– ON 16/09/2016
Em pleno Japão, onde ensino é marcado por rigor e memorização obsessiva, universidade estimula alunos a fazer seus próprios planos de estudo e retira do professor condição de dono do saber
Por Alex Bretas
Tive a oportunidade de conhecer e entrevistar Kageki Asakura — um dos criadores da Universidade Shure — na IDEC@EUDEC 2016, uma conferência internacional que reúne todo ano pessoas que empreendem projetos de educação democrática ao redor do globo.
A universidade Shure surgiu em 1999 em Tóquio, no Japão e é uma das experiências pioneiras no mundo na adoção dos princípios da educação democrática – liberdade na aprendizagem e gestão coletiva – no contexto universitário.
Não há muitas informações disponíveis em inglês sobre a universidade Shure na internet, e talvez nenhuma em português. Por isso, resolvi transcrever e traduzir a conversa que tive com o Kageki. A entrevista foi feita presencialmente no dia 7 de junho de 2016, em inglês.
Espero que o papo possa te inspirar tanto quanto me inspirou. O Kageki está muito entusiasmado com a possibilidade de criarmos uma rede de universidades democráticas pelo mundo. E se você e seus amigos criassem a sua?
Alex: Existem várias coisas que eu gostaria de saber mais sobre você e a universidade Shure. Em primeiro lugar, quero te perguntar sobre um conceito. Você poderia me dizer qual é sua visão sobre aprendizagem? O que essa palavra significa para você? Como esse significado afeta seu trabalho?
Kageki: Há duas coisas que compõem a aprendizagem para mim: primeiro, me conhecer, saber quem sou eu. Descobrir quem eu sou é uma grande motivação para que eu aprenda. Aprender significa para mim, primeiramente, saber quem sou eu. Assim, ao aprender, eu começo a descobrir muitas coisas sobre mim mesmo. A segunda coisa que compõe o aprendizado é criar minha própria compreensão sobre o mundo e a sociedade. É importante ter em mente que não se trata do entendimento de um outro, e sim do meu entendimento único a respeito da minha comunidade, sociedade, do mundo que me cerca e do território onde vivo.
Incorporando esse entendimento a respeito da aprendizagem, você poderia contar como a história da universidade Shure começou e como foi o seu envolvimento nisso?
Desde 1992, eu trabalhava como professor de Ensino Médio na escola democrática Tóquio Shure. Os estudantes tinham ampla liberdade para aprender, mas quando eles se formavam e saíam da escola, se quisessem continuar estudando precisavam ir para outro lugar, talvez faculdades ou universidades.
No entanto, no Japão infelizmente as universidades não são apropriadas para que os estudantes formados em escolas democráticas estudem. Em primeiro lugar, para entrar nas universidades, eles precisam ser aprovados em provas muito competitivas. Para você ter uma ideia, muitos estudantes fora das escolas democráticas se preparam para essas provas durante 9 ou 10 anos. Muitos deles começam com 8 ou 9 anos a frequentar escolas preparatórias para o vestibular depois do período regular da escola. No Japão esses lugares são chamados escolas “cram”. Eles memorizam toneladas de conhecimento apenas para se preparar para as provas que terão de enfrentar anos depois. Ou seja: desde muito cedo eles estão lá memorizando, memorizando; é realmente muito competitivo. Contudo, os estudantes das escolas democráticas não entendem a razão disso. É perda de tempo para eles. O que acontece é que depois do vestibular esses jovens esquecem tudo que eles “aprenderam”, pelo simples fato de que isso não é necessário em suas vidas. É um esforço sem sentido. Assim, quem frequenta uma escola democrática geralmente não quer ter que prestar um exame tão competitivo e rígido.
Mesmo depois de passar no vestibular, muitos estudantes universitários japoneses continuam se concentrando apenas em se preparar para conseguir um emprego. Vários deles buscam a todo custo conseguir boas notas em testes de proficiência em inglês como o TOEFL e o TOEIC, porque esses exames são uma boa preparação para conseguir uma vaga de trabalho. Desse modo, para quem estudou numa escola democrática, as universidades tradicionais não são um lugar tão interessante.
