Em entrevista exclusiva ao G1 durante sua visita a Salvador nesta terça-feira (10), a paquistanesa que ganhou o Nobel da Paz defendeu a inclusão do ensino sobre a igualdade de gênero nas salas de aula.
Por Ana Carolina Moreno, G1, Salvador
11/07/2018
Na semana em que completa 21 anos, Malala Yousafzai, ativista paquistanesa e ganhadora do Nobel da Paz, conta, em entrevista exclusiva ao G1, que decidiu passar a data ao lado de jovens brasileiras ativistas dos direitos da população indígena e negra.
A comemoração acontecerá nesta quinta-feira (12) no Rio de Janeiro, diz ela, e a população não-branca do Brasil entrou no seu foco principal por ser justamente a que mais sofre com a falta de acesso à educação.
“Vemos que só 30% das crianças afro-brasileiras terminam a escola. As comunidades indígenas representam 0,5% da população, mas representam 30% dos que estão fora da escola ou são analfabetos. Então existe necessidade de apoio. E o meu objetivo é sempre alcançar as áreas onde o apoio é mais necessário”, afirma ela.
A conversa, que durou 15 minutos, ocorreu no pátio de um hotel no Centro Histórico de Salvador, depois de um almoço regado a guaranáe de ouvir a música “Parabéns a você” no batuque do Olodum.
Nesta terça, Malala anunciou que vai investir US$ 700 mil no trabalho realizado por três ativistas brasileiras, da Bahia, de Pernambuco e de São Paulo. Mas afirmou que ajudar na inclusão das 1,5 milhão de meninas do Brasil que atualmente estão fora da escola é só um passo em seu objetivo final: fazer isso com todas as 130 milhões de meninas nessa situação em todo o mundo.
Para cumprir a meta, ela afirma defender esforços em todas as áreas, inclusive a política, com leis que ajudem na evolução da igualdade de gênero. Para a jovem paquistanesa, oferecer informações a meninas sobre sua saúde sexual e sua educação sexual é "crucial", principalmente considerando as meninas que são vítimas de assédio.
“Esse ensino só as lembra [as meninas] de que elas têm direitos independentemente de sua origem, ou de seu gênero. Acho que isso é crucial, e se isso for proibido, vai ser um grande desafio para atingir nosso objetivo de igualdade.”
Malala se tornou conhecida no mundo todo em 2012, após ser baleada na cabeça por radicais do Talibã ao sair da escola. Ela seguia em um ônibus escolar e seu crime foi se destacar entre as mulheres e lutar pela educação das meninas e adolescentes no Paquistão. Os talibãs são contrários à educação das mulheres.
Veja abaixo a entrevista de Malala ao G1:
Por que você batizou sua rede com o nome Gulmakai (iniciativa do Fundo Malala que patrocina homens e mulheres que incentivam ou promovem a educação de meninas em vários países), que vem de um período em que você já era uma ativista, mas era anônima para o mundo?
Passei por um período muito difícil, assim como muitas outras meninas na nossa região, o Vale do Swat no Paquistão, quando a educação de meninas era completamente banida, então as meninas não podiam ir para a escola e não podiam alcançar seus sonhos. E naquela época achei que precisava levantar minha voz, então comecei a escrever em um blog para a BBC sob o pseudônimo Gulmakai. Esse nome significa centáurea-azul (uma espécie de flor) na nossa língua, mas ele tem um significado maior para mim, que é levantar a voz, que é o ativismo.
É assim que as pessoas locais lutam por suas comunidades. E a partir dessa perspectiva eu consegui ver isso globalmente também, porque já fiz tantas viagens, para a Nigéria, para regiões com refugiados sírios, e agora estou no Brasil, e vejo que existe um grande número de pessoas que estão trabalhando em suas comunidades e que apoiam suas comunidades, especialmente focando na melhoria das sociedades.
Por que você começou a expansão da rede na América Latina especificamente pelo Brasil? Existem semelhanças entre o Brasil e os outros países que já estão na rede?
O meu objetivo é ver na escola todas as 130 milhões de meninas que estão fora da escola agora. E por isso quero ter certeza de que vamos atingir todas as regiões globalmente. E no Brasil são 1,5 milhão de meninas, e vemos que a porcentagem é mais alta quando se trata de comunidades indígenas, comunidades afro-brasileiras. Só 30% das crianças afro-brasileiras terminam a escola. As comunidades indígenas representam 0,5% da população, mas representam 30% dos que estão fora da escola ou são analfabetos. Então existe necessidade de apoio.
E o meu objetivo é sempre alcançar as áreas onde o apoio é mais necessário. É por isso que estamos no Brasil, no Nordeste, e focando nas comunidades indígenas e nas meninas afro-brasileiras, garantindo que elas também tenham oportunidades iguais às de quaisquer outras meninas para ter acesso à mesma educação.
G1: As três ativistas selecionadas promovem atividades muito diversas. Existe alguma característica que todas elas têm, e que você está buscando?
Conheci todas as três selecionadas. Estou muito animada para apoiar nossas novas defensoras e são US$ 700 mil investidos no Brasil, em educação. E todas as três são incríveis, só de olhar o histórico de trabalho e o que elas já fizeram até aqui, o ativismo é inspirador para mim e para todas as outras pessoas da equipe. E eu as defendo, as apoio e acho que uma coisa que elas têm em comum é a resiliência. Elas não vão desistir.
