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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Ludy Green: “Nos Estados Unidos, o status da mulher ainda não é muito positivo”

A americana Ludy Green, especialista em violência doméstica (Foto: Divulgação)
A americana Ludy Green, especialista em violência doméstica (Foto: divulgação)

























A especialista em violência doméstica destaca o papel da independência financeira das vítimas para quebrar o ciclo de abuso

TERESA PEROSA
21/09/2016

A americana Ludy Green é fundadora da ONG Second Chance, uma agência de empregos destinada a ajudar e atender mulheres vítimas de violência doméstica. Green conheceu o abuso de perto – sua mãe foi vítima de agressões – e trabalha com o tema há mais de 16 anos. Por meio de sua organização e em seu trabalho em defesa das vítimas, ela já auxiliou milhares de sobreviventes de violência doméstica e mulheres alvo de tráfico de pessoas. Green chegará ao Brasil na segunda-feira (26) para uma série de palestras sobre o tema. Nesta entrevista a ÉPOCA, ela conta sua experiência pessoal e explica por que dar independência financeira à vítima é crucial para que o ciclo de abuso seja quebrado.
ÉPOCA – Por que a independência financeira é crucial para auxiliar as vítimas?
Ludy Green – 
É muito importante porque, se elas conseguem ser independentes financeiramente, no momento em que a mulher começa a fazer seu próprio dinheiro, ter objetivos, um futuro, ela se sente empoderada. Ela começa a se sentir bem, a pensar em seu valor. Sabe que conseguirá seguir em frente, porque tem seu próprio sustento, não precisa ficar pedindo e implorando a alguém para que a sustente e tome conta dela e de suas crianças. É muito crucial o papel do empoderamento econômico.
ÉPOCA – Como é feito o trabalho com as vítimas?
Green – 
Nós somos uma agência de empregos, basicamente, para vítimas de violência doméstica, para mulheres que têm o histórico de abuso. Então, organizações parceiras enviam as clientes, que chegam de abrigos, de programas sociais, organizações religiosas que as acolhem, como igrejas, sinagogas, mesquitas ou do serviço de Assistência Social do Estado.  Do outro lado, temos nossos parceiros de emprego, que são organizações que estão comprometidas em dar prioridade a essas mulheres que precisam. Nós trabalhamos com grandes corporações, como IBM, grandes bancos como o Bank of America, companhias muito grandes que estão comprometidas em acabar com a violência contra a mulher. Assim que nossas clientes chegam, nós analisamos seus casos, descobrimos quais são as necessidades dessas mulheres. Temos uma abordagem holística. Nós nunca perguntamos "quantas palavras você consegue digitar por minuto" ou nada do tipo. Nós perguntamos: "O que podemos fazer por você? Nós estamos aqui para você". Essa é a melhor abordagem que podemos tomar, para que elas comecem a se abrir e compartilhar conosco como se sentem. Uma vez que coletamos toda essa informação, começamos a planejar: quais são as necessidades, talvez sejam assistência às crianças, transporte, cirurgia plástica, por exemplo – nós tivemos pessoas que precisavam de ajuda médica, então temos recursos que podemos oferecer a elas. Quando está tudo alinhado e em ordem, antes de elas serem chamadas para entrevistas, nós fazemos um seminário de treinamento para elas. Oferecemos cursos de capacitação em tecnologia, às vezes elas precisam aprender a usar o computador para conseguirem um bom emprego como assistente executiva, então nós as capacitamos em faculdades locais. A partir disso, começamos a marcar entrevistas de emprego. E, uma vez que elas estejam empregadas, nós conseguimos dar uma quantidade mínima de dinheiro, que paga mais do que os programas sociais nos Estados Unidos, e partir disso nós vamos vendo se conseguimos benefícios trabalhando com outras companhias. Uma parte do nosso programa também recebe mulheres vítimas de tráfico de pessoas. Temos exemplos de mulheres que vieram do Camboja, da Tailândia, traficadas para esse país quando eram muito novas. Temos um número muito alto de mulheres que são traficadas para os Estados Unidos.
ÉPOCA – Violência de gênero, de maneira geral, e violência doméstica especificamente tendem a ser trivializadas, vistas quase como um "mal menor" mesmo em países desenvolvidos. Por que temos tanta dificuldade em lidar com esse problema de maneira eficaz?
Green –
 Nós somos muito influenciados pelas formas e pelos padrões que nos ensinaram desde crianças. Dependendo dos valores que lhe ensinaram, você vai ver a repetição de padrões. Repetimos a nossas crianças o que consideramos ser o melhor para elas, o que torna tudo mais complicado. Nós evoluímos muito nos Estados Unidos, mas ainda há muito por fazer. O status da mulher ainda não é muito positivo.
ÉPOCA – Como o sistema de Justiça nos Estados Unidos funciona para as vítimas de violência doméstica?
Green – 
Nos Estados Unidos, uma em cada quatro mulheres é vítima de violência doméstica. Temos leis importantes sobre a violência contra a mulher e que agora estão começando a reconhecer o papel do abuso econômico e a importância do emprego. Por outro lado, temos cortes e leis diferentes em cada estado. Isso dificulta a criação de um sistema. Por exemplo, um caso em Maryland e outro caso em Virgínia, a forma como os juízes lidam é totalmente diferente. Há casos de homens que escondem seu dinheiro, manipulam os juízes e, no fim, há casos de mulheres que são obrigadas a pagar para seus ex-maridos, é uma loucura. Vou ao Congresso, ao Senado, mostrando como as leis nos diferentes estados não apoiam as vítimas.

