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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Pela 1ª vez, trote da Poli-USP conta com comissão contra machismo, racismo e homofobia

Grupo reúne coletivos feministas, negros e LGBT da Escola Politécnica e, pela primeira vez, teve espaço oficial entre as demais entidades na recepção dos aprovados na Fuvest.

Por Ana Carolina Moreno, G1
13/02/2017

A recepção aos calouros e calouras de 2017 da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), nesta segunda-feira (13), manteve diversas tradições que já duram anos, como o banho de lama, a pintura de rostos com as cores de cada centro acadêmico, o futebol no sabão e uma área VIP para os pais assistirem à festa. Mas, pela primeira vez na história, o trote na Poli contou com uma Comissão Anti-Opressão, para assegurar que todos os calouros, inclusive as minorias, se sintam bem-vindos à faculdade.

Na Faculdade de Direito da USP, trote teve tinta e pinga

Composta por cerca de 20 participantes, a comissão contou com representantes de quatro coletivos que combatem o machismo, o racismo e a homofobia dentro da Escola Politécnica: Poligen, Politécnicas (R)existem, Poli Negra e Poli Pride.

Thor Martins, estudante de engenharia de 20 anos, tomou para si a tarefa de repartir purpurina prateada com todos os calouros que aceitassem. Vestindo o colete cor-de-rosa da comissão, ele explicou ao G1 que o objetivo do grupo é menos denunciar episódios de assédio do que dar visibilidade às minorias dentro da Poli: mulheres, gays e pessoas negras. "Essa é a primeira vez que a gente conseguiu convencer o Grêmio [Politécnico] a ter uma barraca da comissão, eles sempre tiveram a ideia de que não precisa de um coletivo", afirmou ele. "Mas a ideia não é só acabar com a opressão, é fazer as minorias se sentirem bem-vindas na Poli."

Representatividade

No caso dos negros e negras que estudam na Poli, a falta de representatividade também tem efeitos no cotidiano. Estudantes ouvidas pelo G1 relatam que é comum que motoristas dos ônibus que circulam pelo campus da Cidade Universitária não parem no ponto da Escola Politécnica para alunas negras descerem, por não considerarem que elas pudessem ser estudantes da escola. Em outras unidades, como a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), o perfil dos estudantes é mais diverso, dizem elas.

Larissa Mendes, de 20 anos, vai começar agora o segundo ano de engenharia civil e, junto com a colega Caroline Nascimento dos Santos, de 22 anos, que estuda engenharia de petróleo no campus da Poli em Santos, passaram a manhã tentando contar, pela Poli, o número de calouros e calouras negros: até o meio-dia, chegaram a cinco. "Cinco de 800", lembrou Caroline. Neste ano, das 870 vagas na Escola Politécnica, 783 foram oferecidas pela Fuvest e 87, pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

Quando encontrou o quinto calouro negro, Larissa comemorou e posou para fotos com ele. Era Andrei dos Santos, de 19 anos, que mora na Vila Indiana, perto da Cidade Universitária, e foi aprovado em engenharia da computação. "Isso era lógico, eu já sabia", diz ele sobre a expectativa de ser minoria entre os aprovados na Fuvest. "Só não imaginava que seria tão extremo assim."

Quatro anos de pressão

Os coletivos começaram a ganhar força dentro da USP há poucos anos. Na Poli, o Poligen existe desde 2012, segundo a estudante Giovanna Lia, de 20 anos, que está no quarto ano de engenharia civil. "A gente está lutando por espaço há muito tempo", diz ela. "No ano passado, disseram que não tinha espaço para uma barraca da comissão. Nesse ano improvisaram uma barraca de praia pra gente", disse Júlia G. Sanches, de 22 anos, está no quarto ano de engenharia de minas. Segundo Isabelle Soubhia, que cursa o segundo ano de engenharia civil, o avanço está acontecendo "um passo por vez, mas é importante".

A comissão surgiu em 2015 como uma tentativa de reunir tanto os coletivos quanto os centros acadêmicos e o grêmio da escola. Porém, segundo o grupo, ela só começou a ganhar espaço em meados de 2016. Desde então, a comissão está presente em todas as festas e eventos estudantis.

Segundo o grupo, a maior oposição contra a comissão vem dos veteranos da "velha guarda", que já estão perto de se formar, e acreditam que os coletivos descaracterizam a imagem da Escola Politécnica. Mas houve também resistência por parte de calouros e calouras. Nem todos os calouros homens aceitaram as ofertas de purpurina por parte dos veteranos do coletivo Poli Pride, que andavam pelo gramado com um guarda-chuva de arco-íris e os rostos pintados. Júlia diz que homens e mulheres recusaram ter símbolos do feminismo pintados pelo corpo nesta terça-feira.

A opinião sobre a opressão dentro da Poli é divergente. Mulheres que participam de atividades esportivas ouvidas pelo G1 dizem que cada vez mais há uma tentativa de desfazer a imagem negativa que a escola tem em relação a outras faculdades da USP, e dizem que conhecem mais casos de assédio em faculdades particulares do que nas públicas.

A prática de esportes na Poli é incentivada entre homens e mulheres, e muitas calouras foram abordadas para falar sobre os times de vários esportes. Desde 2015, a Poli conta, inclusive, com um time de futebol americano, o Red Pandas, que foi vice-campeã no primeiro campeonato universitário da modalidade, realizado no ano passado.

Opressão ocorre no dia-a-dia

Por outro lado, as estudantes dos coletivos que integram a Comissão Anti-Opressão explicam que, embora casos flagrantes de assédio sexual e agressão física não sejam comuns, no dia-a-dia, mulheres brancas, mulheres negras e pessoas gays ou lésbicas sofrem diversos tipos de opressão. "É hostil. Você vai sofrer assédio, vai falar e não vai ser ouvida", diz Giovanna. "Tanto dos estudantes quanto dos professores. Vai ter professor que vai te desmerecer só porque você é mulher", afirma Caroline Kato, de 20 anos, que entrou na engenharia ambiental neste ano, depois de cursar dois anos de engenharia química.

Entre as atividades que elas realizaram nesta terça estava a intervenção em alguns casos, quando o trote parecia passar dos limites. "Eu impedi um veterano que queria cortar a calça de uma 'bixete'", diz Júlia. "Ela falou que não queria, mas ele não queria ouvir."

Na Poli desde 2013, a jovem diz que já viu uma grande evolução no modo como os engenheiros em formação na USP veem as colegas mulheres. "No meu trote, pintaram um bigode no meu rosto, porque diziam que na Poli só estuda mulher de bigode. Escreveram 'moda', em mim, porque disseram que mulher só pode fazer moda, não pode fazer engenharia", lembra ela.

Paula Arantes, de 23 anos, cursa o quinto ano de engenharia de materiais e jogava a bola de futebol americano na recepção junto com quatro veteranos e um calouro. Ela diz que, nos últimos anos, a mudança no trote conseguiu evitar o fim da diversão. "A diversão continua a mesma, mas cada vez mais o trote tem tentado ser mais receptivo, incentivando que os pais venham assistir, passando a imagem de que você está acolhendo os novos calouros, e não reprimindo."

Veteranos garantem que, na Poli, quem não quer ter o cabelo cortado ou participar das brincadeiras não é obrigado. Na brincadeira na lama, veteranos não encostam em calouros, mas às vezes instruem para que os novatos se sujem entre si. Porém, ainda há episódios em que os recém-aprovados na Fuvest são colocados em situação de submissão e obrigados a seguir ordens. Em um desses momentos, um calouro chegou a ser atingido na cabeça por um ovo atirado por um veterano.

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