Num Brasil que luta para sair da condição de menoridade moral, vale se perguntar o que aconteceu com o debate sobre a maioridade penal. Atualmente, como tudo no país, o assunto está parado! Desde março desse ano, quatro propostas de emenda constitucional (PECs) encontram-se prontas para entrada em pauta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.
Na redação atual da nossa Constituição Federal, a imputabilidade ocorre a partir dos 18 anos. A PEC, com maior chance de sucesso, e que tem parecer favorável do relator (PEC 33/2012), altera a Constituição permitindo imputabilidade penal para maiores de 16 anos.
Alguns aspectos devem ser salientados na proposta:
- Apenas o Ministério Público poderia fazer essa solicitação e a decisão dependeria de instância judicial especializada em questões da infância e adolescência;
- Ela se aplicaria apenas a crimes graves incluindo crimes hediondos, homicídios dolosos, lesão corporal seguida de morte e reincidência em roubo qualificado;
- A pena deveria ser cumprida em unidade distinta daquela destinada a presos maiores de 18 anos.
A questão da maioridade penal deve ser examinada por uma multiplicidade de ângulos complementares. Entretanto, os contrários à redução costumam invocar dados oriundos da neurociência e psicologia do desenvolvimento para dar suporte a sua argumentação.
Argumentos contra a redução
Vamos a eles! Dados consistentes documentam que o cérebro adolescente é diferente daquele do adulto. Mais ainda, ele é diferente em áreas que interessam para esse debate. Assim, durante a adolescência, existe um forte desbalanço entre uma maturação lenta de áreas cerebrais responsáveis pelo freio-inibitório do indivíduo e uma forte ativação de áreas relacionadas à busca de sensações e emoções. Assim, o córtex pré-frontal, área fundamental para planejamento, execução e controle de impulsos é a última região cerebral a amadurecer. Isso ocorre para muitos apenas no fim da adolescência/início da vida adulta.
Em contrapartida, há uma alta atividade cerebral na adolescência, detectada por exames de imagem cerebral, numa área do cérebro chamada estriato ventral. Interessantemente, essa atividade nessa área é mais alta do que a existente na mesma região tanto na infância quanto na idade adulta. Essa é uma importante área relacionada à busca de sensações e recompensas. Assim, esse desbalanço pode comprometer a habilidade do adolescente de modular fortes emoções negativas e positivas e de avaliar riscos. Ao mesmo tempo, o impele para atitudes mais impulsivas.
Somam-se a isso dados da psicologia do desenvolvimento que há muito documentam a imensa vulnerabilidade dos adolescentes à pressão e opinião de grupo. Dados de neuroimagem funcional sugerem inclusive que essa vulnerabilidade pode ter relação com a funcionalidade do córtex pré-frontal ainda imaturo e a uma maior ativação de áreas emocionais do cérebro como a circuitaria límbica, que se ativa diferenciadamente na adolescência no momento da tomada de decisões na presença de pares.
Argumentos favoráveis à redução
O interessante é que a neurociência é chamada de forma seletiva para o debate. Ué, existe um outro lado? Existe sim. A psicologia do desenvolvimento e a neurociência têm demonstrado que existe um grupo de crianças com um tipo específico de problemas de comportamento que popularmente se chamou de traços psicopáticos ou de frieza e falta de contato emocional. Os profissionais da área da saúde mental preferiram recentemente cunhar um termo mais amigável: “com limitadas emoções pró-sociais”.
Os dados indicam que essas características podem ser evidenciadas desde a infância, têm uma estabilidade alta da infância para a adolescência e dessa para a idade adulta, formando o que se chama de personalidade antissocial na vida adulta. Essa é uma das trajetórias mais estáveis no desenvolvimento humano, senão a mais estável. Indivíduos com essa trajetória têm mecanismos neuropsicológicos bastante específicos conhecidos como deficiência de empatia (não conseguem sintonizar com as emoções do outro) e baixa sensibilidade biológica à ameaça (não alteram nem os batimentos cardíacos numa situação assustadora!).
A neurociência indica que, por vias diferentes, alterações da conectividade de uma área do cérebro conhecida como amígdala, que é responsável pelo processamento de emoções, principalmente em situações de ameaça, parecem ser importantes para ambos mecanismos.
Para piorar o cenário, esses indivíduos têm baixa resposta a tudo que conhecemos em termos de intervenções familiares, psicoterápicas e medicamentosas. Essa, possivelmente, é a trajetória de jovens como aquele de 17 anos responsável por 4 assassinatos e 3 tentativas prévias que, ao ser reconduzido, após fuga da Unidade de Internação Educacional onde estava abrigado, afirmou, segundo matéria na imprensa, que a satisfação de matar um inimigo era maior do que a pena branda que lhe poderia ser aplicada!
Para aqueles que imediatamente irão levantar a bandeira de que alguns com essas características no final da adolescência conseguirão ter uma vida adulta saudável, as exceções que confirmam a regra, vale lembrar que os dados de maturação das áreas do nosso freio inibitório também têm enorme variação entre os indivíduos. Logo, o argumento da variabilidade vale para os dois lados!
Desafio: evitar o reducionismo
Já dizia Aristóteles que o todo é mais do que a soma das suas partes. Logo, o desafio é como encaixar os dados da neurociência numa questão que transcende os limites da mesma, sem ser reducionista. A neurociência pode colaborar mostrando a importância do conhecimento das trajetórias do desenvolvimento do cérebro e de mecanismos neurobiológicos para subsidiar uma decisão. Entretanto, o debate da diminuição da maioridade penal deve-se abastecer de dados de outras vertentes como a sociologia e a criminologia.
Nesse contexto, é preocupante que, no momento final da escrita dessa matéria, menos de 9.000 pessoas manifestaram-se a respeito da PEC 33/2012 no site oficial do Senado. Para os curiosos, 85% dos votos a favor da redução da maioridade penal!
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