É desejável sermos tão autossuficientes?
Alex Castro
O inferno são as outras pessoas, dizem por aí, mas raramente acrescentam que elas também são o paraíso e o purgatório: são as outras pessoas que roubam nosso coração e que roubam nosso carro, que validam nosso diploma e que invalidam nossas opiniões, que estupram nossa filha e que operam nosso câncer.
Não há como fugir dos suplícios e delícias de compartilhar uma pedra rodopiante com sete bilhões de outras pessoas tão únicas e tão egocêntricas quanto nós — egoístas ao ponto de se importarem mais com elas mesmas do que conosco!
Ao mesmo tempo, nenhum outro animal passa tantos anos tão completamente dependente quanto nós: para todos os fins e efeitos, por causa de nossos enormes crânios, nascemos de parto prematuro e demoramos quase duas décadas para conseguir atuar plenamente como pessoas adultas.
Então, depois de uma infância de extrema dependência e nenhuma autonomia, nos sentindo sempre oprimidas e vigiadas pelas outras pessoas, poucos anseios são tão fortes quanto o de não precisar depender de ninguém.
Por todos os lados, nas salas de cinema e nas salas de aula, nas bocas de amigas e nas bocas de parentes, a mensagem é sempre a mesma: assim como a liberdade e a felicidade, a autossuficiência é daqueles valores unânimes, auto-evidentes, inquestionáveis em nossa sociedade. ("É evidente que é melhor não depender dos outros!", "É óbvio que devemos sempre querer ser o mais independentes possível!", etc.)
Levado ao extremo, entretanto, esse anseio por autossuficiência pode se tornar uma ânsia, uma sofreguidão, uma avidez, que acaba por corroer nossos relacionamentos, minar nossas comunidades, destruir nosso planeta.
A autossuficiência se torna uma prisão quando, por ser tão auto-evidente e inquestionável, deixamos de perceber que existem alternativas mais coletivas, mais comunitárias, menos egoístas para organizarmos nossas vidas, nossas economias, nossos amores;
A autossuficiência também se torna uma prisão quando, por sermos tão constantemente oprimidas pelas outras pessoas, almejamos um modelo impraticável de autossuficiência emocional: queremos ser a mítica pessoa que não se importa com a opinião de ninguém, quando poderíamos facilmente escolher nos rodear por pessoas cujas opiniões nos importam.
É desejável sermos tão autossuficientes? Aliás, é possível? E o que se perde nessa busca por uma impossível, indesejável autossuficiência?
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Pessoas que não ligam para a opinião de ninguém
Talvez seja um dos piores elogios que recebo:
"Ai, Alex, um dia quero ser assim que nem você, não ligar para a opinião de ninguém!"
Uma pessoa que não liga para a opinião de ninguém é uma sociopata, imersa em seus próprios problemas e necessidades, cega e surda a todas as pessoas à sua volta: eu não sou assim — espero! — e não acho desejável que ninguém seja.
Não temos a escolha de não nos importarmos com a opinião das outras pessoas, mas temos a escolha de nos importarmos com a opinião de quais pessoas.
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Existem outras tribos
A evolução nos fez animais gregários. Se havia de fato pessoas que não ligavam para a opinião de ninguém, elas ou foram expulsas de suas tribos ou saíram por vontade própria, e morreram sozinhas, no meio do mato, sem deixar descendentes — e, provavelmente, muito, muito felizes. Somos todas descendentes das pessoas que ficaram na tribo, que aceitaram suas regras quase sempre opressoras, que ajudavam umas às outras mesmo quando não tinham vontade, que morriam de medo de não estar adequadas à normalidade vigente, que sacrificavam sua individualidade para pertencer ao grupo.
Por isso, uma das tarefas mais difíceis na vida de qualquer pessoa é ir contra as expectativas do seu grupo. Nunca será fácil anunciar para nossa família heteronormativa que somos gays, ou para nossa família de médicas que vamos cursar geografia. Se já é difícil sair publicamente de um grupo de amigas de infância no Whatsapp, o que dirá então de sair publicamente de uma igreja, abandonar uma graduação, terminar um relacionamento, assumir a homossexualidade, fazer transição de gênero!
Dizer “não” às pessoas que nos cercam, às pessoas que nos viram crescer, às pessoas que rezam, estudam, transam conosco, vai contra os nossos mais profundos e arraigados instintos gregários, instintos selecionados por um milhão de anos de evolução, instintos responsáveis por nos tornar a espécie dominante desse planeta. Não é fácil negar esses instintos, mas é possível. E, se não quisermos ser escravas das expectativas do nosso grupo, é necessário.
Hoje em dia, a opção não é mais ou aceitarmos as regras da nossa tribo ou morrermos sozinhas no mato: existem outras tribos.
