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terça-feira, 27 de junho de 2017

‘Divinas Divas’: O documentário de Leandra Leal que resgata o brilho e o legado de artistas trans

A diretora conversou com o HuffPost Brasil sobre o filme, que estreia nesta quinta-feira (22).

 22/06/2017
Sentada no fundo de um café em São Paulo, Leandra Leal está ansiosa. Seu olhar desvia do celular para o menu na mão esquerda e vice-versa, enquanto ela bate o salto da sandália no chão incessantemente. O motivo é compreensível: Divinas Divas, o documentário que marca sua estreia como diretora de cinema, tinha estreia agendada para dali três dias – esta quinta-feira (22).
"É um momento muito difícil. Você pode fazer o que for, mas ele é incontrolável", diz em entrevista ao HuffPost Brasil. "Se vai dar público ou não, se as pessoas vão ao cinema ou não. Tanta coisa pode acontecer."
Além disso, Divinas é um filme um tanto pessoal para a atriz de 34 anos. Ele aborda a trajetória de oito artistas travestis que fizeram história no Rival, teatro que pertence à família de Leal há gerações. Rogéria, Jane Di Castro, Divina Valéria, Eloína dos Leopardos, Brigitte de Búzios, Camille K., Fujika de Halliday e Marquesa viram Leal crescer na coxia e nos bastidores da casa, localizada na Cinelândia, região no centro do Rio.
Delicado e carregado de sentimento, o documentário é uma declaração de amor da diretora aos legados das divas, cujas carreiras já duram mais de 50 anos, e ao do Rival, nome que atravessa a vida artística da capital.
"O Rival é a casa da minha família", conta. "A vida das divas está eternizada no longa, mas também está naquele espaço. E isso, para mim, é emocionante."
Ela não nega que é um filme "feito com admiração e amor". "Divinas tem uma característica específica: só eu poderia fazê-lo"
"É uma maravilha ter uma diretora que também é atriz", diz Rogéria ao HuffPost. "A sensibilidade de quando se é ambos é fantástica. Ela foi muito carinhosa conosco. É uma satisfação. E um registro. Forever", conclui, com um gesto dramático.
Algumas horas antes, na coletiva de imprensa, Leal, bem-humorada, anuncia logo de cara que está de ressaca: "Tô péssima". Ela passou a tarde com as divas no trio de Divinas na Parada LGBT, no dia anterior.

Ostentando xales, óculos escuros e estampas de oncinha, as divas Rogéria, Jane, Valéria, Eloína e Camille compareceram com largos sorrisos, não escondendo a felicidade. Fujika e Brigitte não foram; Marquesa morreu em 2015 aos 71 anos, depois de gravar o filme. Carol Benjamin, coprodutora e corroteirista, também esteve presente.
Elas contam que a produção do documentário durou quase dez anos – há mais de 400 horas de filmagem –, devido às dificuldades de captação de recursos. Mas tudo bem: nada disso prejudicou a qualidade do produto final. É um filme belo e conciso, que não deixa a emoção atrapalhar o fluxo da história, e encaixa os relatos e apresentações das oito artistas sem deixar rebarbas. Neste ano, Divinas Divas venceu os prêmios de público SXGlobal, no festival norte-americano South by Southwest (SXSW), e o de melhor documentário do Festival do Rio.

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Rogéria, sobre ser trans na época da ditadura: 'Eu não podia entrar em luta armada vestida de mulher, senão seria decapitada. Ser travesti já era babado'.

As divas têm histórias que variam entre o glamour, o amor e a transfobia. Adoradas pelo público – "A gente lotava o teatro e vivia de bilheteria", orgulha-se Rogéria –, foram perseguidas pela polícia e presas várias vezes. Uma delas, Camille, tinha que andar pelas ruas apenas de táxi, senão seria agredida.
"Numa época em que nós não podíamos andar vestidas de mulher, enfrentávamos a polícia", relata Jane. "Era uma época horrível. Nós somos guerreiras, sobrevivemos a essa tsunami."
Como elas mesmas enfatizam, as divas fazem parte de uma geração de travestis que foram "cobaias" dos primeiros implantes de silicone e injeções de hormônio.
"Eu fui para a Espanha e Franco estava no poder. Não me deixavam trabalhar de travesti", conta Valéria. "Eu tinha que cantar vestida de homem. Ou seja, aí sim eu fazia a travesti."
A cantora, ao contrário de algumas colegas, não teve uma família que a apoiou. Ela foi expulsa de casa pela mãe e pelo padrasto.
"Fui para a casa de uma amiga e trabalhava em uma companhia de engenharia como boy. À noite, fazia o show Le Girls, onde nós começamos como travestis. Eu era boy de dia e girl de noite."

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Leandra Leal: 'A gente não ganhou edital porque a diretora era eu'.

Na entrevista ao HuffPost, Leal diz entender que o aspecto político na história das divas é incontornável, apesar de o foco da narrativa estar no fazer artístico delas, e acredita que o conteúdo do documentário foi um dos motivos para a captação de recursos ter levado tanto tempo. Leia abaixo.
HuffPost Brasil: Você disse na coletiva de imprensa que Divinas Divas tem apenas duas semanas garantidas de exibição nos cinemas. Por quê?
Leandra Leal: A distribuidora tem um projeto de distribuição coletivo de filmes, que estreiam a cada duas semanas. Isso é ótimo, porque tem filme brasileiro que fica uma só. Então a gente tem duas semanas garantidas. Se a gente vai ficar mais ou não, depende da resposta do público.
Você acha que, por se tratar de um filme com travestis, houve dificuldades para encontrar financiamento?
As empresas tinham muito receio. Quando a gente estava captando recursos para o Divinas era 2009, 2010, 2011. É um tempo diferente do de hoje, em que se tem uma representatividade trans muito maior. Identidade de gênero é uma coisa que, pô, tem série no Fantástico. As empresas realmente não queriam investir em um filme desse. Divinas, para mim, fala sobre oito artistas, mas também fala sobre oito artistas que são pioneiras trans. Não tem como fugir disso.
E a gente não ganhou edital porque a diretora era eu. Aí a gente fez o crowdfunding. Acho que isso foi tão noticiado que, para conseguir finalizar o filme, a gente conseguiu captar. O Canal Brasil foi o primeiro apoiador, quando ninguém queria dar dinheiro. Nós fizemos um edital de espetáculo teatral, para esse show que está no filme, e o desmembrou. Até porque, para ficar dentro do orçamento, o espetáculo teatral era uma loucura, e então a gente o colocou. Ficou em cartaz no Rival depois, como uma obra independente, e fizemos o crowdfunding para filma-lo. O crowdfunding foi muito bom. Não só para conseguir a meta, mas também por contar com pessoas que ficaram muito tocadas e queriam que esse isso acontecesse, começaram a divulgar. Foi superimportante.
Como foi o processo de coletar imagens, vídeos e informações para construir Divinas Divas?
Foi super difícil, porque há pouquíssimo acervo. Ele é todo delas. Os dois vídeos que usamos são de pessoas que são amigas delas no Facebook. Eu fui atrás delas e foi meio assim: "quando você morou em Berlim, quem era seu amigo? É amigo de Facebook hoje em dia? Vamos atrás dele e ver se ele tem um vídeo?". Foi bem assim. E foi muito bom ter demorado tanto tempo na montagem [risos], porque deu tempo de essas coisas irem surgindo. Essa pesquisa demorou. Além disso, eu queria muito que essas memórias tivessem essas artes, esse tom delas de maravilhoso, fenomenal, de diva. Já as partes dos bastidores, eu queria muito que tivessem o mesmo ponto de vista – eu era criança ali, naquela coxia, naquele bastidor. Queria que tivesse isso.
Resgatar essas memórias todas fez seu relacionamento com o Rival mudar de alguma maneira?
Me deu a sensação de responsabilidade. É aquilo que minha mãe [a atriz Ângela Leal] me disse: "teatro não é herança, é missão". É um negócio que é seu, é privado, mas ao mesmo tempo é de todo mundo. A Jane conheceu o Otávio [esposo dela] lá, Fujika também conheceu o Alfredo [esposo] lá. É um lugar onde as pessoas vivem as suas vidas, suas memórias, os artistas, o público. Acho que me deu muito essa sensação de responsabilidade: é um bem seu, mas de todos também.
Divinas é o primeiro filme que você dirige. Pretende dirigir outros?
O filme deu vazão a um desejo meu de dirigir. Quero dirigir mais coisas, mas não tenho pressa, pois sou super feliz e realizada como atriz. Aos poucos vou deixar que projetos surjam, mas eles têm que me arrebatar.
Divinas Divas tem duração de 110 minutos, classificação indicativa 14 anos e distribuição da Vitrine Filmes.

HuffPost Brasil

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