Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

sábado, 24 de setembro de 2016

Balas e bombas não são soluções para combater o extremismo violento. Aqui está o que é

Neal Keny-Guyer
Chefe executivo da 'Mercy Corps'
21/09/2016 

Líderes mundiais se reúnem esta semana nas Nações Unidas, em Nova York, para discutir os desafios criados pelo maior deslocamento humano desde a Segunda Guerra Mundial: mais de 65 milhões de pessoas em todo o mundo abandonaram seus países e regiões de origem em busca de segurança e oportunidades.
As discussões acontecem contra o pano de fundo de uma lista crescente de cidades e vilas em quatro continentes que foram palcos de grandes ataques terroristas este ano, em muitos casos inspirados pelo Estado Islâmico ou dirigidos pela facção. Cada ataque é seguido por chamados pelo fechamento de fronteiras, para impedir a entrada de refugiados e intensificar a vigilância de pessoas que consideramos ser as mais suscetíveis à ideologia extremista.
"Por que milhares de pessoas, especialmente homens jovens, aderem ou apoiam organizações violentas, especialmente organizações como o EI, e como podemos barrar essa maré?"
Em vista do medo desencadeado por esses ataques - afinal, há uma razão por que são chamados ataques de terror --, é compreensível que as pessoas cedam a impulsos emocionais. Mas, para resolver algo que é sem dúvida alguma o problema de segurança que define nossos tempos, precisamos fazer mais do que simplesmente reagir ao terror. Precisamos indagar por que milhares de pessoas, especialmente homens jovens, aderem ou apoiam organizações violentas, especialmente organizações como o EI, e como podemos barrar essa maré?
Minha organização, a Mercy Corps, e outras entidades conduzimos pesquisas amplas para buscar respostas. Eis o que aprendemos:
1. Os terroristas ou extremistas violentos não se enquadram em um perfil único.
Apesar de inúmeros estudos, ainda não temos como prever quais serão as pessoas que vão aderir a um grupo violento. Vimos jovens empregados e desempregados ingressando nas fileiras desses grupos; pessoas com formação universitária e pessoas que abandonaram os estudos após o ensino primário; ricos e pobres; religiosos e não religiosos, cidadãos e, de vez em quando, refugiados.
2. A exposição à violência, principalmente a violência cometida pelo Estado, é o indício mais certeiro de que uma pessoa venha a apoiar a violência no futuro.
Acadêmicos das universidades Yale e Princeton concluíram que ataques aéreos da ISAF, ou Força Internacional de Assistência para a Segurança (a missão liderada pela Otan no Afeganistão) levou ao aumento do apoio popular ao Taliban. No Sudão do Sul, onde a população civil sofreu décadas de violência antes de a região ganhar o status de novo país, em 2011, encontramos o maior apoio à violência, mais que em qualquer outro país onde estudamos essa questão. Numa análise abrangente dos fatores relacionados à violência em 13 países africanos subsaarianos, descobrimos que ser vítima de violência é um dos únicos indicadores relacionados ao apoio futuro à violência.
3. As percepções de discriminação, injustiça e desigualdade estão fortemente vinculadas ao apoio a movimentos violentos.
Um sentimento de ter sido alvo de injustiça, quer tenha sido sofrida diretamente ou através da humilhação coletiva do grupo do qual a pessoa faz parte, é um dos precursores mais constantes do comportamento violento, além de ser um dos sentimentos principais explorados por recrutadores. Os sentimentos de ser alvo de injustiça estão mais frequentemente ligados a ações adotadas pelo poder público: corrupção, prestação injusta de serviços, discriminação do sistema legal, abusos cometidos por forças de segurança.
Yusuf, um jovem da Somália, nos disse: "Eu já passei por tudo", desde ser maltratado por autoridades locais até ser preso injustamente pela polícia e mantido em detenção por vários dias. "Mas, se você tenta reagir, é pior. Então é preciso esconder a raiva que você sente." Maryam, outra jovem somali, comentou: "O Al Shabab ganhou destaque aqui porque consegue traduzir o sentimento de frustração das pessoas. O Al Shabab é apenas um sintoma dos problemas maiores."
4. É mais frequente que conflitos causem extremismo violento que extremismo violento causar conflitos.
Segundo a organização International Crisis Group e pesquisas publicadas pelo Brookings Institution, o extremismo violento surge em zonas de guerra ou áreas envolvidas de outras maneiras em conflitos violentos. O Estado Islâmico emergiu a partir de conflitos na Síria e no Iraque; o Al Shabab, na Somália, dilacerada por conflitos, e o Lashkar-e-Taiba nasceu em parte do conflito na Caxemira entre Paquistão e Índia. Esses conflitos levaram a queixas arraigadas que esses grupos exploram para mobilizar seguidores.