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Quem são meus ídolos
Há muitos anos, eu odiava sair de casa todo dia de manhã, de barba feita e fantasiado de executivo, para trabalhar o dia inteiro vendendo minha energia vital para realizar os projetos de outras pessoas.
Mas eu pensava:
“O errado deve ser eu. Afinal, todo mundo faz isso. Se essas pessoas conseguem, eu também consigo.”
E lá ia eu me torturar mais um pouco.
Um dia, uma pequena mudança de foco fez toda a diferença. Em vez de olhar para as pessoas que já tinham se acostumado às torturas que ainda me atormentavam, desviei minha mirada para as pessoas que viviam vidas diferentes, mais livres, mais abertas, mais bonitas, e pensei:
“Se elas conseguem, eu também consigo!”
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Não existe lugar onde possamos fazer o que quisermos
Quando trabalhei em uma empresa de investimentos em internet, o código de vestuário me oprimia: a chefa olhava feio até para barba por fazer. Finalmente, larguei tudo e fui fazer doutorado em literatura, pensando que lá poderia me vestir como quisesse. Mas não era verdade.
O moço que ia de terno, gravata, sobretudo e pasta 007 (uma roupa perfeitamente adequada à minha empresa anterior!) era visto como um esquisitão. Um sujeito que um dia apareceu com uma camisa Lacoste foi zoado por uns seis meses. A moça que às vezes usava salto alto, cor-de-rosa e estampas de oncinha ganhou o apelido nada elogioso de Barbie. Tanto a empresa de investimentos quanto o doutorado em literatura tinham códigos de vestuário severos, cuja infração acarretava penas sociais imediatas. Com uma crucial diferença: o código de vestuário da empresa de investimentos me oprimia todos os dias; o código de vestuário do doutorado em literatura nunca me incomodou.
Esse mítico lugar “onde podemos fazer o que quisermos” simplesmente não existe. É uma fábula que contamos para nós mesmas, para tornar mais toleráveis os lugares cujas regras nos oprimem. Mas não precisamos nem tolerar os lugares que nos oprimem com suas regras, nem nos perder em uma busca vã pelo paraíso mítico da liberdade total sem regra alguma: podemos buscar lugares onde as regras não nos oprimam.
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Nem todas as pessoas vão nos amar
Existem poucas atitudes mais vaidosas do que autorizar a própria biografia. São sempre pessoas públicas que já enfrentaram escândalos, ataques e polêmicas, e que parecem pensar: “Ah, Beltrana me odiava porque não me conhecia; Fulana fez campanha pra me destruir porque não entendeu minha mensagem.” Afinal, ninguém que realmente as conheça, ninguém que realmente as entenda, poderia odiá-las, confrontá-las, atacá-las. Só essa certeza tão vaidosa justifica autorizar uma biografia e entregar todos seus arquivos ao escrutínio de uma outra pessoa.
A vaidade é acreditar que se a biógrafa ler todas as cartas, consultar todos os documentos, falar com todas as amigas, então, será impossível não amar a biografada. A vaidade é não perceber que ninguém está ou esteve ou estará a altura dessa presunção, que ninguém é ou foi ou será amada por todas.
As pessoas que não nos entendem, e que talvez nos odeiem, não é porque não nos conhecem direito ou porque não ouviram com cuidado nossa mensagem, e nem mesmo porque são canalhas ou mal-intencionadas. Mas sim porque são outras pessoas, que fizeram outras escolhas, que tem outras prioridades, que viveram outras vidas.
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Cultivar a excentricidade
A filha de uma de minhas melhores amigas iria fazer aniversário e, por isso, perguntei a outra amiga:
“Não entendo nada de criança. Tem problema se eu der um vale-presente?”
E a amiga colocou uma mão carinhosa em meu ombro e respondeu:
“Imagina, Alex. Vindo de você, não tem problema nenhum!”
Mas esqueci de dar o vale-presente.
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Ser artista é sofrer em público para o benefício das outras pessoas e se abrir ao seu julgamento — às vezes impiedoso, muitas vezes surpreendentemente generoso.
Se perguntamos a uma turma de jardim de infância quem é artista, todos os braços se levantam. Ao longo dos anos, os braços vão minguando. Lá pela sexta série, as autodeclaradas artistas são apenas uma ou duas, levantando o braço de maneira bem hesitante, olhando em volta, temendo o julgamento de seus pares, não querendo nunca se tornar as esquisitas da turma.
Mas ocupar esse lugar da pessoa excêntrica e fora-do-padrão pode ser salvador: ele nos permite transgredir as regras com uma liberdade que teria custado caro às outras pessoas.
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Cultivar uma reputação de excentricidade foi uma das melhores coisas que fiz por mim mesmo. Na adolescência, o peso das regras de conformidade social da minha escola teria me esmagado. Ser excêntrico, ser artista, ser esquisitão, salvou minha vida e minha sanidade. Continua salvando até hoje.
