25 DE MAIO DE 2017
Apenas um em cada 10 cargos de gerência executiva nas empresas brasileiras de capital aberto é ocupado por mulheres. Nos conselhos de administração, número é ainda menor e não evoluiu nos últimos oito anos
Por Sérgio Spagnuolo e Bruna Froehner*
Diz o ditado que o único jeito de “sucesso” vir antes de “trabalho” é no dicionário. Então Olga trabalhou. Trabalhou bastante, desde o momento em que seu pai polonês depositou nela o objetivo de ser diretora de uma escola. Tornou-se a primeira sócia mulher de uma grande consultoria internacional com atuação na América Latina, chefe-executiva de uma holding bilionária, consultora renomada e conselheira de empresa de capital aberto.
“Na minha vida sempre existiu um mantra: estudar, se dedicar e entregar coisas acima da minha responsabilidade”, diz Olga Stankevicius Colpo, consultora de governança estratégica, conselheira da companhia energética paranaense Copel, ex-CEO da Participações Morro Vermelho (controladora do grupo Camargo Corrêa) e ex-sócia no Brasil da consultoria que agora é chamada PwC.
A trajetória não veio sem percalços. Um deles, ela lembra bem. Em 1984, na avaliação para se tornar sócia da Coopers & Lybrand, uma das maiores consultorias do mundo à época (que em 1998 se fundiu com a Price Waterhouse, agora PwC), precisou ouvir de um sócio sênior que ela “trabalhava como um homem”.
Embora uma tentativa rasa de elogio, a insinuação veio obviamente carregada de um estigma que até hoje serve de obstáculo para a ascensão de muitas mulheres aos mais altos cargos corporativos: para subir nas empresas, elas teriam que andar à sombra dos homens.
Na prática, não é o que acontece. Olga, esposa, mãe e alta executiva, trilhou seu próprio caminho. Ela faz parte de um ainda diminuto, mas crescente grupo de mulheres que conseguiram superar o chamado “teto de vidro” corporativo, alcançando altos cargos executivos e sentando às mesas dos Conselhos de Administração de grandes empresas.
Segundo levantamento realizado pela agência Volt Data Lab entre abril e maio de 2017, em mais de 400 empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), apenas 215 cargos de alta gerência executiva (diretoria ou vice-presidência), dentre 2.043 verificados, são preenchidos por mulheres — meros 10,5%. Somente em 17 das empresas (4,4%) há mulheres como chefes-executivas (CEOs, na sigla em inglês). Dessas, algumas ocupam a presidência em mais de uma empresa do mesmo grupo, e o número total de mulheres CEOs cai para 12.
A situação nos Conselhos de Administração não é melhor: dos 2.647 assentos efetivos verificados, apenas 203 eram ocupados por mulheres (7,7%). Isso coloca o Brasil bem longe de países nórdicos, que possuem os maiores percentuais de participação feminina nos Conselhos, na casa dos dois dígitos — Noruega (40,5%), Suécia (27,5%), Finlândia (26,8%) e Dinamarca (17,2%), segundo dados compilados pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Nas 411 empresas da Bovespa, havia apenas 19 colegiados presididos por mulheres, menos de 5%.
A bolsa paulistana é um grande ecossistema com companhias de vários tamanhos e diferentes níveis de governança, mas até mesmo no segmento cujas empresas, em tese, deveriam adotar “um padrão de governança corporativa altamente diferenciado”, mulheres estão em falta. Nas quase 130 companhias do Novo Mercado da Bovespa, somente um em cada dez dos principais cargos executivos estão preenchidos por mulheres (abaixo do total geral). Nos Conselhos o número é ainda menor, 6,6% de cadeiras ocupadas por mulheres, também abaixo do geral da Bovespa.
Nas empresas que figuram no Novo Mercado, apenas quatro têm mulheres CEOs — Light S.A., Copasa, B2W — e em outras quatro há mulheres presidindo Conselhos — Contax, M.Diasbranco, Santos Brasil e Magazine Luiza.
Avanços lentos
Os dados de 2017 não se diferenciam um levantamento feito em 2009 pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). A proporção de mulheres nos assentos efetivos dos Conselhos de Administração das empresas listadas na Bovespa há sete anos também era de 7,7%.
Uma série de fatores históricos (como conquistas tardias de direitos) e sociais (como a crença de a maternidade ser obstáculo na carreira) culminaram no prevalecimento de um ambiente masculino no topo das corporações brasileiras e mundiais. Esse quadro tem mudado, mas em ritmo lento.
“Vai demorar ainda (para haver maior presença feminina). Você vê o tempo que os homens estão no mercado de trabalho, e o tempo que as mulheres estão… é bem mais curto”, diz Chieko Aoki, presidente e fundadora da rede de hotéis Blue Tree. “O número de mulheres indicadas para cargos como CEO ainda é pequeno. Homens fazem mais networking, se conhecem mais e acabam indicando outros homens.”
Atualmente, apenas cerca de 35% das companhias da Bovespa possuem no mínimo uma mulher no Conselho de Administração ou nas altas diretorias, segundo o levantamento do Volt.
“Na minha visão, quando a gente considera 400 ou 600 empresas, de todos os tamanhos, e a quantidade de oportunidade que temos dentro dessas organizações, acredito que a gente teria condições de colocar uma mulher em cada Conselho”, afirma Carla Bellangero, sócia-auditora da consultoria KPMG e representante, no Rio de Janeiro, da Women Corporate Directors (WCD) — uma organização mundial que, entre outras coisas, ajuda executivas na busca de oportunidades, no treinamento e na ampliação de rede de relacionamentos.