Além disso, nas universidades japonesas a estrutura costuma ser muito hierárquica. O professor é quem decide tudo: “no meu seminário, vocês precisarão ler este livro que eu escolhi” e coisas desse tipo são comuns.
Em 1998 um grupo de jovens se reuniu para começar a pensar numa alternativa. Mais da metade deles haviam se formado na Tóquio Shure, e a outra metade estudara em outras escolas democráticas ou haviam sido desescolarizados pelos seus pais. Esse grupo e eu começamos um comitê com o objetivo de criar uma universidade democrática. Todos queriam um lugar configurado para a educação livre num patamar de universidade, mas não existia um lugar assim. Por isso nós decidimos criá-lo. No começo nós tivemos longas discussões: em quais dias iríamos abrir, quanto custaria estudar nessa universidade, como seria o orçamento etc. Depois de conversar muito, no final de 1999 abrimos a universidade Shure. No início nós tínhamos apenas duas salas e seis estudantes. Foi assim que começamos.
E como sua história de vida antes de começar a lecionar se conecta com tudo isso? Como foi sua vida de estudante?
Minha família se mudava muito. Troquei de escola quatro vezes porque minha família se mudou de Osaka para Tóquio. Mudar de escola tão frequentemente foi uma experiência bastante difícil para mim. Em dado momento, comecei a perceber que sempre que o ambiente mudava eu me esforçava para me encaixar no novo ambiente. Isso é muito complicado. Com o tempo, comecei a encarar isso de maneira diferente e parei de tentar me encaixar sempre. É claro que o ambiente importa, eu respeito isso, mas o que percebi foi que meus colegas não esperavam que eu mudasse meu modo de ser.
Naquele momento, parei de fazer esforços para me enquadrar e comecei a pensar: o que é realmente importante para mim? Essa foi a pergunta que me moveu no início. Cada vez mais eu entendia que precisava conhecer mais a fundo a mim mesmo. Assim, a questão passou a ser: quem sou eu? Acho essa pergunta muito boa porque, na minha trajetória, ela me trouxe muitas coisas importantes. Por exemplo, eu pude descobrir mais sobre meus interesses. Isso é fundamental.
Outra descoberta que fiz foi quando era aluno dos primeiros anos do Ensino Médio. Eu adorava história e, ao aprofundar meus estudos nessa disciplina, comecei a pensar: minhas visões, meus valores sobre a sociedade e o mundo são afetados pelos valores da cultura em que estou inserido. Assim, comecei a perceber a importância de saber a história por trás dos valores das pessoas, ou como esses valores mudam ao longo do tempo. Ao conhecer mais sobre isso, foi mais fácil para mim entender o que eu mesmo valorizo, saber quem eu sou.
Queria fazer perguntas mais específicas sobre como a universidade funciona hoje. Você poderia me descrever o caminho típico de um estudante desde que ele decidiu se matricular na Shure? O que acontece primeiro, e quais são as possibilidades que a universidade oferece para cada um na medida em que progride?
Em primeiro lugar, pedimos à pessoa para experimentar uma semana na universidade, de modo que ela possa decidir com segurança se quer estar lá ou não. Assim, cada novo estudante pode, após a primeira semana, tomar sua decisão a respeito de permanecer estudando na Shure ou não. Isso é importante porque nossa universidade é muito diferente das outras universidades japonesas. Muitas coisas são diferentes, então geralmente é muito difícil que as pessoas compreendam apenas por meio de palavras. Experimentar é muito mais fácil e permite ao estudante se analisar e decidir se quer entrar na Shure. Mesmo se os pais de alguém quiserem que ele estude na nossa universidade, se a própria pessoa não quiser, não faz sentido. Depois dessa primeira semana, fazemos uma entrevista com a pessoa e perguntamos como foi essa experiência. Se a pessoa decide por juntar-se à Shure, nós lhe damos as boas-vindas. Não há condições ou restrições de entrada, exceto uma: os novos alunos precisam ter ao menos 18 anos. A condição essencial é a pessoa querer viver a experiência.
Se ela decidir que quer entrar, o primeiro passo é criar seu plano de aprendizado. Isso ocorre geralmente no início do ano letivo, que no Japão é em abril. Cada estudante faz um plano de estudos para o ano, e para isso pode pedir ajuda a um professor.
No início do ano, todos os estudantes trazem suas ideias e nós as discutimos com o objetivo de montar o cronograma da universidade para aquele ano. Isso acontece nas reuniões gerais. Desse modo, alguns estudantes podem querer, por exemplo, ter aulas de filosofia, enquanto outros querem ter aulas de história, ao passo que um outro grupo pode querer criar um projeto de construção de um carro, e todos eles são bem-vindos para trazer qualquer ideia que tiverem. Depois de escutar todas as ideias, nós montamos o cronograma. Geralmente temos a cada ano por volta de 20 a 30 atividades na agenda, mas não há qualquer obrigação. Talvez um aluno se envolva em 10 a 15 dessas atividades, ao passo que outra pessoa pode se envolver em apenas uma ou duas. A decisão é de cada um. Se a pessoa preferir criar um projeto individual, talvez ela não vá se envolver em nenhuma das aulas ou projetos do cronograma. É claro que, ao fazer isso, ele ou ela pode contar com o apoio dos professores ou de um de nossos mentores.
Nós temos 50 mentores e cada um deles tem sua especialidade: um é advogado, outro é filósofo e assim vai. Além disso, temos quatro professores para 40 estudantes, e nós professores também podemos apoiá-los se eles quiserem.
No início de outubro, um semestre depois do início do ano letivo, temos com cada estudante uma sessão de acompanhamento individual, e nessa conversa podemos ajudá-lo a ajustar seu plano de aprendizado para o ano, se for preciso.
No fim do ano letivo, todos os alunos fazem uma apresentação direcionada aos outros estudantes. Não há um formato específico: se a pessoa quiser dançar, ela pode; se quiser tocar uma música ou fazer uma fala com o auxílio do Powerpoint, se ela quiser escrever e apresentar um artigo, pode. Não há um formato obrigatório. E os outros alunos podem reagir à apresentação, de modo que cada estudante seja levado a refletir sobre o ano que passou. Um mês depois, começa o próximo ano letivo, e assim os alunos que permanecerem começarão uma nova jornada. É um ciclo.
Quanto aos projetos, na Shure atualmente há um tema muito popular: cinema. Há algum tempo um grupo de estudantes começou um festival de cinema internacional. O que eles fizeram foi uma chamada aberta para filmes de todos os lugares, nacionais e internacionais. Com a ajuda de um diretor de cinema experiente, escolheram os filmes a ser exibidos no festival. Eles também produziram um filme. Isso foi em agosto.
Em setembro e outubro há um momento de estudos autodirigidos. Geralmente no Japão, assim como em outros países como o Brasil, não é permitido usar o sujeito “eu” ao escrever artigos acadêmicos. Não é permitido escrever coisas como “eu gosto disso” ou “eu penso assim”.
Sim, isso é muito comum mesmo. Na academia somos impelidos a usar “nós” ou então até mesmo esconder o sujeito e fingir que ninguém está escrevendo aquilo
Sim, mas na universidade Shure muitas pessoas estudam o eu. Elas buscam investigar e ressignificar o que aconteceu com si mesmas no passado. Por exemplo: uma aluna começou a se aprofundar no seu complexo de inferioridade relacionado à sua percepção corporal. Ao interpretar algo que aconteceu consigo mesma, ela usou muito o sujeito “eu” em seus textos. Logo, todos são livres para escrever “eu” em seus artigos. Temos muitas pessoas cujos estudos estão mais voltados para o eu do que para a sociedade em que estão inseridas.
Em setembro, os estudantes escrevem um ensaio. Em outubro, eles também fazem uma apresentação pública de seus estudos, e nesse momento um filósofo faz um comentário crítico sobre as produções apresentadas.
Em dezembro nós temos um festival de teatro. No ano passado, convidamos uma escola democrática da Rússia para vir ao festival, e eles encenaram algumas peças de teatro russas para nós, e nós encenamos peças japonesas para eles.
Em fevereiro, um grupo de estudantes organiza uma exposição de arte. Temos esse tipo de evento aberto ao público umas quatro ou cinco vezes por ano.
Portanto, vocês têm um calendário anual que começa em abril e conversas individuais de acompanhamento na metade do ano. E há vários tipos de eventos diferentes acontecendo durante o ano como apresentações de teatro e festivais de cinema. É isso?
Sim.
É muita coisa! E como essas decisões a respeito das atividades e eventos foram tomadas?
É importante falarmos disso. Nós temos reuniões gerais duas vezes por ano organizadas pelos próprios estudantes. O facilitador da reunião é um aluno, a pessoa que registra o que foi decidido também é um aluno, são eles que conduzem as reuniões. Todas as decisões relevantes são feitas nessas reuniões.
Vocês usam algum método de tomada de decisão?
A maior parte das coisas realmente importantes são decididas via consenso. Contudo, coisas pequenas podem ser decididas por voto. Por exemplo: alguns estudantes decidem criar um acampamento de verão. Organizam-se em um comitê para fazer isso e criam opções de local para o acampamento acontecer — na praia, nas montanhas ou no lago. A partir disso, os alunos discutem e tomam a decisão por meio do voto. Coisas assim podem ser decididas pelo voto da maioria sem problemas. No entanto, decisões relacionadas ao orçamento da universidade, ao preço da mensalidade, enfim, tudo isso é decidido por meio de consenso.
Quanto ao que é aprendido na universidade, os temas e assuntos, os alunos têm a possibilidade de também compartilhar seus conhecimentos, ou a tarefa de “ensinar” é reservada somente aos professores e mentores?
Em algumas aulas, estudantes ensinam coisas a outros estudantes. Depende da aula.
Entrei no site da Shure e vi que vocês têm quatro tipos de atividades: cursos, projetos coletivos, projetos individuais e o curso “Criando seu próprio estilo de vida”. O que é exatamente isso? É mesmo um curso ou é uma filosofia que embasa toda a universidade?
Muitos estudantes da universidade Shure têm uma grande vontade de encontrar seus próprios caminhos na vida quando vêm até nós. Nossos estudantes estão realmente interessados em duas coisas: uma delas é responder à pergunta “quem sou eu?”. Eles têm esse interesse em comum. A outra coisa que eles querem é criar seu próprio estilo de vida. Essas duas coisas são muito importantes para eles. Por isso, o nome de uma de nossas aulas é “Criando seu próprio estilo de vida”. Contudo, isso não se aplica somente a esse momento, mas também a outros projetos e atividades que temos. Ao participar dos diferentes tipos de atividades oferecidos na universidade, eles estão criando seu estilo de vida.
O “Criando seu próprio estilo de vida” é uma aula, um momento específico dentro da rotina da universidade?
Sim. Toda semana, nós oferecemos esse curso. Temos quarenta estudantes no total e vinte deles estão inscritos nessa aula, ou seja, ela é bastante popular. Não é obrigatório, então eles participam porque realmente é importante para eles.
Queria entender melhor o que acontece na aula de criação de estilo de vida. Que tipos de método vocês usam nessa aula?
Há duas direções: uma é imaginar o futuro. A outra é refletir sobre o passado. Dividimos a discussão em duas partes: um estudante apresenta sua questão na primeira parte e outro na segunda. Cada aluno tem liberdade para fazer apresentações sobre quaisquer assuntos que eles quiserem falar. Então, uma pessoa pode falar sobre seus planos de futuro, o que é bom, e outra pessoa pode apresentar algo que aconteceu com ela no passado, o que também é bom.
Nós acreditamos que existem sete áreas ou aspectos da vida. O primeiro é comunicação interpessoal, outro é envolvimento na sociedade, o terceiro é o uso que fazemos do tempo, o quarto é como gerenciamos nosso dinheiro, o quinto é como nós pensamos o trabalho, o sexto é identidade de gênero e o último compreende as relações em família. Esses são os aspectos abordados quando eles estão criando seus estilos de vida. Neste sentido, os estudantes refletem sobre seus interesses dentro de cada área. Por exemplo, no campo das relações familiares, caso a direção escolhida seja o futuro, o estudante talvez refletirá sobre o tipo de estrutura familiar de sua família e talvez reflita também sobre os diversos tipos de família existentes, dando sua percepção sobre eles. Outro exemplo: se uma aluna teve uma má experiência de trabalho, ela pode escolher a direção do passado e então refletir sobre os porquês de ter tido uma experiência ruim. Ela começa, então, a chegar nas causas do problema, e talvez essa reflexão a ajude a prevenir que isso aconteça novamente. É assim que funciona: uma pessoa apresenta sua questão e aí todos os estudantes discutem juntos. Esse é o conceito da aula.
Pelo que você me disse, existem quatro professores na universidade e dezenas de mentores. Esses dois são os principais papéis dentro do staff da universidade, os professores e os mentores?
Acho que não entendi sua pergunta, poderia repetir por favor?
Pelo que entendi, o papel dos professores é apoiar os estudantes em seus processos de aprendizagem, e o papel dos mentores é mais especializado, de modo que cada um deles possui uma expertisediferente. Existem outras funções desempenhadas pelos que trabalham na universidade?
Os professores ajudam os alunos em seus estudos e atividades. Se um estudante deseja ter uma mentoria com um de nossos mentores, nós ajudamos com a coordenação disso. Algumas pessoas, ainda que sejam especialistas em suas áreas de atuação, não compreendem bem a educação democrática. Por isso, às vezes os professores precisam explicar para eles o que fazemos e como fazemos. Essas tarefas também são levadas à cabo por nós, digo, pelos professores.
Gostaria de falar um pouco mais sobre o papel dos professores. No programa Desaprender, do UnCollege, nós nos chamamos de facilitadores, mas acredito que o que fazemos é bem parecido com o que vocês fazem. Os professores apoiam os estudantes durante seus percursos de aprendizagem, mas o que isso significa na prática? Você poderia compartilhar comigo alguns exemplos ou histórias em que esse apoio aconteceu?
A tarefa mais importante do professor na universidade Shure é apoiar os estudantes. Eles têm seus próprios interesses, claro, mas frequentemente eles dizem “estou interessado neste ou naquele tema” ou “quero aprender a fotografar”, mas isso não é específico o suficiente. Por exemplo: cinema é algo que interessa muitos deles, documentários, filmes de ficção. Quando nós perguntamos aos que querem se desenvolver nessa área como eles pensam em fazer isso, eles dizem: “não sei”. Então, nosso apoio tem como um dos principais focos ajudá-los a clarear como eles querem aprofundar seus interesses. Todos eles têm suas preferências, mas frequentemente eles não sabem quais são. Nós os ajudamos a ter mais clareza.
Algumas vezes nós sugerimos coisas; outras vezes eles, já vêm com uma ideia. Mas nós nunca impomos nada. Assim, se uma pessoa quer fazer um filme, nós perguntamos: que tipo de filme? Algumas vezes nós sugerimos, às vezes nós simplesmente a escutamos, fazemos perguntas, e tudo isso contribui para que a pessoa tenha mais clareza. Ou seja: os estudantes pensam por si mesmos e tentam responder a essas perguntas dos professores, e então eles conseguirão entender melhor seus próprios interesses.
Nesse processo de apoio aos estudantes vocês usam algum tipo de ferramenta ou recurso? Se sim, quais?
Nós temos uma tutoria, como eu te disse, no começo de cada ano, e outra no meio do ano. Mas elas não acontecem apenas nesses momentos: a qualquer tempo os estudantes podem solicitar uma tutoria com os professores.
A tutoria é a conversa individual entre aluno e professor?
Sim. Sempre que um aluno quer ter essa conversa, ele marca um horário com algum dos professores. Às vezes é o oposto: um professor pergunta a um aluno se ele gostaria de ter uma tutoria. O timing é muito importante. Um outro papel de apoio fundamental dos professores é ajudar a promover bons relacionamentos entre os estudantes. Isso é essencial porque os alunos colaboram muito entre si.
Eu queria conversar um pouco mais sobre a rede de mentores que vocês criaram em torno da universidade. Temos uma rede similar no UnCollege. Como essa rede funciona? Especificamente, vocês remuneram essas pessoas?
Nós os remuneramos, mas eles entendem que nós não somos ricos; por isso, nós acabamos pagando menos do que a remuneração de outros lugares. Eles são pessoas muito boas, vários deles são até bem famosos por aqui, mas eles compreendem nossa situação e o fato de que não temos muito dinheiro e nos apoiam. Alguns deles vão à universidade regularmente, às vezes uma ou duas vezes por mês, o que significa que eles dão aulas regulares. Outras vezes, se um aluno quer ter uma conversa com um antropólogo da nossa rede, por exemplo, ele vai até o escritório desse mentor para ter uma mentoria com ele. Depende da situação.
Ontem, conheci uma ex-estudante da universidade Shure aqui na conferência e ela me disse que abriu uma empresa junto com outros ex-alunos. Você poderia me contar mais sobre essas iniciativas de ex-alunos?
Nós continuamos a apoiar nossos ex-alunos, e às vezes nós os ajudamos a encontrar lugares interessantes para eles se desenvolverem a partir de seus interesses e motivações. Por exemplo, um deles nos disse que gostaria de trabalhar numa organização social focada em cuidar da população com 80 anos ou mais. Ele é jovem, tem 20 e poucos anos, mas seu pai tem 87. Por isso, ele está muito interessado em trabalhar nesses locais que cuidam de pessoas idosas. Por meio da nossa rede acabamos conhecendo vários lugares, então nós o conectamos a uma organização desse tipo e ele gostou bastante, e dentro de pouco tempo começou a trabalhar lá. Em relação aos ex-alunos que resolvem empreender, nós também os apoiamos.
Você diria então que um dos principais papéis da universidade é apoiar os estudantes na sua busca por trabalhar ou empreender?
Não exatamente. O propósito da universidade é ajudar a criar as condições para que os estudantes possam concretizar seus planos de futuro. O plano em si depende de cada um. Alguns deles querem abrir negócios sociais, outros querem trabalhar em empresas, e tudo bem. E talvez o desejo de uma terceira pessoa seja ser freelancer, e tudo bem também.
Você havia comentado que, quando uma pessoa entra na universidade, ela fica ao menos um ano estudando. Depois desse período ela escolhe se vai permanecer mais um ano ou não. Existe um período de tempo máximo de permanência de um estudante na universidade?
Não temos limitações. No mínimo um ano, mas não há limite máximo. Algumas pessoas se formam na universidade Shure em três anos, por exemplo, outras ficam seis anos. Isso são elas quem decidem. O tempo necessário para uns é diferente para outros. Eles decidem.
Você poderia me contar mais detalhes sobre como são as escolhas de carreira de quem se forma pela Shure?
Muitos dos nossos ex-estudantes preferem ir trabalhar em organizações sem fins lucrativos. Alguns deles começaram a trabalhar como bibliotecários, por exemplo, outros foram atuar em organizações que cuidam de pessoas idosas, como te disse, e assim vai. Dentro daqueles que optaram por criar negócios sociais, há por exemplo uma editora especializada em publicações sobre educação. E também há aqueles que se tornaram professores em outras escolas democráticas.
Quantos estudantes já se formaram pela universidade?
Por volta de 170 pessoas.
Você diria que existem outros padrões nas escolhas de trabalho desses ex-estudantes?
Ainda que ganhar dinheiro seja importante para que eles continuem suas vidas, o que os ex-alunos da universidade Shure querem é encontrar significado no que fazem. Talvez seja por isso que eles preferem trabalhar em organizações sem fins lucrativos.
Estamos iniciando uma comunidade de aprendizagem livre para adultos no Brasil. Você poderia compartilhar comigo alguns dos aprendizados fundamentais que teve durante esses anos empreendendo a universidade?
Em relação aos professores, é muito importante que eles entendam profundamente os alunos. E, além disso, que eles entendam bem o mundo. Este é um ponto central. Nossos estudantes vivem no mundo real. Por isso, os professores precisam construir suas próprias visões sobre a sociedade e buscar entender melhor os alunos. Isso é essencial para que possamos apoiá-los.
No momento atual da universidade, quais são os principais desafios?
Estamos com alunos de idades bem distintas. Alguns deles são adolescentes com 18 ou 19 anos, a maioria está na fase dos 20 anos, e alguns estão na fase dos 30. No caso dos adolescentes, são os pais que geralmente pagam a universidade. Mas para os outros, especialmente para os que estão na casa dos 30, eles precisam pagar as mensalidades do próprio bolso. E para eles é caro. Viver em Tóquio não é barato: o custo de vida é semelhante ao de uma grande cidade como São Paulo. Nós criamos uma política de bolsas de estudo, mas não é fácil porque não temos muito dinheiro. Por conta disso, temos um número limitado de bolsas disponíveis. Até tentamos negociar com estudantes que vêm de famílias de baixa renda para que eles consigam arcar com as mensalidades, mas em relação às bolsas, realmente não podemos conceder muitas delas porque nosso orçamento é pequeno. Essa questão tem sido bastante desafiadora.
A única fonte de recursos da universidade são as mensalidades?
A maior parte vem das mensalidades, mas não tudo. Nós recebemos dinheiro da fundação da GAP. Eles doam uma quantia significativa para a universidade.
É como um patrocínio?
Sim. Eles investem em iniciativas educacionais.
Legalmente, a universidade Shure é uma ONG?
Sim.
No início da universidade Shure, quais foram as principais referências que vocês levaram em consideração? Onde vocês buscaram inspiração? Com certeza a educação democrática deve ser uma referência fundamental para vocês, mas quais outras inspirações influenciaram o trabalho desenvolvido na universidade?
Várias experiências de educação democrática pelo mundo nos inspiraram bastante. No nosso primeiro ano, foi muito interessante para nós conhecer mais sobre o movimento Bauhaus surgido na Alemanha nos anos 20.
O que foi o movimento Bauhaus?
Walter Gropius foi um dos líderes desse movimento que aconteceu na Alemanha antes da segunda guerra mundial. Um grupo de artistas e arquitetos fundou a escola Bauhaus, onde eles ajudavam pessoas adultas a construir seus próprios caminhos de aprendizado. Muita gente famosa frequentou essa escola. A ideia da escola é interessante porque, numa era de produção em massa, ela mostrou que nós podemos enriquecer nossas vidas independentemente da nossa idade. Ainda que as artes e o design fossem temas centrais para eles, havia também uma preocupação com a espiritualidade.
A Shure abre todos os dias da semana?
De segunda à sexta das 10 da manhã às 7 da noite. Às vezes vamos até as 9 da noite porque alguns alunos só chegam do trabalho nesse horário.
Como você vê a universidade Shure daqui a cinco anos?
Daqui a cinco anos, teremos mais gente que se formou pela Shure, e isso é ótimo porque essas pessoas entendem muito bem a universidade. Isso talvez faça com que mais ex-alunos se tornem professores de meio expediente na universidade, o que seria muito bom porque eles realmente compreendem bem a dinâmica e os estudantes. Isso seria ótimo para nós.
Para saber mais
http://shureuniv.org/english – um resumo do site oficial em inglês
http://www.slideshare.net/alexbretas11/universidade-shure-criando-uma-universidade-democrtica-no-japo – palestra de Kageki Asakura na IDEC@EUDEC 2016 traduzida em português por mim
http://shureuniv.org – site oficial da universidade Shure (em japonês)
http://shureuniv.org/blog – blog da universidade (em japonês)
https://www.facebook.com/shureuniv – página no Facebook da universidade (em japonês)
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