtenção da cidadania plena e reestruturação da nossa esfera pública. Foi nesse sentido a proposta da Chamada no Ipea/
PNPD no. 131/2012, na temática “Acesso à Justiça e Mulheres em Situação de Violência”. Leia mais
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