O fato de haver uma proporção maior de diretoras executivas do que de conselheiras é um bom indicativo neste momento, considerando que mais mulheres estão conquistando mais espaço e futuramente podem chegar aos Conselhos. A grande maioria das empresas apuradas tem uma mulher, algumas têm duas e apenas oito têm três. Somente a companhia de tecidos Santanense possui quatro mulheres no Conselho, o máximo apurado no levantamento.
“Ter mais mulheres em diretorias é questão de timing. Para ser conselheiro existe uma expectativa de que você tenha participado de um cargo no topo da pirâmide organizacional da empresa, existe essa preocupação quando vão indicar outros conselheiros, de que essa profissional tenha exercido cargos de diretoria”, disse a superintendente-geral do IBGC, Heloisa Bedicks.
A perspectiva geral de executivas é de que esses percentuais cresçam na próxima década, embora seja difícil precisar para quanto.
“A gente está falando de um número de C-Level (nível de diretoria para cima) que representa 6-7 por cento no gênero feminino, se a gente considerasse 10-15 anos atrás, essa participação talvez fosse ainda menor”, disse Carla.
Desempenho x Igualdade de Gênero
Um estímulo para o mundo corporativo investir em ampliar a participação feminina em cargos de liderança vem de estudos que apontam correlação entre maior diversidade na governança e eficiência nas tomadas de decisões. Pesquisa de 2015 da consultoria McKinsey afirmou que as companhias com maior diversidade de gênero apresentaram probabilidade 15% maior de registrar retorno financeiro acima da mediana do setor em que atuam. Quando se trata de diversidade étnica, esse percentual sobe para 35%.
“Várias pesquisas mostram que a mulher tem posicionamentos diferentes do homem, e isso agrega ao conselho”, diz Heloisa, do IBGC. “A diversidade, qualquer diversidade, é importante, e não é bom ter conselho só com mulher, nem só com homens.”
Um outro relatório de 2015 da companhia de investimento MSCI aferiu que empresas com “liderança feminina forte” tiveram um retorno sobre patrimônio líquido, uma medida de rentabilidade, quase 40% maior do que empresas com menor diversidade de gênero, além de terem menos controvérsias relacionadas a governança.
No entanto, há quem conteste a correlação entre a presença de mulheres em conselhos e a melhoria no resultado de empresas.
Em uma análise de 18 de maio de 2017, Katherine Klein, professora de gestão na Wharton School, da Universidade de Pensilvânia, nos EUA, afirmou que “estudos rigorosos e revisados por pares sugerem que companhias não têm melhor desempenho quando possuem mulheres no Conselho. Nem pior. Dependendo de quais meta-análises você ler, diversidade de gênero nos Conselhos tem uma fraca relação com desempenho do colegiado, ou até nenhuma relação”.
Ela chegou a essa conclusão após analisar dois estudos diferentes que concatenaram mais de uma centena de pesquisas de rigor acadêmico reconhecido sobre o tópico, em 35 países.
Para Katherine, da Wharton, a inclusão de mais mulheres no topo da gestão corporativa deveria ser vista sob a ótica do acesso a direitos. Seu veredito: “Mulheres devem ser indicadas para Conselhos por motivos de igualdade de gênero, não porque diversidade de gênero em Conselhos leva a melhorias no desempenho das companhias.”
É por essa razão que alguns países, como Suécia, França, Holanda e Israel, passaram a implementar legislação que exige cotas mínimas para mulheres em Conselhos de Administração.
O Brasil parece seguir nessa esteira, especialmente após a aprovação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, em março deste ano, do projeto de lei que define um percentual mínimo de participação de mulheres nos Conselhos de todas as empresas controladas pelo governo federal — começando com 10% em 2018, 20% em 2020 e chegando a 30% em 2022. O projeto precisa ainda ser aprovado pela Câmara dos Deputados.
A medida divide opiniões. Heloisa diz que o IBGC é contra a implementação de cotas. Chieko se diz a favor. “Quando empresas grandes começarem a fazer isso, pequenas vão fazer também… [são necessárias] cotas temporárias até que se torne um modelo padrão.”
Todas as mulheres entrevistadas, contudo, reforçam que adotar cotas não significa dispensar o mérito na seleção para qualquer posição. “A cota temporária é mais pra gente poder fazer com que essas mulheres cheguem até lá… para impulsionar de forma rápida essa modificação”, disse Carla, da WCD.
Para Chieko e Olga, abrir espaço para mais mulheres é uma forma das empresas criarem um ambiente em que diferentes visões floresçam, e isso é positivo.“Se a única ferramenta que você tem é uma chave de fenda, tudo o que você vê é um parafuso”, diz Olga.
Naquele ano de 1984, após ouvir que “trabalhava como um homem”, ela voltou para casa. Mais de 30 anos depois, o episódio ainda segue marcado em sua memória, mas não impediu seu avanço. “Na hora fiquei louca da vida, mas eu superei.”
Sérgio Spagnuolo é editor da agência Volt Data Lab e colaborador da Gênero e Número.
Bruna Froehner é jornalista e colaboradora da Gênero e Número.
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