ÉPOCA – Qual é o estado que oferece o melhor apoio às vítimas?
Green – 
Até o momento, os melhores estados que eu já tive casos foram Califórnia e Virgínia. São bons modelos. Estão mais conectados com o que precisa ser feito, porque em muitos lugares eles não investigam tanto. Por exemplo, agora eu tenho um caso federal no distrito de Columbia (Washington DC). Trata-se de uma mulher de origem muito rica, cujo marido tirou tudo dela. Essa mulher está na rua, e não temos um abrigo para encaminhá-la. Nos Estados Unidos, com todo esse dinheiro, não há um abrigo ali. Tive de procurar por um de nossos patrocinadores e doadores e pedir que compartilhasse seu porão ou um quarto para ajudá-la. Finalmente consegui, mas é difícil, somos apenas uma agência de empregos. O governo não está fazendo o suficiente em termos de abrigos e apoio, ainda estamos lutando para isso. Há boas intenções, mas eu acredito que há falta de dinheiro, há pouco foco em questões das mulheres e violência contra mulher. Porque se um projeto não recebe financiamento como podemos ajudar as mulheres que precisam? Não temos abrigos e estrutura suficientes para proteger essas mulheres da violência. Não chegamos lá ainda.
ÉPOCA – Em algumas comunidades carentes as meninas são consideradas um fardo financeiro para suas famílias. Algumas são vendidas para casamentos que as deixam  vulneráveis a sofrer violência. Como combater esse problema?
Green – 
Educação é essencial. Tenho experiência trabalhando na Malásia, no Camboja e no Vietnã, onde basicamente conheci os pais e suas filhas, e as meninas na Malásia pareciam estar conformadas em casar muito cedo, digo com 7, 8 anos de idade. Algumas delas eram vendidas para ser escravas sexuais. Para mim, em muitos casos é um problema de pobreza e educação, não se tem ideia dos danos que isso pode causar a essas meninas. Se nós pudéssemos intervir de alguma maneira na educação, isso seria muito positivo e ajudaria na prevenção.
ÉPOCA – Como a senhora começou a trabalhar com violência doméstica?
Green –
 Minha mãe foi uma mulher que sofreu violência doméstica, então o assunto sempre foi muito caro a mim. Quando tinha 19 anos e estagiava no Congresso, comecei a voluntariar em um abrigo para mulheres vítimas de violência. Ali eu percebi: se antes houvesse um lugar como esse, minha mãe nunca teria morrido, ela estaria a salvo, porque era um lar seguro. E não só isso: depois de semanas e meses que estava lá, percebi também que a maioria das mulheres que estavam no abrigo ficava ali algumas semanas e voltava para seu abusador. Eu pensava: como isso pode acontecer? Por que elas voltam para seu abusador? Elas deveriam ir para outro lugar, porque o abuso continuará, vi acontecer quando era criança. Foi então quando caiu a ficha e decidi entrevistar essas mulheres, fiz uma pesquisa para tentar descobrir porque elas voltavam para seus abusadores. E a vasta maioria das respostas dizia que eram totalmente dependentes dos homens, seus abusadores. Era o mesmo caso da minha mãe, elas eram financeiramente dependentes, sentiam que não podiam trabalhar e gerar renda, elas sentiam que não eram educadas o suficiente, então continuavam com seus abusadores, para tomar conta de si e de suas crianças. Foi assim que decidi trabalhar com isso e criei a Second Chance (Segunda Chance).

Época

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