Por José Alexandre Crippa
7 fev 2017
Após presenciar maus-tratos em crianças em sua passagem pelo Congo, Austrália e Nova Zelândia, e na sua participação voluntária na I Guerra Mundial, o escultor britânico Herbert Ward (1863-1919) profetizou: “O abuso de criança esculpe uma sombra que dura uma vida”. Quase um século depois de sua morte, de fato, a ciência demonstrou, especialmente nas duas últimas décadas, que o abuso e a negligência infantil estão associadas a maior risco de problemas psiquiátricos ao longo da vida.
Atualmente, sabemos que pessoas que foram expostas a traumas nas fases precoces da vida apresentam maior risco de desenvolverem depressão, transtorno bipolar, abuso de álcool e de drogas, transtorno de stress pós-traumático, transtornos de personalidade, transtornos alimentares, tentativas de suicídio, entre muitas outras desordens psiquiátricas. O curso desses quadros psiquiátricos tende a ser mais grave e com pior resposta aos tratamentos disponíveis. Do mesmo modo, crianças com história de abuso são mais vulneráveis ao desenvolvimento de diabetes, asma, doenças cardiovasculares (incluindo hipertensão arterial), cefaleias, obesidade e outras condições médicas gerais.
É assustador, mas dados de um amplo estudo realizado nos Estados Unidos em 2012 (U.S. Department of Health and Human Services) demonstraram que a maior parte (até 80%) dos maus-tratos foi realizada por um dos pais. Das crianças, 78% sofreram negligência (falha em fornecer necessidades básicas que possam levar a criança a sua segurança ou bem-estar); 18%, abuso físico; e 9%, abuso sexual.
Além das óbvias consequências psicológicas, o trauma precoce parece acarretar diversas alterações biológicas, como anormalidades neuroendócrinas e dos neurotransmissores, além de aumentar a predisposição genética para distúrbios mentais e induzir disfunções inflamatórias.
Entretanto, um dos mais impressionantes achados científicos relacionados aos maus-tratos na infância é o seu impacto na estrutura e funcionamento cerebral. Estudos com ressonância magnética demonstraram que crianças que cresceram na completa negligência que ocorria nos orfanatos da Romênia comunista, durante o regime do ditador Ceauşescu (1918-1989), apresentaram menores volumes cerebrais do que crianças não institucionalizadas. Além disso, vários outros estudos com pessoas que passaram por traumas na infância demonstraram alterações persistentes em áreas cerebrais relacionadas ao humor e às emoções.
Aparentemente os diferentes tipos de trauma (sexuais, por exemplo), além do número e cronicidade dos eventos revelaram ter um impacto cada vez maior sobre a gravidade do dano no cérebro dessas crianças quando cresceram. Assim, retornando a Herbert Ward, podemos afirmar que uma política voltada para a prevenção e tratamento dos maus-tratos na infância é uma questão urgente de saúde pública, que pode acabar com a “escuridão” vivenciada por essas crianças – trazendo de volta a luz do presente e do futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário