Vera Cabral
Consultora em educação da Bett Brasil Educar e diretora executiva da Abrelivros
23/09/2016
O ensino médio não é mais o mesmo. A publicação da Medida Provisória (MP), que define a sua nova estrutura e institui a política de fomento à implantação de escolas de em tempo integral nesse segmento da educação básica, explicita a clara disposição do Governo Federal de mudar a educação no País.
No clima da recente divulgação de mais um resultado negativo, explicitado pelo Ideb, e da discussão da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), a proposta de restruturação do ensino médio mostra que o MEC tem projeto e premência de mudar o quadro atual da educação.
Na avaliação do significado e alcance da reforma, muitas discussões importantes emergem nesse momento. Mas, por ora, vamos nos ater a três, de caráter mais geral.
A primeira, diz respeito à forma: alterar a legislação educacional por medida provisória é fato relevante. Normalmente, as discussões sobre tais leis se arrastam por anos, décadas, no Congresso Nacional, antes de se chegar a algum termo.
Sem entrar no mérito da discussão, a decisão por fazer a mudança por meio de MP, neste caso, amparou-se na percepção de urgência, apoiada em fatos, tais como: (i) a evidência de falência do modelo vigente, dada, mais do que pelo Ideb, pela alta evasão e descontentamento da sociedade - trajetória única, conteudista, focada exclusivamente no vestibular; (ii) o contexto de discussão da BNCC, que explicitou a premência de mudanças no ensino médio: como defini-la, quando o próprio modelo que o estrutura mostra-se falido? (iii) o ambiente de discussão e negociação estabelecido no processo de construção da BNCC entre as instâncias federativas na área educacional - MEC, secretarias estaduais e municipais, que propiciou o desenho conjunto do novo ensino médio, pelas instâncias responsáveis, respectivamente, pela definição da política (MEC) e por sua implantação (Estados). Na prática, inverteu-se o processo: partiu-se da negociação entre os entes responsáveis pela política (formulação e implementação), amparados em consultas públicas sobre a Base Nacional Curricular Comum, para, a seguir, levar a discussão ao Congresso Nacional.
A segunda discussão é sobre o conteúdo. Mais do que definir incentivos à implantação do ensino médio em tempo integral (7 horas diárias), fica estabelecido que ele será composto "pela Base Nacional Curricular Comum e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas áreas de conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas) ou de atuação profissional (formação técnica ou profissional). Temos aqui a tão discutida e almejada diversificação do ensino médio.
Muito se tem discutido sobre isso e suas consequências. Se, por um lado, ela é desejável e oportuna, um argumento contrário levantado é que a redução da parte comum levaria a uma diferenciação entre escolas, com impactos negativos sobre as possibilidades futuras dos alunos. Esse é um risco real, que somente poderá ser mitigado pela implementação consciente e cuidadosa por parte dos Estados. O texto apresentado prevê, ainda, o possível retorno dos alunos para cursarem um segundo itinerário (na disponibilidade de vagas). Mas, na prática, isso é pouco provável de ocorrer, pelo menos a médio prazo: se completar o ensino médio já é para poucos, voltar a ele requererá uma mudança enorme de percepção por parte da sociedade.
Cabe, ainda, uma observação sobre os incentivos à implantação de escolas de tempo integral. A União se obriga a repassar recursos adicionais aos Estados, por escola de tempo integral implantada, com base na quantidade de matrículas e em valor fixo por aluno, pelo período de quatro anos. Mas os montantes são condicionados à disponibilidade orçamentária para atendimento. O que abre espaço para insegurança por parte dos Estados.
E, por fim, a terceira discussão é sobre a implantação. O modelo definido é de implementação complexa e os Estados não estão preparados para isso. Um primeiro aspecto diz respeito ao quadro de professores: diversificar os itinerários nas áreas do conhecimento não chega a ser tão problemático. Mas criar as trajetórias de formação técnica e profissional é difícil, já que as secretarias estaduais não contam com tais profissionais ou, quando os têm, são em quantidade insuficiente. Fato agravado no atual contexto de dificuldades financeiras dos Estados. Até por esse motivo, o texto prevê que:
"os sistema de ensino possam reconhecer, mediante regulamentação própria, conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação, como: demonstração prática; experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar; atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino; cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais; estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; e educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias."
O que, se por um lado tende a facilitar a implantação da diferenciação de itinerários, por outro, explicita complexidade envolvida.
Mesmo diante de todas as dificuldades, a educação brasileira merece mudar. Vamos enfrentá-las, aprofundar o diálogo, aprimorar as políticas e os instrumentos e ter coragem de encarar o novo. Só assim conseguiremos sair desse quadro de mediocridade e marasmo que assola a educação no Brasil.
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