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Quem desejamos atrair?
Ao invés de me modificar pra atrair gente que não gosta da pessoa que me construí para ser, sempre preferi me expor — e, então, receber e amar as pessoas que se atraíssem pela minha construção.
Na escola, eu me oferecia para fazer massagens nos pezinhos das minhas amigas, elogiava quando apareciam com a unha pintada, demonstrava reparar. Sim, algumas não gostavam da atenção – e eu, naturalmente, por respeito e por cautela, nunca mais fazia comentários do gênero. Algumas deviam me chamar de mil nomes pelas costas – mas e daí?
O importante é que algumas outras se aproximavam, curiosas, instigadas, fascinadas, puxando assunto:
“Nunca vi menino achar pé bonito”, “Gosto tanto de carinho na solinha”, “Ninguém reparou na minha tornozeleira nova, acredita?”, “Como é que você fez massagem no pé da Lívia e ainda não fez no meu?”, etc.
E assim começaram praticamente todas as experiências sexuais da minha adolescência.
Mas outras pessoas preocupadas tentavam me alertar:
“Alex, vale mesmo a pena pagar de maluco pra todas as meninas da escola só pra beijar o pé de três ou quatro?”
E eu respondia:
“Claro. Tem quinhentas meninas na nossa escola. Se todas se interessassem por mim, seria um pesadelo! Eu não teria tempo de fazer mais nada. Melhor eu me mostrar como eu sou e atrair só aquelas poucas que ficam atiçadas e curiosas, que têm as mesmas taras, que gostam tanto de ter seus pés lambidos como eu gosto de lambê-los.”
(Naturalmente, eu sou muito mais que uma pessoa que gosta de pés e qualquer mulher é muito mais do que um par de pés, ou um par de qualquer coisa, mas essa era apenas a primeira fagulha de interesse que dava ignição à paquera.)
Eu não quero todas as mulheres do mundo: quero apenas, dentre as que me querem, aquelas que eu também quero de volta.
Muita gente me acha esquisito? Essa é a ideia: sou esquisito mesmo. (Em um mundo tão canalha, a maior esquisitice seria não ser esquisito.)
Nada pode ser mais libertador do que se livrar da ilusão de que existe algo que possamos fazer para sermos amadas e desejadas por todas as pessoas. Ser rejeitado pelas pessoas certas só faz bem: me poupa o trabalho de ativamente espantá-las. Eu me revelo justamente para descobrir quem vai bailar comigo e quem vai se encostar na parede.
Vale a pena afastar mil bois pra atrair uma única leoa.
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Procurando por filé mignon na padaria
Uma pessoa amiga, depois da separação, entrou na fase de querer transar com uma pessoa diferente por noite. Mas, depois de algumas semanas, ela me confidenciou:
“Só tem gente canalha nessa cidade!”
E eu respondi:
“Olha, é uma questão de números. Nada contra transar com uma pessoa diferente por noite, mas o rigor do seu processo seletivo vai ter que ser necessariamente baixo.”
“Mas, pô, Alex, toda noite, saio com as amigas, dançamos, nos divertimos, eu encontro caras, às vezes levo um pra casa na hora da xepa, mas, porra, tudo cachorro!”
“Nada contra pessoas que saem para dançar e transam com as pessoas que conhecem na pista de dança, mas parece, pelo que você mesma diz, que não são esses caras que você quer. Só que o mundo está cheio de gente. Quem gosta de pessoas esportistas, pode paquerar na academia, na praia. Quem gosta de pessoas leitoras, na biblioteca, na livraria. Senão, é como ir todo dia na mesma peixaria, pedir sempre filé mignon e depois reclamar que não tem filé mignon nessa cidade!”
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Não existe gosto unânime
Quando uma pessoa diz que se não se depilar (ou qualquer outra coisa) não conseguirá atrair ninguém, ela está confirmando uma ideia muito perigosa: que as pessoas são homogêneas em seus gostos e que existem expectativas tão unânimes que quem não as preencham vão purgar uma solteirice eterna.
Só que não é verdade.
Se quisermos uma pessoa diferente por noite, aí sim talvez seja uma boa tática seguir o gosto médio. Mas não é isso que a maioria de nós quer.
Em média, a pessoa brasileira têm doze parceiras sexuais ao longo da vida, um número razoavelmente pequeno, que podemos selecionar com cuidado, cautela, carinho. Doze pessoas incríveis, doze pessoas tesudas, doze pessoas com quem vale a pena compartilhar nossa intimidade, ainda mais ao longo de toda uma vida, essas pessoas nós conseguimos encontrar em qualquer cidadezinha. Sem precisar nos moldar ao pretenso gosto homogêneo de uma maioria que nem mesmo existe. Sem precisar fazer nada que não queremos fazer.
