por Debora Diniz — publicado 27/03/2017
Não se pode abandonar um bebê, mas também não se pode desamparar mulheres e obrigá-las à maternidade compulsória
Se não sei como se despediu do recém-nascido,sei o que ela viveu antes de fugir: a gravidez, o parto, a decisão pelo abandono, a procura da caixa e do local para abandoná-lo
A estória repete o enredo, só muda a geografia da vida.
Uma mulher de Aparecida de Goiânia, em Goiás, abandonou um recém-nascido em uma caixa de papelão. Deixou-o em local bem visível para que o menino fosse socorrido.
Não sabemos nada dessa mulher, mas a imagino, com o parto ainda ardendo, acompanhando o resgate do filho que pariu. Talvez sequer o tenha olhado ou ninado; talvez tenha decorado seu rosto.
Se não sei como se despediu do recém-nascido, estou segura do que ela viveu antes de fugir: a longa gravidez, as dores do parto, a decisão pelo abandono, a procura da caixa e do local para abandoná-lo.
Entre o momento de aninhá-lo na caixa e desaparecer, seu corpo deve ter estremecido mais do que pelas dores do parto. Era uma criminosa. Qualquer mulher sabe disso e não importa quem a julgará, se o povo ou a polícia.
Como ela deve estar só agora. Os seios devem jorrar leite, mas não deve ter quem estranhe a barriga murcha e a falta do bebê. Talvez minha imaginação compassiva esteja abundante de solidariedade a esta mulher, ao contrário da multidão em busca de seu nome e rosto para fazê-la mãe ou linchá-la por ato brutal.
É verdade que há algo de horrível no abandono de um recém-nascido – é um destempero com riscos de graves consequências. Se o plano de abandoná-lo em local visível e com socorro imediato falhasse, esta mulher poderia ser uma infanticida.
Tudo isso é verdade, mas ela e as outras antes dela que abandonaram o filho não queriam que o filho morresse. O deixaram para que o localizassem, adotassem, permitissem que ele existisse em um lugar feliz.
Por isso, imaginá-la nos instantes antes de nosso encontro com a caixa de papelão que esconde um choro inquieto é uma maneira de arrumarmos nossos sentimentos de indignação e rejeição.
Não se pode abandonar um recém-nascido, mas também não se pode desamparar mulheres grávidas. Não se pode obrigá-las à maternidade compulsória. Não sabemos as razões dessa mulher para o abandono, mas conhecê-las nos ajudaria pouco.
O Conselho Tutelar da cidade disse que é preciso encontrar a família do bebê para que “tudo se acerte”. Mas de qual família fala o Conselho Tutelar?
Se há algo a acertar é encontrar uma família adotante para este bebê ou, quem sabe, se a polícia localizar a mulher, cuidar de sua vergonha, de seu sofrimento e desespero.
Não é olhar para algo que já se mostrou inexistir. Mas é difícil não olhar para trás e julgá-la, eu sei, pois exige fazer diferentes perguntas sobre o que acontece quando uma mulher abandona um recém-nascido.
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