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domingo, 26 de março de 2017

Audiência pública aponta 'crueldade' da reforma da Previdência com as mulheres

Da Redação | 23/03/2017
Participantes de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH), nesta quinta-feira (23), foram unânimes em afirmar que a reforma da Previdência prejudicará especialmente as mulheres, podendo, também, significar o fim da aposentadoria para todos os brasileiros. Promovida em conjunto com a Procuradoria da Mulher do Senado e a Procuradoria da Mulher da Câmara dos Deputados, a audiência debateu questões o como tripla jornada de trabalho da mulher e diferença salarial, entre outras.
A senadora Fátima Bezerra (PT-PI) disse que a proposta do governo de reforma da Previdência (PEC 287/2016) é “perversa e cruel”. Ela ressaltou o fato de que o Brasil tem ainda muitas desigualdades regionais e sociais para que se eleve a idade mínima de aposentadoria para 65 anos, igualando a idade mínima para homens e mulheres.
- É necessário, num país como o Brasil, respeitarmos as condições em que vivem as mulheres, ainda com tanta desigualdade e na luta por oportunidades e direitos – disse a senadora.
Inconstitucionalidade
De acordo com a presidente do Instituto dos Advogados Previdenciários, Luciana Farias, a PEC 287 é inconstitucional porque afeta o princípio da proibição do retrocesso social. A advogada elencou vários direitos, protegidos pela Constituição, que a reforma da Previdência irá tirar, com a aposentadoria especial, o benefício assistencial e a cumulação de aposentadorias, entre outros.
-  É um retrocesso social total. Temos na Constituição o princípio do retrocesso, que impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas ao cidadão – afirmou.
Além disso, Luciana Farias disse que igualar a idade da mulher com a do homem para a aposentadoria acaba com a igualdade material, que é necessária, segundo a própria Constituição, para dar isonomia.
- Não é uma vantagem a mulher se aposentar cinco anos antes; é uma necessidade para igualar homem e mulher. A mulher não vai conseguir trabalhar o mesmo tanto que o homem. Ela vai ter que sair do emprego para cuidar do filho, ela vai ter quatro horas a mais [de trabalho] para cuidar da casa. Para se igualar, deve haver essa diferenciação na legislação em respeito à isonomia e à mulher- afirmou.
Discriminação
A coordenadora-geral da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, Maria Lúcia Fattorelli, lembrou que a mulher sofre discriminação no mercado de trabalho, pois, além de receber menos que os homens que ocupam o mesmo posto, têm menos acesso a postos de chefia e não têm o apoio de creches para deixar seus filhos.
- Desconsideram a nossa jornada de trabalho, de quem cria os filhos, de quem cuida da saúde da família - disse, referindo-se ao fim da diferença de idade para a aposentadoria de homens e mulheres.
Maria Lúcia disse ainda que, em 2014, 64,5% das aposentadorias concedidas a mulheres foram por idade, enquanto que, para os homens, apenas 36% .
- As mulheres não conseguem completar tempo de contribuição por causa de toda essa intermitência – afirmou.
A mulher do campo
As participantes da audiência pública também alertaram para a situação das mulheres que trabalham no campo, especialmente na agricultura familiar. Para Maria Inez Rezende, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), o benefício rural vai cair drasticamente, uma vez que a PEC exige uma contribuição mensal de todos os membros da família, além de exigir 25 anos de contribuição.
- Se ele só tem receita na hora em que vende sua produção, como vai conseguir contribuir mensalmente para todos os membros da família? – indagou.
Maria Inês Rezende  lembrou que até 1991a trabalhadora rural não tinha benefício previdenciário, que conquistou com a Lei 8.213. Até então, só o pai de família rural conseguia a sua aposentadoria. A partir daí, a família passa a ter direito ao benefício, com o pagamento da contribuição quando da venda a produção rural. Na avaliação de Maria Inês Rezende, essas medidas irão provocar o êxodo rural.
Expectativa de vida x sanidade de vida
Luciana Farias afirmou ainda que é preciso diferenciar o que é expectativa de vida do que é sanidade de vida. Ela disse que, embora no Brasil a expectativa de vida seja de 75 anos, a sanidade de vida, ou seja, a plena condição para o trabalho é de 63 anos.
Para a professora de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro  (UFRJ), Denise Gentil, o governo precisa ainda considerar a realidade de trabalho, antes da realidade demográfica. Ela explicou que as mulheres trabalham sete horas a mais que os homens por semana, contando a jornada doméstica, o que, por ano, chega a 390 horas a mais.
- Se as mulheres começarem a trabalhar aos 16 anos, junto com os homens, quando eles chegarem aos 65 anos, as mulheres terão trabalhado 9,6 anos a mais do que os homens. Se houvesse justiça, as mulheres teriam que se aposentar dez anos antes dos homens – afirmou.
Europa x Brasil
As participantes da audiência pública também criticaram a afirmação do presidente Michel Temer de que o Brasil está seguindo uma tendência da Europa ao aumentar a idade de aposentadoria para 65 anos. Denise Gentil lembrou que na Europa a idade de 65 é a idade de referência, mas é possível se aposentar antes. Além disso, está sendo implantada aos poucos, sendo que a probabilidade de um europeu não chegar aos 65 anos é muito menor do que a de um brasileiro.
"Todo mundo morto"
O senador Paulo Paim (PT-RS) comentou estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-econômicos (Dieese) segundo o qual quem começar a trabalhar aos 16 anos só irá se aposentar aos 80 anos.
- Estará todo mundo morto - disse Paim.
Para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que é procuradora da Mulher no Senado, as mulheres são a parcela da sociedade que mais sofrerá caso seja aprovada a reforma da Previdência. Ela comentou a decisão do governo de retirar da  reforma os servidores estaduais e municipais, afirmando que a medida foi tomada para tirar esses trabalhadores da luta contra a reforma.
- Eles estão enganados em pensar ou imaginar que nós sairemos das ruas e das lutas – afirmou a senadora.

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