Existe uma porção de motivos pelos quais temos tanta dificuldade em esquecer um grande amor. E entender isso pode ajudar a recompor um coração partido
Leandro Quintanilha
A comédia romântica 500 Dias com Ela, de Marc Webb, é, na verdade, um desdobramento do gênero: uma comédia romântica dramática. Gosto do slogan do filme. Simples, mas tão apropriado que funciona como uma sinopse. "Um cara conhece uma garota. Ele se apaixona. Ela não." A maioria de nós já viveu uma situação parecida com a do protagonista e sabe como dói não ser correspondido. Esta reportagem trata disso - do dia 501 em diante.
Para começar, precisamos entender por que uma desilusão afetiva pode ser tão impactante. "A cada rejeição, reeditamos inconscientemente todas as perdas da vida", afirma a psicanalista Regina Navarro Lins, autora de O Livro do Amor (Editora Best Seller), obra que reconstitui em dois volumes a história desse sentimento, da Pré-História aos dias de hoje. Para ela e muitos estudiosos do assunto, o amor é uma construção social.
Isso significa que você aprende a amar - e a sofrer por amor - com a cultura. "Cada um de nós é tomado por um sentimento de falta, de desamparo, desde que deixa o útero", diz Regina. Aprendemos a esperar que o amor romântico supra essa deficiência, proporcionando prazer, aconchego e segurança. Esse amor não é apenas uma forma de sentimento, mas um modo de ser, um conjunto de ideias, crenças, expectativas e atitudes culturalmente aprendidas ao longo da vida.
A idealização do outro, a expectativa de completude na relação, a opção pela monogamia, tudo isso seria resultado de um processo histórico, que teria começado na Europa do século 12, com a lenda do amor trágico entre o cavaleiro Tristão e a princesa Isolda. Eis a inspiração de Shakespeare para o clássico Romeu e Julieta. E de tantos outros escritores, dramaturgos e roteiristas até os dias de hoje.
Para começar, precisamos entender por que uma desilusão afetiva pode ser tão impactante. "A cada rejeição, reeditamos inconscientemente todas as perdas da vida", afirma a psicanalista Regina Navarro Lins, autora de O Livro do Amor (Editora Best Seller), obra que reconstitui em dois volumes a história desse sentimento, da Pré-História aos dias de hoje. Para ela e muitos estudiosos do assunto, o amor é uma construção social.
Isso significa que você aprende a amar - e a sofrer por amor - com a cultura. "Cada um de nós é tomado por um sentimento de falta, de desamparo, desde que deixa o útero", diz Regina. Aprendemos a esperar que o amor romântico supra essa deficiência, proporcionando prazer, aconchego e segurança. Esse amor não é apenas uma forma de sentimento, mas um modo de ser, um conjunto de ideias, crenças, expectativas e atitudes culturalmente aprendidas ao longo da vida.
A idealização do outro, a expectativa de completude na relação, a opção pela monogamia, tudo isso seria resultado de um processo histórico, que teria começado na Europa do século 12, com a lenda do amor trágico entre o cavaleiro Tristão e a princesa Isolda. Eis a inspiração de Shakespeare para o clássico Romeu e Julieta. E de tantos outros escritores, dramaturgos e roteiristas até os dias de hoje.
A biologia explica
No século 19, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer enxergava o amor como uma estratégia da natureza para nos levar a ter uma porção de filhos. Chamava isso de "impulso de vida". Você pensa que é tomado por um sentimento elevado, nobre, mas talvez esteja apenas expressando uma necessidade ancestral de perpetuar a espécie. O que se procura é alguém com quem se possa ter um filho geneticamente favorecido. E esses impulsos permaneceriam em toda a espécie, mesmo que você seja gay ou estéril.
Da geração anterior à do evolucionista Charles Darwin e cerca de 60 anos antes da psicanálise de Sigmund Freud, Schopenhauer foi o primeiro a apontar motivações biológicas e inconscientes para o que chamamos de amor. "São explicações talvez não muito agradáveis sobre os motivos que nos levam a nos apaixonar, mas pode haver um consolo para a rejeição: saber que nosso sofrimento é normal", afirma o filósofo suíço Alain de Botton em As Consolações da Filosofia" (Editora Rocco).
"O amor não poderia nos induzir a carregar o fardo da multiplicação da espécie sem nos prometer toda a felicidade que pudéssemos imaginar", prossegue. Para Botton, devemos respeitar essa lei da natureza que ocasionalmente nos leva à rejeição, da mesma forma que respeitamos um relâmpago ou a erupção de um vulcão. São eventos mais fortes que nós.
Nas palavras do filósofo Schopenhauer, "o que nos perturba e provoca sofrimento nos anos de juventude é a busca obsessiva da felicidade com a firme suposição de que ela deve ser encontrada na vida". A partir dessa crença, surge uma esperança que nasce e morre a cada instante. Isso faz, por exemplo, com que você se sinta derrotado quando um amor não dá certo. Pode ser de algum modo reconfortante compreender, então, que a felicidade nunca foi prioridade desta natureza da qual fazemos parte e que impulsiona o amor.
