Postado por Caue Fonseca
01-06-2017
Quando o instituto Data Popular estava prestes a sair do papel, em 2001, o publicitário Renato Meirelles resolveu morar por 10 dias na Cohab, comunidade de São Paulo, para observar a confirmação ou não de uma percepção particular: a de que as pessoas respondiam uma coisa nas pesquisas, mas faziam outras no seu dia a dia. Os números, ele percebeu, contavam apenas uma parcela da verdade. Para dissecar uma temática de pesquisa, era preciso também conversar com as pessoas e confrontar opiniões com atitudes práticas. O motivo: por mais que algumas opiniões demonstrem evolução de pensamento, determinados comportamentos são difíceis de mudar pois estão naturalizados.
É por um viés semelhante que a Locomotiva, instituto de pesquisa fundado por ele no ano passado, estudou o machismo no trabalho. Chegou à conclusão de que as mudanças percebidas nas opiniões de homens e mulheres ainda estão distantes do que se percebe na prática das empresas e, principalmente, dos lares. Na semana passada, Meirelles esteve em Porto Alegre para uma palestra sobre o tema na Assembleia Legislativa. E os números, como de praxe, são apenas o início da conversa.
– As plateias se chocam ao saber que eu, homem, nascido em São Paulo, de 39 anos, na terceira geração da minha família com acesso ao ensino universitário, ganho 64% a mais do que uma mulher nascida em São Paulo, de 39 anos, na terceira geração da sua família com acesso ao ensino universitário – revela.
A Locomotiva compartilhou com Donna os dados que Meirelles apresentou na Assembleia, um recorte específico para a Região Sul de uma pesquisa que entrevistou 2 mil pessoas em todo Brasil. Por aqui, fica bastante evidente a diferença entre discurso e prática. Homens e mulheres têm índices muito semelhantes quando opinam sobre o assunto: 84% dos homens e 80% das mulheres dizem que ambos são igualmente capazes de serem presidentes de uma empresa, por exemplo. No entanto, 67% deles e 72% delas observam que quem mais costuma presidir empresas são os homens. Ao mesmo tempo, por mais que os homens do Sul se mostrem abertos e conscientes em questões de igualdade de gênero – em razão, Meirelles especula, da escolaridade acima da média –, eles têm dificuldade de perceber machismo em suas falas e comportamentos arraigados.
Exemplo: 67% dos homens da Região Sul concordaram que as “mulheres são melhores donas de casa do que os homens”, porém não veem sexismo na afirmação.
– Na fase qualitativa da pesquisa, quando conversávamos com as pessoas, isso ficava bastante evidente. Os homens diziam coisas como: “Ah, ela é mais organizada do que eu”. Evidente que é, né? Ela é quem sempre fez, por isso é melhor! Outra frase: “Eu procuro sempre ajudar em casa”. Ora, ajudar pressupõe que a obrigação é da mulher e você oferece uma ajuda, quando a obrigação dessa tarefa deveria ser dos dois – destaca o publicitário.
A naturalização do machismo, no entanto, não quer dizer conformismo. A Locomotiva percebeu, por exemplo, que há um claro descontentamento das mulheres frente àquilo que muitas vezes é apresentado como um elogio. A habilidade de resolver diversas tarefas ao mesmo tempo também pode ser vista como uma glamourização da terceira jornada de trabalho. Na Região Sul, isso se reflete nos números: apenas 22% dos homens dividem igualmente as tarefas da casa com as mulheres. A única demanda que fazem em razoável pé de igualdade é tomar conta das finanças (43%). E as únicas em que superam suas parceiras são tirar o lixo (53%) e dirigir (65%). Mas se há percepção de ambos os lados sobre o problema e descontentamento ao menos do lado feminino, o que está faltando para uma mudança? Meirelles arrisca respostas:
– Em algumas situações, já há clara evolução, como o assédio no ambiente de trabalho. Há mais mulheres denunciando, e mulheres mais jovens, o que mostra uma mudança geracional. Outras, todavia, esbarram em legislação e políticas das empresas. O crescimento das mulheres na carreira sempre terá um limite se não for universalizado o acesso a creches e ampliadas as licenças-paternidade, até como um ato simbólico de que o homem também tem obrigação sobre o filho e sobre o lar. Mas quem decide isso? Quem faz leis, quem determina políticas públicas, quem comanda empresas. Quantas mulheres ocupam esses postos de decisão? – provoca o pesquisador.
Principais responsáveis pelas seguintes tarefas
♦ Lavar a roupa Mulheres – 83% Homens – 15% Ninguém – 3%
♦ Limpar a casa Mulheres – 82% Homens – 16% Ninguém – 1%
♦ Cozinhar Mulheres – 77% Homens – 20% Ninguém – 3%
♦ Passar roupa Mulheres – 71% Homens – 12% Ninguém – 17%
♦ Comprar coisas para a casa Mulheres – 60% Homens – 39% Ninguém – 1%
♦ Controlar o orçamento doméstico Mulheres – 54% Homens – 43% Ninguém – 3%
♦ Tirar o lixo Mulheres – 46% Homens – 53% Ninguém – 1%
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