28.03.2017
Ainda ontem falava aqui sobre a visão de uma jovem poetisa indiana em relação aos desafios enfrentados pelas mulheres nos dias de hoje. Desde a desvalorização das nossas competências em contexto laboral, à normalização do assédio sexual em praça pública, enquanto comportamento que devemos simplesmente desvalorizar com um sorriso por mais que seja uma invasão à nossa liberdade pessoal, ao medo que muitas vezes sentimos ao andar sozinhas na rua, às expectativas de submissão, à pressão exercida sobre o que é aceitável vestirmos, dizermos, bebermos, fazermos. Umas maiores que outras, todas elas são formas de discriminação que têm como ponto de partida o género com que nascemos, e o que dele é esperado. Uma discriminação perpetuada tanto por homens como por mulheres, uma vezes de forma mais acentuada, outras de forma mais subtil. Agora imaginemos que tudo isto se invertia. Que esses desafios, medos, desvalorizações, desconfortos e injustiças enfrentados por boa parte do sexo feminino passavam a ter como alvo os homens e que os agressores eram as mulheres, enquanto género dominante na sociedade. Como seria?
Cruzei-me recentemente com uma desconcertante curta-metragem da francesa Éléonore Pourriat, que joga precisamente com esta inversão de protagonistas, no grande filme que consegue ser o dia a dia de tantas mulheres mundo fora. Digo que é desconcertante porque ver um homem a passar por aquele tipo de situações é algo que raramente nos ocorre como possibilidade viável. Por exemplo, um homem que sai de casa de manhã para levar o filho ao infantário e que pelo caminho ouve frases como “que paizinho tão bom”, “dás-me cá uma tesão” ou “chupava-te esse pau todo” é algo verdadeiramente inusitado. Tal como é muito improvável que um homem seja assediado por um grupo de mulheres por levar uns calções que deixam parte das pernas à mostra, e que acaba a ser violado em grupo num beco como vingança por ter ripostado contra tais comentários inapropriados.
Também não é certamente comum ver-se um homem vítima de abuso sexual a ser responsabilizado pela própria família por causa da roupa que costuma usar. Ou a ser ridicularizado por uma superior hierárquica, que se dirige a ele ora com expressões como “queridinho”, ora com apreciações ao seu aspeto físico. Mas neste pequeno filme tudo isto acontece. E é incómodo, muito incómodo. Principalmente, porque quem já passou por situações como estas sabe quão mais repulsivo tudo isto consegue ser quando sentido na primeira pessoa.
Exigir um mundo mais igualitário entre homens e mulheres não é apelar a esta inversão de papéis, entenda-se. É sim apelar a que nenhum género oprima o outro, algo que ainda está longe de ser uma realidade. Ver este filme pode ser altamente pedagógico nesse sentido. Relembro que o último relatório da Organização Mundial de Saúde revelava a proporção desmedida que a violência de género atingiu no mundo inteiro: uma em cada três mulheres é vítima de agressões físicas, psicológicas e sexuais, pelo simples facto de ser mulher.
Quanto à desvalorização de tais agressões, ainda no final de 2016 a Comissão Europeia revelava que praticamente um quarto dos europeus acredita que por vezes as mulheres alteram ou exageram nas denúncias de abusos ou violação, enquanto que 17% concordam que os atos de violência são frequentemente provocados pela vítima. Posto isto, conseguir fazer com que os homens sentissem na pele o que tantas vezes sentiu ao longo das suas mais de quatro décadas de vida foi o objetivo de Éléonore Pourriat. Uma mulher que vive num país e num continente socialmente desenvolvidos, mas que muitas vezes se sentiu incompreendida e, até mesmo, desacreditada, quando tentava falar sobre isto aos homens que a rodeiam. O objetivo, parece-me, conseguiu ser cumprido na curta-metragem “Maioria Oprimida”. Ora espreitem:
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