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As vantagens estratégicas de não depilar
A indústria da depilação ganha a vida nos convencendo que todas as pessoas gostam de pessoas depiladas... Mas por que acreditamos tão facilmente em quem diz que somos fedidas e logo depois tenta nos vender sabonete?
De acordo com minhas amigas que não depilam, não depilar tem uma grande vantagem estratégica na hora da paquera. Quando um homem dá em cima delas, ele nem sabe ainda, mas já passou em um disputadíssimo vestibular: ele provou que não é o tipo de cara que jamais daria em cima de uma mulher só porque ela tem a perna e as axilas peludas.
Talvez mais importante, também evita decepções futuras. Se fossem depiladas, talvez acabassem saindo com caras que só toleram mulheres depiladas e aí, algumas semanas depois, quando eles soltassem algum comentário ofensivo contra mulheres não-depiladas (“olha só, parece uma macaca, essas mulheres não tem respeito próprio, não?”), elas ficariam revoltadas de ter perdido tempo com gente tão babaca. Mantendo-se cuidadosamente não-depiladas, elas nunca correm esse risco.
Não precisar gastar dinheiro nem passar dor é bônus.
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A única maneira de descobrir quem gosta de cabelo azul
Se quero pintar o cabelo de azul, mas não pinto, por medo de que ninguém vai se interessar por mim se tiver o cabelo azul, então posso acabar saindo, namorando, casando, vivendo uma vida inteira com uma outra pessoa que também gostaria de ter pintado o cabelo de azul, e ficaremos lá, as duas, na cama, de madrugada, olhando uma para a outra e pensando:
“Pôxa, e se eu tivesse pintado o cabelo de azul, hein? Será que não encontraria alguém legal que me amaria pelos meus cabelos azuis?”
Pintar o cabelo de azul, para quem quer pintar o cabelo de azul, já é uma recompensa por si só. Mas, além disso, também traz uma outra vantagem estratégica: ter cabelo azul é a única maneira garantida de atrair pessoas que gostam de pessoas de cabelo azul.
Na roleta da vida, só temos nós mesmas para arriscar. Sim, arriscamos sofrer rejeições. Algumas pessoas de quem até gostávamos vão dizer:
“Cruzes, nunca levaria alguém de cabelo azul para conhecer vovó!”
Mas também arriscamos o grande prêmio: ser a pessoa de cabelo azul que sempre quisemos ser e, ainda por cima, namorar uma pessoa incrível que adora nosso cabelo azul tanto quanto nós.
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Qual é o nosso público?
Qualquer produtor de televisão pode confirmar: um programa para a TV aberta, que precisa atingir um público de dezenas de milhões, é um produto bem diferente de um programa de TV a cabo, que será um sucesso absoluto se atingir poucos milhões.
Para o primeiro programa, é preciso continuamente aparar arestas (tem gente que se ofende com beijo gay?, então não pode ter beijo gay, etc) até que sobra um produto final razoavelmente homogêneo, pasteurizado, seguro, sem personalidade, que se anulou até não sobrar quase nada.
Já o segundo programa, por ter expectativas mais reduzidas, pode ousar mais, sabendo que cada ousadia tem seu custo-benefício (um beijo gay tem o custo de afastar o público homofóbico e o benefício de atrair o público LGBT e simpatizantes) até que sobra um produto final que certamente não agradará ao grande público, mas que agradará muitíssimo o público para o qual foi produzido.
O grande paradoxo do nosso comportamento sexual-amoroso é sermos um programa de TV a cabo que passa às quartas-feiras de madrugada, mas agirmos como se passássemos no horário nobre da TV aberta. Nossa ansiedade por ser amadas e nosso pânico de ficar sozinhas é tamanho que nos comportamos como se precisássemos atrair sete bilhões de pessoas, mas, na verdade, só precisamos atrair uma dúzia para ter uma vida inteira de relacionamentos plenos e satisfatórios.
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Desapegar de pessoas
Não faz muito tempo, eu acumulava pessoas. E dizia para mim mesmo:
“Todo mundo tem uma história.”
Mas aí, frequentemente, alguém fazia um comentário outrofóbico, mesquinho, fofoqueiro, e eu se pegava fingindo rir, às vezes até fazendo comentários similares pra não se sentir deslocado, ao mesmo tempo em que tinha vergonha de mim mesmo e de minha carência. E pensava:
“O que estou fazendo aqui?”
Então, comecei a desenvolver um trabalho constante de me desapegar de pessoas. Nada de brigar, riscar da agenda, trocar de mal: apenas um sutil afastar-se.
Um belo dia, anos depois, cercado de pessoas que admirava e que tinham tudo a ver comigo, percebi há quanto tempo não me fazia a velha pergunta “o que estou fazendo aqui?” Ultimamente, o que me pegava pensando era:
“Por que demorei tanto para estar aqui?”
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Só sabe a força da correnteza quem rema contra ela
Quando estamos remando a favor da corrente, descendo o rio, sendo tudo aquilo que a sociedade espera de nós, a viagem é tranquila e agradável, o mundo parece livre e florido, a vida não exige esforço algum.
Às vezes, algumas amigas criadoras de caso reclamam da correnteza, denunciam que o rio é caudaloso e violento, mas nós nem entendemos direito o que querem dizer:
“Gente, o rio é tão tranquilo, tão gostoso de navegar, será que não são vocês que estão vendo coisas?”
Um belo dia, entretanto, deixamos de ser uma ou mais daquelas coisas que a sociedade espera que sejamos. Pode ser um desvio pequeno ou grande, incidental ou ontológico, pode ser uma decisão de momento, pode ser revelarmos ao mundo aquilo que sempre fomos: abandonar celular ou abraçar o ateísmo, tornar-se feminista ou sair do armário. Agora, aquela mesma corrente de sempre não está mais nos levando para onde queremos ir: ela continua nos levando em direção a um emprego em tempo integral, mas queremos ser atrizes de teatro infantil. Para chegarmos ao nosso novo objetivo, para sermos quem queremos ser, teremos que remar contra a correnteza.
Nesse momento, quando enfiamos o remo na água para remar contra a corrente, é que percebemos tudo aquilo não percebíamos antes: que aquele rio que parecia tão agradável e tranquilo na verdade é forte, caudaloso, intolerante. Um rio que é tão violento quanto são violentas as margens estreitas que o limitam.
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Muitas vezes sou acusado de ficar “reafirmando” meu estilo de vida, como se estivesse me gabando, como se fosse inseguro, como se quisesse convencer as outras pessoas. Mas a correnteza é forte, inapelável, constante: ela está sempre nos levando rumo ao padrão que a sociedade exige de nós, tentando nos transformar em pais e mães de família, trabalhadoras, consumidoras, monogâmicas, heterossexuais, conservadoras, religiosas.
Ninguém é tão transgressora que não aceite grande parte dessas obrigatoriedades sociais: mesmo quando transgredimos algumas, acabamos aceitando a maioria das outras. Somos todas, em diferentes graus, transgressoras e conformistas. Mas basta querermos transgredir qualquer uma coisa e já teremos que remar contra a corrente.
Ser quem queremos ser é uma luta diária, um exercício sissifeano de remar contra a corrente durante toda nossa vida; de parar e descansar e ser arrastada para trás e então remar tudo de novo; de manter o olho cravado em nosso objetivo, seja ele qual for; de recusar todas as coações e cooptações e seduções que surgirem ao longo do trajeto; de articular sempre quem somos e quem desejamos ser; e, finalmente (e essa é a parte mais difícil), é um exercício de efetivamente sermos essa pessoa.
Quem está remando contra a corrente precisa se autoafirmar: é necessário articularmos sempre o nosso objetivo — justamente para não nos desviarmos dele.
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Ser ou não ser autossuficientes?
Existe uma aparente contradição no cerne da nossa sociedade:
Por um lado, somos coagidas a seguir um mesmo script massificado (monogamia, heterossexualidade, emprego integral, imóvel financiado, família de porta-retratos, etc) ou pagar as mais severas penas sociais (“o que vão pensar de você ... não vai conseguir namorada ... será demitida! etc etc ”).
Por outro lado, a mesma sociedade que nos impõe sermos iguais a todo mundo também nos impele a buscar um nível de autossuficiência material que, segundo ela, seria não só possível (não é) como também desejável e imprescindível (não é, não é).
Assim como o Deus de Israel só inventou o livre-arbítrio para que as pessoas judias pudessem “livremente” escolhê-lo (e para punir quem não fizesse a escolha correta), nossa sociedade vende como possível e desejável e imprescindível um altíssimo nível de autossuficiência material, para que então, do alto dessa borbulhante liberdade, possamos livremente escolher comprar os mesmos tablets e ostentar os mesmos penteados, viajar para os mesmos parques e viver as mesmas vidas.
Temos sempre plena liberdade de fazer as escolhas que já estavam pré-escolhidas para nós. E Deus nos ajude se escolhermos errado! Ou, como diz a propaganda, sem um pingo de ironia:
“Seja rebelde. Use Converse.”
(A Converse pertence à Nike, a marca de roupas mais valiosa do mundo, uma empresa de 60 mil funcionárias e faturamento anual de 30 bilhões de dólares.)
Então, aquilo que à princípio parecia contraditório na verdade não é: quanto mais compramos o script conformista, mais ansiamos pela única autossuficiência que ainda nos é acenada como possível, a material. Impedidas de escolher quaisquer outras coisas, pelo menos sempre podemos escolher ser o mais ricas possível — ou trabalhar até morrer nessa tentativa.