De todo modo, essa confusão não é casual. Para Freud, o amor sexual proporciona as mais fortes vivências de satisfação e, por isso, funciona como um protótipo de toda felicidade. Depois de experimentar essa sensação uma vez, é natural que você a persiga sempre. Por isso, o amor ocupa o centro da vida de tanta gente. "O indivíduo se torna dependente, de maneira preocupante, de uma parte do mundo exterior", afirma o psicanalista em sua obra O Mal-Estar na Civilização (Editora Penguin & Companhia das Letras). Essa parte exterior, exterior a você, é a pessoa amada.
"Nunca estamos mais desprotegidos ante o sofrimento do que quando amamos, nunca mais desamparadamente infelizes do que quando perdemos o objeto amado ou seu amor." Por isso, prossegue o austríaco Sigmund Freud, o criador da psicanálise, "os sábios de todas as épocas desaconselham enfaticamente esse caminho (o do amor romântico) - não obstante, ele jamais deixou de atrair um grande número de seres humanos".
Da geração anterior à do evolucionista Charles Darwin e cerca de 60 anos antes da psicanálise de Sigmund Freud, Schopenhauer foi o primeiro a apontar motivações biológicas e inconscientes para o que chamamos de amor. "São explicações talvez não muito agradáveis sobre os motivos que nos levam a nos apaixonar, mas pode haver um consolo para a rejeição: saber que nosso sofrimento é normal", afirma o filósofo suíço Alain de Botton em As Consolações da Filosofia" (Editora Rocco).
"O amor não poderia nos induzir a carregar o fardo da multiplicação da espécie sem nos prometer toda a felicidade que pudéssemos imaginar", prossegue. Para Botton, devemos respeitar essa lei da natureza que ocasionalmente nos leva à rejeição, da mesma forma que respeitamos um relâmpago ou a erupção de um vulcão. São eventos mais fortes que nós.
Nas palavras do filósofo Schopenhauer, "o que nos perturba e provoca sofrimento nos anos de juventude é a busca obsessiva da felicidade com a firme suposição de que ela deve ser encontrada na vida". A partir dessa crença, surge uma esperança que nasce e morre a cada instante. Isso faz, por exemplo, com que você se sinta derrotado quando um amor não dá certo. Pode ser de algum modo reconfortante compreender, então, que a felicidade nunca foi prioridade desta natureza da qual fazemos parte e que impulsiona o amor.
De todo modo, essa confusão não é casual. Para Freud, o amor sexual proporciona as mais fortes vivências de satisfação e, por isso, funciona como um protótipo de toda felicidade. Depois de experimentar essa sensação uma vez, é natural que você a persiga sempre. Por isso, o amor ocupa o centro da vida de tanta gente. "O indivíduo se torna dependente, de maneira preocupante, de uma parte do mundo exterior", afirma o psicanalista em sua obra O Mal-Estar na Civilização (Editora Penguin & Companhia das Letras). Essa parte exterior, exterior a você, é a pessoa amada.
"Nunca estamos mais desprotegidos ante o sofrimento do que quando amamos, nunca mais desamparadamente infelizes do que quando perdemos o objeto amado ou seu amor." Por isso, prossegue o austríaco Sigmund Freud, o criador da psicanálise, "os sábios de todas as épocas desaconselham enfaticamente esse caminho (o do amor romântico) - não obstante, ele jamais deixou de atrair um grande número de seres humanos".
Esteja ciente
Se vamos seguir o caminho desaconselhado, ao menos que o façamos de sobreaviso. Quando o amor não é correspondido ou mesmo quando acaba, o melhor caminho é desconstruir a idealização do outro e da relação, conforme recomenda Ailton Amélio, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Relacionamento Amoroso (Publifolha). "Uma pessoa apaixonada tende a exagerar - um jeito simples de perceber isso é submeter a pessoa amada à avaliação dos seus amigos", afirma. Eles saberão enxergar melhor defeitinhos - ou defeitões - que você talvez não veja.
O senso comum nos recomendaria também um período de afastamento. Para a psicoterapeuta paulista Miriam Barros, isso faz sentido realmente, mas algumas pessoas podem precisar de novos encontros e conversas para digerir o término. "É preciso desabafar, chorar, esvaziar o sentimento", diz ela. Depois disso, sim: um retiro pode ser oportuno. "Acompanhar a vida do outro por meio de amigos em comum ou mesmo pelas redes sociais é uma forma de se retraumatizar", adverte Miriam Barros.
Mas por que tanta gente faz isso? Por que tantas músicas e filmes de amor nos estimulam a curtir a fossa? Na opinião da psicóloga e psicodramatista Cecília Zylberstajn, esse apego ao sofrimento amoroso é uma forma de se manter ligado ao outro, ainda que unilateralmente. "Assim, você se torna uma eterna viúva, usando preto para sempre", acredita Cecília. Para ela, o fundamental nessa etapa é viver a realidade. "Muita gente se surpreende com os japoneses, pela velocidade com que reconstruíram as áreas devastadas pelo tsunami", diz. A verdade é que eles não perderam muito tempo remoendo o passado, saudosistas. "Com o amor é a mesma coisa: é preciso aceitar a realidade dos acontecimentos para lidar com eles."
Você não usará preto para sempre, mas o luto é mesmo necessário. Respeite suas necessidades, portanto. Alguns dias serão melhores que outros. "Conhece a expressão bad hair day?", provoca Cecília, referindo-se àqueles dias em que os cabelos "acordam" completamente indomáveis. "O mesmo vale para as emoções." Haverá dias em que será mais difícil "pentear" sua frustração. Aceitar isso ajuda a chegar ao próximo. Outra medida é de ordem prática, como explica a psicoterapeuta Miriam Barros. O vazio deixado pelo ex no espaço da cama tem um correspondente no espaço de tempo do fim de semana. "Você precisa se programar para ocupar o tempo livre e preencher a agenda com atividades e companhias estimulantes", aconselha.
Também ajuda regular sua perspectiva. Uma relação amorosa bem-sucedida traz consigo as vantagens da companhia e do sexo. Por outro lado, uma relação problemática pode potencializar suas neuroses. Por vezes, casais se mantêm juntos não exatamente pelos benefícios citados algumas linhas acima, mas porque seus defeitos são complementares. É o que se chama de codependência. O fim desse tipo de relação é, portanto, uma oportunidade de libertação e crescimento pessoal. Como se vê, recuperar-se de uma rejeição amorosa requer mudanças comportamentais e psicológicas. E faz parte desse processo compreender os mecanismos biológicos e culturais que levaram você até essa decepção. É a vida, não é pessoal.
No filme Amantes, de James Gray, o depressivo Leonard (Joaquim Phoenix) precisa escolher entre um amor destrutivo e um saudável. A cultura e a natureza podem levá-lo ao sofrimento, se ele permitir. Ou Leonard pode optar por ser fiel a si mesmo. Porque, sejamos honestos, apenas essa relação é garantida para sempre. Que seja, então, de amor.
O senso comum nos recomendaria também um período de afastamento. Para a psicoterapeuta paulista Miriam Barros, isso faz sentido realmente, mas algumas pessoas podem precisar de novos encontros e conversas para digerir o término. "É preciso desabafar, chorar, esvaziar o sentimento", diz ela. Depois disso, sim: um retiro pode ser oportuno. "Acompanhar a vida do outro por meio de amigos em comum ou mesmo pelas redes sociais é uma forma de se retraumatizar", adverte Miriam Barros.
Mas por que tanta gente faz isso? Por que tantas músicas e filmes de amor nos estimulam a curtir a fossa? Na opinião da psicóloga e psicodramatista Cecília Zylberstajn, esse apego ao sofrimento amoroso é uma forma de se manter ligado ao outro, ainda que unilateralmente. "Assim, você se torna uma eterna viúva, usando preto para sempre", acredita Cecília. Para ela, o fundamental nessa etapa é viver a realidade. "Muita gente se surpreende com os japoneses, pela velocidade com que reconstruíram as áreas devastadas pelo tsunami", diz. A verdade é que eles não perderam muito tempo remoendo o passado, saudosistas. "Com o amor é a mesma coisa: é preciso aceitar a realidade dos acontecimentos para lidar com eles."
Você não usará preto para sempre, mas o luto é mesmo necessário. Respeite suas necessidades, portanto. Alguns dias serão melhores que outros. "Conhece a expressão bad hair day?", provoca Cecília, referindo-se àqueles dias em que os cabelos "acordam" completamente indomáveis. "O mesmo vale para as emoções." Haverá dias em que será mais difícil "pentear" sua frustração. Aceitar isso ajuda a chegar ao próximo. Outra medida é de ordem prática, como explica a psicoterapeuta Miriam Barros. O vazio deixado pelo ex no espaço da cama tem um correspondente no espaço de tempo do fim de semana. "Você precisa se programar para ocupar o tempo livre e preencher a agenda com atividades e companhias estimulantes", aconselha.
Também ajuda regular sua perspectiva. Uma relação amorosa bem-sucedida traz consigo as vantagens da companhia e do sexo. Por outro lado, uma relação problemática pode potencializar suas neuroses. Por vezes, casais se mantêm juntos não exatamente pelos benefícios citados algumas linhas acima, mas porque seus defeitos são complementares. É o que se chama de codependência. O fim desse tipo de relação é, portanto, uma oportunidade de libertação e crescimento pessoal. Como se vê, recuperar-se de uma rejeição amorosa requer mudanças comportamentais e psicológicas. E faz parte desse processo compreender os mecanismos biológicos e culturais que levaram você até essa decepção. É a vida, não é pessoal.
No filme Amantes, de James Gray, o depressivo Leonard (Joaquim Phoenix) precisa escolher entre um amor destrutivo e um saudável. A cultura e a natureza podem levá-lo ao sofrimento, se ele permitir. Ou Leonard pode optar por ser fiel a si mesmo. Porque, sejamos honestos, apenas essa relação é garantida para sempre. Que seja, então, de amor.
22/03/2017
Vida Simples
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