Sarai Bareman, directora da divisão de futebol feminino da FIFA, fala das dificuldades que as mulheres no futebol e do plano para diminuir as diferenças em relação aos homens.
MARCO VAZA 28 de Março de 2017
Neozelandesa de nascimento, com herança samoana e holandesa, Sarai Bareman escolheu jogar futebol numa região que é louca por râguebi, mas não se ficou por aqui. Depois de vários anos na federação samoana, Bareman assumiu em Outubro passado o cargo de directora da divisão de futebol feminino da FIFA e esteve na passada semana no Football Talks para falar do que podem fazer as mulheres num jogo que é dominado pelos homens. Em entrevista ao PÚBLICO, a neozelandesa diz que o futebol feminino tem tudo para atrair a atenção do mundo, mas que é preciso ter paciência.
O que é que está a impedir a igualdade de género no futebol?
A história. Se olharmos para os últimos 100 anos, em que futebol masculino tem evoluído e crescido, vemos que as mulheres têm sido excluídas, não apenas no campo, mas na gestão do futebol. Leva tempo mudar a história. Este é o principal objectivo. Estamos a fazer coisas agora para fazer estas mudanças. Estamos a avançar nesse sentido, mas é um progresso lento.
O que é que a FIFA pode fazer para diminuir as diferenças?
Temos de fazer duas coisas. Temos de criar novas competições e programas de desenvolvimento ao mais alto nível. É muito importante o que a FIFA faz ao nível das competições porque, em última análise, são as competições internacionais para as mulheres que vão levar toda a gente nessa direcção. Se fizermos algo verdadeiramente inovador em termos de competições. Mas também precisamos de começar de baixo, temos de perceber qual é a realidade no terreno, que dificuldades os países enfrentam, e adaptar o nosso apoio para as necessidades específicas de cada país.
Há países que têm ligas profissionais, outros que nem deixam as mulheres jogar…
Exactamente. É um desafio enorme para nós, como é que criamos os nossos programas em realidades tão diversas.
Um dos assuntos com grande actualidade no futebol feminino é a luta da selecção norte-americana a exigir pagamento igual, com ameaça de fazerem greve. Qual é a sua opinião?
Em qualquer indústria, não apenas no desporto, é importante sentirmo-nos valorizados no que fazemos. Se eu sou uma empregada de uma companhia, se dou 100 por cento e sou apaixonada pelo meu trabalho, é importante para mim sentir-me valorizada pela minha empresa e que isso se reflicta no ordenado. Passa-se o mesmo com essas mulheres.
Há países que são loucos por futebol onde não há Ligas femininas profissionais ou selecções activas. Porque é que isto acontece?
Agora, as pessoas já começam a perceber que o futebol feminino também pode gerar receitas. É algo que é novo e é algo que temos de incentivar. Os investidores que estão a investir em equipas masculinas e as televisões que pagam pelos direitos dos jogos dos homens, os parceiros e os patrocinadores do futebol masculino, quando virem resultados tangíveis dos eventos femininos, vai criar-se um movimento. Mas vai levar tempo. O jogo dos homens já anda por aí há mais de 100 anos e precisamos de ser pacientes, isso é importante. Temos de saber esperar, mas, também temos de avançar.
Agora está numa posição de liderança no futebol, mas é mais a excepção que uma regra. Como se pode lutar contra isto?
Não sou a única. É importante que as mudanças que aconteceram sejam apenas o primeiro passo. Se pararmos, nada vai mudar. Temos de continuar a defender a nossa visão. Para alguém como eu, que chegou agora a uma posição de liderança, o mais importante que posso fazer é deixar a fasquia elevada para quem vier depois de mim.
Tivemos há poucos dias a nomeação de uma mulher, Patrícia Panico, para treinadora da equipa de sub-16 masculina de Itália. É um bom sinal…
Sem dúvida. É fantástico. São essas as boas histórias que temos de promover. Para já, é algo muito importante ter uma mulher a treinar uma equipa masculina, mas o que quero é que isto seja normal e que não seja preciso escrever sobre isso.
Nasceu na Nova Zelândia, com herança samoana. Como é que foi parar ao futebol?
Sempre joguei futebol em clubes desde nova. Fui fazendo a minha carreira no sector bancário e na finança. Em 2008, houve uma crise nestes sectores e comecei à procura de outras oportunidades. Entretanto, fui de férias à Samoa. Enquanto estava lá, vi um anúncio no jornal que pedia uma pessoa para fazer a gestão financeira da federação samoana. Mandei a minha candidatura e a minhas férias de duas semanas transformaram-se numa estadia de seis anos.
Samoa e Nova Zelândia não são propriamente países de futebol, mas de râguebi, e, ainda assim, escolheu o futebol…
E a minha família é louca por râguebi. Tenho três irmãos, todos jogam râguebi, o meu pai é treinador, e eu comecei a jogar quando tinha cinco anos. O futebol vai contra a minha herança familiar, sem dúvida. É um grande desafio, não apenas na Nova Zelândia ou na Samoa, mas em toda a região. Mas acredito que o futebol vai subir de popularidade.
Deu-nos alguns números encorajadores em termos de audiências e um objectivo ambicioso, o de ter o dobro de mulheres praticantes, 60 milhões, em 2026. Como é que se pode chegar lá?
É uma boa pergunta! Há muitas coisas. Mais competições e ir directamente aos países. Não é apenas uma coisa. São várias. É um número grande, mas acredito que é possível.
Falámos muito de grandes competições e ligas profissionais, mas o futebol também tem um papel a desempenhar em países onde as mulheres não são vistas como iguais…
Acredito que é uma das grandes virtudes do futebol, ter a capacidade de quebrar barreiras que muitos métodos tradicionais não conseguem quebrar. O futebol cria uma plataforma em que as mulheres poder ser vistas como iguais e é muito importante usar o futebol para ajudar essas mulheres que são marginalizadas.
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