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A importância do pau-de-selfie
Em junho de 2013, enquanto o Brasil ardia em protestos, passei uma semana no Inhotim, um parque-museu perto de Belo Horizonte. Algumas das interações humanas mais interessantes que travei começaram quando alguém me pediu para tirar uma foto sua ou de seu grupo. Três anos depois, em abril de 2016, enquanto o Brasil novamente ardia em protestos nas ruas, passei outra semana no Inhotim.
Entre as duas visitas, em 2014, a revista norte-americana Time elegeu o pau-de-selfie como uma das invenções mais importantes do ano.
Deve ser mesmo, pois em 2016, ele estava por todos os lados e, de fato, mudou tudo: ninguém mais me pedir para tirar fotos.
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As desvantagens de comprar um pau-de-selfie
Por que alguém compraria um pau-de-selfie?
Mesmo sem entrar no mérito de nossa relação cada vez mais compulsiva e cumulativa com a fotografia (já escrevi sobre isso aqui), me parece que comprar um pau-de-selfie tem as seguintes três desvantagens:
Desvantagem nº1: Você gasta dinheiro, se descapitaliza e fica um pouco mais longe de conseguir mandar seu emprego à merda. (Falo sobre isso na Prisão Dinheiro.)
Desvantagem nº2: Você adquire um novo objeto, produzido com matérias-primas que tiveram que ser mineiradas, escavadas, beneficiadas, transformadas, transportadas; um novo objeto que teve que ser desenhado, moldado, pintado, polido, empacotado, promovido, vendido; um novo objeto que tem massa, volume e profundidade, e que, por isso, agora precisa ser carregado, guardado, estocado, espanado; um novo objeto que terá que ser transportado em sua próxima viagem ou em sua próxima mudança de casa, colocando mais pressão em você para comprar malas maiores, carros maiores, casas maiores. (Falarei sobre isso na Prisão Crescimento, em breve.)
A primeira desvantagem afeta seus planos futuros e sua potencial independência financeira. A segunda desvantagem afeta a sobrevivência de todas nós, tentando manter a cabeça para fora d'água em um planeta de recursos finitos e nível do mar crescente. Ainda assim, a terceira desvantagem talvez seja a pior:
Desvantagem nº3: Você agora precisa interagir com as outras pessoas menos ainda.
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Das diferentes maneiras de trocar um pneu
Em uma conversa sobre autonomia e autossuficiência, estávamos listando algumas das habilidades básicas que toda pessoa autônoma e autossuficiente deveria ter. Um dos homens mencionou trocar pneu e criticou as mulheres de modo geral por não saberem fazer uma coisa tão simples e tão necessária. Em resposta, uma das mulheres do grupo perguntou:
"E qual é a sua técnica de trocar pneu?"
O moço contou seu passo-a-passo: ligar pisca-alerta, parar o carro, colocar triângulo, etc. Depois que terminou, ela quis confirmar:
"E o resultado final desse seu método é ter o pneu trocado, certo?"
"Certo."
"Muito bem. Você sabe trocar pneu. Seu método funciona. Parabéns. Eu só queria dizer que eu também sei trocar pneu e que o meu método, apesar de um pouco diferente, também funciona: o resultado final é rigorosamente o mesmo. Eu saio e faço sinal para os carros que estão passando (de preferência, levando famílias ou casais), até que um deles pára, salta um homem, a gente conversa por alguns minutos e, voalá, o pneu é trocado."
"Isso não é ser nem autônoma nem autossuficiente. Você está literalmente dependendo de outra pessoa!"
"Essa é a questão. Você também. Não tem como não depender de outras pessoas. Você depende das pessoas que tiveram a ideia de colocar o estepe no porta-malas; das pessoas que conservam as estradas; das pessoas que pagam os impostos que vão para a conservação das estradas; das pessoas que inventaram a aritmética e a roda. Para trocar um pneu é preciso antes criar o universo. Seria impossível enumerar todas as pessoas de quem você depende para poder, sozinho, do alto da sua máscula autossuficiência, trocar um pneu por conta própria. A única diferença entre o seu método e o meu é que uma das pessoas de quem eu dependo está ali, fisicamente presente, trocando o meu pneu."
(Para uma discussão mais política sobre o fenômeno do cavalheirismo, recomendo meu texto Cavalheirismo é machismo, que faz parte do meu livro Outrofobia: textos militantes.)
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A hiper-especialização da autossuficiência
Não faz muito tempo (geologicamente falando), éramos de fato muito mais autossuficientes: tínhamos que construir nossas próprias moradias, costurar nossas próprias roupas, fabricar nosso próprio sabão.
Aí, pouco a pouco, a pessoa que fazia o melhor sabão começou a fazer mais e mais sabão, em vez de ficar batendo testa tentando costurar suas próprias roupas e furando o dedo. Por outro lado, a pessoa que costurava as melhores roupas adorou não precisar mais fazer sabão, porque ninguém merece aquele cheiro de cinza e gordura empesteando a casa.
Já no mundo de hoje, sabemos fazer cada vez menos coisas (existem profissões que se resumem a poucos gestos mecânicos) e, em troca delas, recebemos um símbolo quantitativo convencionado, de valor intrínseco zero, mas que pode ser trocado pelos produtos e serviços criados e executados por outras pessoas tão hiper-especializadas quanto nós.
Ironicamente, apesar de não conseguirmos prover por nós mesmas quase nenhuma de nossas necessidades mais básicas, nos consideramos pessoas muito independentes e muito autossuficientes... justamente por usarmos dinheiro para resolver nossas muitas incapacidades.
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Viver em sociedade é mais barato
Digamos que eu trabalho muitas horas por dia, chego em casa sempre a ponto de exaustão, mal tenho tempo de manter as velhas amizades (quem dirá fazer novas!), não conheço nenhuma das minhas vizinhas, mas recebo muitos milhares de reais por mês em troca de toda minha energia vital.
Digamos então que preciso furar a parede para instalar uma estante.
Meu estilo de vida me deixou em uma posição tão vulnerável e indefesa (não tenho habilidades, não tenho tempo, não tenho energia) que minha única ferramenta para resolver qualquer problema é jogar dinheiro nele até que desapareça debaixo de um montinho de notas de cem reais.
Por outro lado, digamos que eu trabalho menos e, por isso, tenho mais energia e mais tempo para aprender novas habilidades e cultivar novos relacionamentos.
Eu saberia, por exemplo, que meu vizinho do 101 é um coronel da reserva, cheio de orgulho de sua caixa de ferramentas e cheio de carência depois da morte da esposa, que ficaria feliz de emprestar sua furadeira e, mais ainda, de vir ele mesmo instalar a estante para mim, em troca de um pouco de conexão humana ("e esse novo síndico, hein?"), de uma conversa sobre interesses compartilhados ("e essa Batalha do Riachuelo, hein?") ou mesmo de uma simples ajuda retribuída ("e eu precisando tanto de uma carona pro aeroporto amanhã...").
Ou seja, eu até ganharia menos dinheiro, mas, participando mais ativamente da minha comunidade imediata, também precisaria de menos dinheiro.
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Qual é o preço do dinheiro?
O papel desagregador do dinheiro sobre as comunidades não é um defeito de percurso, é uma característica inerente do sistema: pode-se argumentar que o dinheiro foi inventado exatamente para isso.
A dívida teria surgido antes do dinheiro: você presenteava seu cunhado com três sacas de milho e ele te presenteava com vinte litros de leite; ele te ajudava a forrar seu telhado e você o ajudava a limpar seu terreno. O que vale mais? Sem dinheiro para transformar essas trocas em unidades simbólicas convencionadas, era impossível saber. (Justamente porque não dá para somar maçãs com laranjas!) Em comunidades pequenas, onde todo mundo se conhecia, essa cadeia infindável de dívidas e obrigações, favores e retribuições, era uma das mais importantes colas que dava coesão e unidade ao grupo.
Então, uma das piores coisas que uma pessoa poderia fazer seria retribuir um presente de dez ovos... com exatamente dez ovos. Porque dar um pouco menos significaria continuar devedor, dar um pouco mais significaria passar a ser credor, mas dar exatamente o mesmo significa fechar a conta, encerrar o negócio, cortar a conexão. Você não quer mais nada com aquela pessoa. Adeus.
Naturalmente, é essa uma das principais características do dinheiro: ele nos permite forrar o telhado e limpar o terreno, trocar o pneu e furar a parede, sem precisar pedir nada para ninguém, sem precisar cultivar nenhum relacionamento, sem precisar dever nenhum favor, sem precisar criar nenhuma conexão.
Alguém cobra cem reais pelo serviço, pagamos exatamente cem reais pelo serviço e pronto. A situação foi resolvida sem que precisássemos aprender nenhum nome, demonstrar nenhum interesse, ter nenhum trabalho — a não ser, claro, o trabalho de vender nossa energia vital e os melhores anos de nossas vidas para empregadores e empregadoras que nos pagam nossos salários para também não precisar aprender nossos nomes.
Qual é o preço que pagamos por tamanha precisão em determinar os preços que pagamos? Qual é o preço do dinheiro?
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Por uma economia mais comunitária
Torna-se necessário criarmos comunidades mais fortes, mais integradas, mais resilientes, baseadas em uma interdependência mútua que seria um dos elementos mais agregadores de qualquer grupo social.
