O Relatório do Painel Internacional de Controle de Narcóticos de 2016, lançado neste mês de março, mostra que mais mulheres estão morrendo por overdose e aponta a necessidade de políticas e programas específicos para este público. Neste artigo, Werner Sipp, presidente do Painel – organismo independente que monitora a implementação de convenções internacionais das Nações Unidas – discute o tema.
Nunca esquecerei a visita que fiz ao serviço de tratamento ambulatorial para mulheres no Hospital Pereira Rossell, em Montevidéu, Uruguai, em novembro de 2015. Visitava o país como presidente do Painel Internacional de Controle de Narcóticos (INCB) e tive a chance de participar de uma sessão de terapia de grupo com mulheres dependentes de drogas. Muitas falaram sobre o afastamento das famílias por conta da dependência, algumas viveram nas ruas, muitas seguravam os filhos no colo. Encontrei Ana Paula (**), uma mãe nos seus 20 anos, cujo otimismo e entusiasmo admirei, em face da batalha que travava: ela buscou tratamento para a dependência de cocaína depois de descobrir que estava grávida. Ela se deu conta que tinha perdido o controle da sua vida e o que mais queria no mundo era ter um bebê saudável. Ana Paula tinha conseguido se abster da cocaína nos últimos meses, morava num abrigo para mulheres e estava trabalhando – o dinheiro era entregue a uma amiga por medo usá-lo para comprar droga novamente. Sua maior preocupação era criar o filho e planejar o futuro. Ela contou que ir ao serviço de tratamento permitiu que ela retomasse o controle de sua vida.
Infelizmente, ao contrário de Ana Paula, muitas mulheres dependentes não têm a oportunidade de acesso a tratamento e abrigo ou são impedidas de fazê-lo. Em todo o mundo, as mulheres dependentes são excluídas das comunidades e deixadas sem apoio. Embora mulheres e meninas somem um terço dos usuários de drogas, apenas um em cada cinco beneficiados por tratamento é mulher. As usuárias de drogas normalmente são estigmatizadas e discriminadas. Por este motivo, o Relatório do Painel Internacional de Controle de Narcóticos de 2016 enfatiza a necessidade de políticas e programas sobre drogas que levem em consideração o público feminino.
Para que as políticas sobre drogas sejam realmente eficientes, temos que considerar as diferentes situações de homens e mulheres. Os governos precisam levar em conta as necessidades específicas das mulheres dependentes de drogas e garantir a proteção de direitos delas e de suas famílias. Infelizmente, em todo o mundo muitos programas e políticas relacionados a drogas ainda fracassam neste aspecto.
Nos últimos 15 anos, aumentou o número de mulheres presas por crimes relacionados a drogas e, uma vez presas, as mulheres são muito mais propensas a consumir drogas do que os homens. Quando as mulheres são detidas, a vida familiar sofre uma ruptura imensa.
Há uma forte ligação entre o trabalho com sexo e o uso de drogas; as mulheres tendem a trabalhar com sexo para manter a dependência de drogas, enquanto as profissionais do sexo usam drogas para lidar com as exigências e natureza do trabalho. Em muitas partes do mundo, profissionais do sexo não têm acesso a tratamento em razão de estigma, juízo de valor e também pelo desconforto que elas sentem em centros de tratamento predominantemente frequentado por homens. As mulheres dependentes com filhos também relutam em acessar tratamento por medo de serem consideradas mães inadequadas ou perderem suas crianças.
Políticas sobre drogas “tamanho único” não são suficientes. Precisamos de polícias mais bem informadas, programas de prevenção e recursos destinados exclusivamente a mulheres grávidas, profissionais do sexo, pessoas vivendo com HIV/AIDS e presas. Tudo isto é essencial se quisermos proteger e melhorar a saúde e bem estar das mulheres e avançar para uma solução do problema mundial das drogas. Só isto pode dar mais chances para que mulheres como Ana Paula retomem o controle de suas vidas e consigam um futuro melhor.
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