As conclusões de nossos estudos não apontam para soluções simples. Mas, se quisermos realmente eliminar a atração dos grupos terroristas, vamos ter que ir mais longe.
As consequências dos conflitos viraram um cartão de visitas de recrutadores. Todo ato militante que resulta em baixas civis impõe um revés aos avanços feitos para reduzir o apoio popular a extremistas. Como nos disse um jovem ex-combatente afegão: "Não entrei para o Taliban por ser pobre. Entrei porque estava revoltado. Porque o Ocidente nos fez uma injustiça."
"Não entrei para o Taliban por ser pobre. Entrei porque estava revoltado. Porque o Ocidente nos fez uma injustiça."
Os políticos e legisladores precisam reconhecer que, embora intervenções militares e esforços de contraterrorismo possam estabilizar uma área por um período de tempo breve, muitas vezes enfurecem a população local e acabam alimentando o recrutamento terrorista. A comunidade internacional - liderada pelos Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia, China, Rússia, União Africana e Estados árabes - precisa redobrar os esforços diplomáticos para pôr fim a essas guerras.
Ao mesmo tempo, precisamos desencorajar os jovens de aderir a grupos como o Estado Islâmico, Al Shabab e Al Qaeda. No nordeste da Nigéria, descobrimos que lideranças locais e religiosas conseguiram combater mensagens extremistas, mostrando que o Boko Haram na realidade não está seguindo os ensinamentos do Islã. Isso, por sua vez, dissuadiu jovens de aderir ao grupo. Um líder de povoado em Borno, no nordeste da Nigéria, contou que, em conversas com sua comunidade, ele fala aos jovens: "O pessoal do Boko Haram é enganador e só vai ganhar dinheiro com seu esforço, já que eles nunca vão ser mortos. Mas pessoas inocentes, como você, que aderem ao grupo mais tarde, serão mortas." Uma coisa que pode ajudar a barrar a maré é elevar as vozes de lideranças locais que contradizem os ensinamentos extremistas violentos com mensagens de tolerância que podem ajudar a frear a maré.
Não existem atalhos na hora de combater as causas subjacentes dos conflitos: governança inadequada, queixas históricas, corrupção, desigualdade econômica e social, para citar apenas algumas causas. Os extremistas violentos ocupam as áreas onde há caos, governança fraca e violência crescente; são lugares perfeitos para recrutar adeptos. Novos grupos terroristas emergem quando existem vazios de poder e a população tem queixas fortes.
Para reduzir o risco de levantes violentos que alimentam o recrutamento terrorista, os governos precisam tornar-se mais justos e transparentes e reagir mais às necessidades de seus cidadãos. Isso parece óbvio, mas com frequência esquecemos a importância da boa governança e das iniciativas de combate à corrupção ou deixamos de investir o suficiente nelas. Em lugares como Iraque e Síria, esse tipo de iniciativa é tão ou mais importante que os programas de desenvolvimento econômico e infraestrutural. Para que esses investimentos tenham sucesso, precisam durar por um período de tempo razoável e não ser abandonados de uma hora para outra, como aconteceu no Iraque e Afeganistão.
Exortamos os EUA e países parceiros a aproveitar suas discussões em Nova York e engajar-se em frear a maré de extremismo e violência que está levando tantas famílias a abandonar suas casas. Hoje apenas 1% da ajuda internacional mundial é usada para esforços de paz, prevenção de conflitos e resolução de conflitos. Além de fortalecer os esforços diplomáticos para pôr fim aos conflitos, os líderes mundiais precisam romper o ciclo de violência crônica que impulsiona esta migração histórica, financiando adequadamente programas de paz e de mitigação de conflitos que possam prevenir conflitos entre comunidades.
O extremismo violento não será eliminado com balas ou bombardeios. As soluções imediatas propostas no passado são mera fantasia e ingenuidade perigosa. Precisamos reconhecer nossos fracassos passados, voltar a concentrar nossa atenção sobre a resolução de conflitos, promover a reconciliação e construir a boa governança. Apenas assim poderemos frear a maré de extremismo violento e pôr fim à sequência constante de ataques terroristas pelo mundo afora.
Este artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost US e traduzido do inglês.

Nenhum comentário:

Postar um comentário