Os exemplos são muitos: antes dos tratores, havia muitas tarefas agrícolas que eram realizadas em conjunto por toda a comunidade: hoje na fazenda de Fulano, amanhã na de Sicrana, todas as pessoas juntas, em mutirão. Com os tratores, surge a possibilidade de cada fazenda realizar internamente tudo o que precisava. Vizinhas que antes passavam boa parte do ano trabalhando lado a lado agora mal se veem.
Não é o caso de cairmos em uma nostalgia ludita por um pretenso Jardim do Éden onde as pessoas faziam tudo no braço e, por isso mesmo, paradoxalmente, eram ó-mas-tão-felizes. Naturalmente, se fossem tão felizes, não teriam corrido para comprar tratores e, assim, não precisar mais depender de mutirões comunitários. (Depender de outras pessoas é sempre muito, muito difícil.)
A questão é outra: o que foi perdido durante esse processo?
Diante do inevitável colapso material de nossa civilização, como criar economias mais comunitárias e mais sustentáveis, menos dependentes de um crescimento infinito que nosso pobre planeta finito já não consegue mais dar conta?
Esse será o tema do próximo texto nessa série, a Prisão Crescimento.
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Uma conclusão, retomando o pau de selfie
Para cada pessoa recém-adulta, depois de tantos anos tão dependente, é sempre bom ser (ou, na medida do possível, se sentir) autossuficiente.
Mas, depois de alguns anos usufruindo de tanta (falsa) autossuficiência, também é bom reconhecermos que vivemos sim em comunidade.
Depender de outras pessoas, de nossas vizinhas e de nossas amigas, até mesmo de estranhos em um parque para tirarem nossas fotos, não é necessariamente um problema para ser resolvido.
Pelo contrário, depender das outras pessoas pode ser até mesmo desejável.
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Notas de leitura
O livro Teoria da classe ociosa (1899), do economista norte-americano Thorstein Veblen, sobre as dinâmicas sociais que fazem com que nos importemos tanto com a opinião das outras pessoas, foi uma das grandes inspirações para "As Prisões" e é um dos meus livros favoritos de todos os tempos, uma análise perceptiva e subversiva, quase sempre dolorosamente engraçada, do mundo em que ainda vivemos até hoje. Em português, uma versão resumida pode ser encontrada na coleção “Os Pensadores”, figurinha fácil em qualquer biblioteca.
Um trecho: “Somente indivíduos de temperamento aberrante podem continuar mantendo sua autoestima diante da desaprovação de seus pares. Exceções aparentes a essa regra são as pessoas de fortes convicções religiosas. Mas essas exceções aparentes na verdade não são exceções, pois essas pessoas geralmente dependem da aprovação putativa de alguma testemunha sobrenatural dos seus atos.”
A frase “o inferno são os outros” é do personagem Joseph — que, irresistível mencionar, é um canalha carioca — na peça Entre quatro paredes (1944), de Jean-Paul Sartre, às vezes encenada no Brasil com o título original Huis clos. Não é, de modo algum, uma citação pessoal de Sartre. Joseph não estava sendo metafórico: a peça acontece no inferno, onde três pessoas estão presas em um quarto e são, literalmente, a tortura eterna umas das outras.
Quem disse que “egoísta é a pessoa que se importa mais com ela mesmo do que comigo” foi Ambrose Bierce, o escritor que melhor soube morrer, em seu delicioso Dicionário do Diabo (1906). Um dia, se eu tiver coragem, morro como ele.
Quem ia de sala de aula em sala de aula perguntando quem eram as artistas era Gordon Mackenzie, citado por Tom Kelley no artigo: “Everyone was an artist in kindergarden”.
A pesquisa que diz que as pessoas brasileiras, em média, transam com doze pessoas ao longo da vida foi realizada pelo Instituto Tendencias Digitales em 2010, sob encomenda do Grupo Diários America (GDA), do qual faz parte o jornal O Globo. A metodologia da pesquisa é toda furada, mas o número verdadeiro deve ser próximo.
A metáfora de Bertolt Brecht sobre a violência do rio pode ser encontrada, com ligeira diferença, no poema “Sobre a violência” (circa 1933-38), disponível no livro Poemas 1913-1956, publicado pela Editora 34.
“O livro-arbítrio só foi inventado para que possamos ser punidos, para que possamos nos sentir culpados”, diz Nietszche em Crepúsculos dos ídolos (1888), na seção “Os quatro grandes erros”.
A subseção “Qual é o preço do dinheiro?” depende de David Graeber, em seu Dívida: os primeiros cinco mil anos (2011).
A subseção “Por uma economia mais comunitária” depende de Bill Mckibben, em seu Deep economy: the wealth of communities and the durable future (2007). A história dos tratores, citada por Mckibben, vem de Changing works: visions of a lost agriculture, publicado em 2001 por Douglas Harper, uma história oral das mudanças acontecidas na agricultura do estado de Nova Iorque.
publicado em 19 de Março de 2017
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