Quando a gente não sabe o que sente ou o que quer, mesmo uma relação estagnada vira porto seguro
IVAN MARTINS
14/06/2017
Assim como eu, vocês devem conhecer um monte de casamentos falidos e relações vazias. Talvez seja o que mais há por aí. As pessoas enganam e se deixam enganar, frustram e são frustradas, ofendem e são ofendidas, mas permanecem juntas, como casal, dividindo almoços de domingo, tristeza e miséria emocional.
Por quê?
Se deixarmos de lado as grandes questões – como sustento e filhos –, é difícil entender, racionalmente, por que as pessoas insistem em situações que fazem mal, e das quais poderiam se livrar com facilidade. No mais das vezes, basta abrir a porta e sair, ou dizer ao outro que ele tem de sair.
Mas as amarras que a gente se impõe não são racionais. A pessoa está sofrendo e ela mesma não consegue entender o que a mantém ali. Sente que tem medo, percebe que não consegue vislumbrar o futuro, se aflige com a própria insegurança e apatia. Mas, se você perguntar, objetivamente, por que ela não toma uma atitude, não saberá dizer. Ou dirá qualquer coisa inconvincente.
É espantoso que seja assim, porque as pessoas em geral renascem depois de separadas. Cada uma no seu ritmo, algumas com mais luto e outras com menos, as duas ficam melhores do que estavam antes.
Não estou falando – veja bem – dos casos em que alguém está apaixonado e o outro se desencantou e foi embora, repentinamente. Isso é drama, rejeição, pé na bunda. O metabolismo desse adeus unilateral é doloroso e demorado. Estou pensando na relação em que os dois estão infelizes e cansados, mas não conseguem se mexer. Quando alguém toma coragem e avança, o sol começa a brilhar para os dois.
Há também o caso de gente que se recusa a enxergar o buraco em que se encontra, apesar dos apelos do parceiro ou da parceira. Um dos lados já percebeu que não tem jeito e põe as cartas na mesa, mas o outro se recusa a aceitar. Chantageia, nega, ameaça, surta, não quer de jeito algum que a relação acabe. Não adianta explicar que ali não há mais nada, que o sexo é escasso, o convívio é ruim e as conversas vazias. O sujeito (em geral é o homem que faz isso) se recusa a ver. Quer continuar casado ou namorando, ainda que a vida seja um inferno.
O que leva as pessoas a agir assim? Como vocês, eu só posso especular.
Minha experiência de crises conjugais sugere que a emoção que nos domina nessas horas é o medo. A realidade que a gente conhece, mesmo ruim, assusta menos do que a incerteza do desconhecido. Alguém por perto, mesmo numa relação estagnada, é melhor do que a possibilidade aterrorizante da solidão. Qualquer conexão emocional, ainda que perversa, é melhor do que nenhuma.
Para piorar, juntam-se ao medo as nossas ambiguidades. A gente gosta da pessoa, só não a ama mais. Ou melhor dizendo, a gente ama, mas não deseja mais como homem ou mulher. Virou irmão, ou mãe, ou melhor amigo – e como a gente faz para se separar da mãe, do irmão ou do melhor amigo? Não queremos magoar, tanto quanto não queremos ser magoados.
Quem já passou por essas situações sabe como dói ter diante de si uma pessoa com os olhos cheios de lágrima nos pedindo desculpas porque o amor dela acabou, embora ela ainda nos ame tanto. Dá para entender? Dá, claro. Ser humano é ser contraditório, e, apesar disso, tomar decisões e prosseguir, como a vida exige.
O que eu aprendi, com a minha própria experiência, é que é difícil tomar decisões quando a gente não sabe o que sente. Se nossos impulsos e inibições estão inteiramente inconscientes, a gente vai sendo movida pelos acontecimentos e pelo desejo do outro, sem controle de si mesma. Quer sair da situação, mas não tem força. Quer se mover, mas não consegue. O que nos prende? Não sabemos, e, por não saber, continuamos presos, cada vez mais infelizes.
Nesses momentos, quando a gente sente que está afundando e não consegue nadar, talvez seja útil buscar ajuda. Um bom analista pode nos ajudar a entender nossos desejos, a separá-los do sentimento de culpa, a entender de que lugar do nosso inconsciente brota a angústia que nos paralisa. O processo de descobrir essas coisas não é rápido e nem é simples, mas ele acontece. De alguma forma, ao conversar com o analista, as coisas vão se tornando mais claras, sentimentos reais emergem por trás das máscaras e nos permitimos agir, em alguma direção.
Seria melhor, claro, que não precisássemos desse tipo de amparo. Seria bom que nossos desejos fossem nítidos e acompanhados da capacidade de agir sem hesitação. Mas a maioria de nós não é formada por gente simples e determinada. Somos complexos e confusos. Nossos amores, por lindos que sejam, são tocados por emoções que desconhecemos, e por memórias que nem sabemos existir. Por isso hesitamos e sofremos, por isso nos deixamos aprisionar durante anos em situações intoleráveis. Às vezes é inevitável que seja assim. Às vezes não há saída rápida para o sofrimento. Em outras ocasiões, porém, é possível que o futuro e a luz estejam perto, ao nosso alcance, desde que a gente seja capaz de olhar – desde que a gente esteja forte o suficiente para agir.
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