Ontem você defendeu [em um evento em São Paulo] envolver os políticos nas conversas sobre educação durante as eleições. Não sei se você já ouviu falar do projeto Escola sem Partido.
Sim.
Nesta quarta pode haver uma votação na Câmara do projeto. O que ele diz é que professores devem ser proibidos de abordar assuntos na sala de aula se eles forem contra os valores morais familiares dos alunos. E muitos políticos são contra o uso da palavra “gênero” nos projetos de lei sobre educação e planos de educação.
Baseada na experiência que tive, posso dizer que o ensino de gênero e a educação sexual são muito importantes, especialmente para as nossas novas gerações, especialmente para as garotas jovens, para saberem sobre sua saúde, e sobre sua segurança... Especialmente quando as meninas se tornam vítimas de violência sexual por causa do seu gênero, ou quando meninas são assediadas porque elas não receberam oportunidades iguais por causa do seu gênero.
E esse ensino só as lembra de que elas têm direitos independentemente de sua origem, ou de seu gênero. Acho que isso é crucial, e se isso for proibido, vai ser um grande desafio para atingir nosso objetivo de igualdade.
Como você vê essa onda feminista atual em diversas áreas, como em Hollywood, o movimento #metoo e o movimento por salários iguais entre homens e mulheres? Como essas lutas caminham ao lado da sua luta por educação para as meninas?
Estou muito feliz de ver que mulheres e homens estão entrando em campanhas como a #metoo e outras, e o que é interessante é como mulheres de países em desenvolvimento também estão aderindo a esses movimentos, do Paquistão e também do Brasil. As mulheres estão se unindo globalmente para dizer que existe muita coisa em comum entre o que todas nós estamos enfrentando.
Então se você está em Hollywood ou em qualquer lugar no Brasil, você está sofrendo assédio sexual. Isso está unindo as mulheres, e acredito que existe mais a ser feito. Isso é o começo, mas não é o todo da luta que queremos ver. Precisamos fazer mais, e para mim a educação é parte disso. Garantir que meninas possam ter acesso à educação, que possam seguir com suas vidas, completar seus estudos e alcançar seus sonhos faz parte da igualdade que todas nós queremos ver.
Em março você finalmente voltou ao Paquistão e visitou sua casa. Você já falou que esse era o seu sonho, que o seu ciclo não tinha chegado ao fim. Você conseguiu completar esse ciclo? Você se sente mais potente, agora que você conseguiu ir até lá em segurança?
100%. Eu sempre quis ir para casa, queria ver meus amigos, meus professores, meus parentes, e fazia cinco anos que não via o meu lar. Foi muito difícil, porque a gente não deixou nosso país por escolha própria. Foram as circunstâncias que forçaram a nossa saída para o meu tratamento, por causa dos meus ferimentos. E quando voltei foi o momento mais bonito da minha vida. Ver meus amigos e família, ver nosso Vale do Swat, que é o lugar mais bonito que já vi, as montanhas, os rios... Foi um momento bonito. E espero que possa ir de novo, depois de completar minha educação, para viver lá e seguir trabalhando lá.
Como você planeja comemorar seu aniversário de 21 anos?
Quero passar meu aniversário de 21 anos aqui no Brasil, ao lado de meninas surpreendentes e incríveis que estão lutando por seus direitos, especialmente meninas afro-brasileiras e indígenas. No Rio [de Janeiro]. Eu vou para o Rio, estou animada para isso, muito!
O que a Malala de 21 anos gostaria de dizer para aquela Malala de 15 anos, de antes do ataque [do Talibã]?
Ninguém nunca me fez essa pergunta antes! Hum... Eu acho que a Malala de 15 anos tinha uma visão. Ela queria ver todas as meninas do Vale do Swat e do Paquistão com acesso à educação, para poderem conquistar o que elas quisessem na vida. E não precisarem ser oprimidas por ninguém, não ter ninguém falando que elas são inferiores aos homens. Não ouvir que elas deveriam ficar só dentro de casa e não sair na rua.
E a Malala de 15 anos não sabia o que ia acontecer em seguida, mas eu diria a ela que nós estamos em um caminho bom agora, e que a gente está atingindo essa visão não só no Paquistão, mas pelo mundo todo. E o Brasil é parte disso.
E a Malala de 40 anos? Do que você gostaria que ela nunca esqueça?
[Risos] Quarenta anos... Essa é uma pergunta muito difícil! Que nunca esqueça? Muitas coisas. E eu sempre tenho muitas coisas em mente. Eu não esqueço especialmente os momentos que passo com as meninas que conheço, seja na Nigéria, no Curdistão Iraquiano ou no Brasil. Sempre me lembro disso.
São os momentos mais lindos, porque essas meninas inspiradoras te contam suas histórias, e as histórias delas são tão poderosas que me motivam a continuar a lutar pela educação. Vou lembrar dessas histórias, mas também dos meus dias no Brasil, e do resto das viagens que já fiz.
Ontem você deu um conselho aos jovens sobre desafios. Você disse para eles enfrentarem o desafio interno primeiro, de acreditarem em si mesmos. Quem te ensinou a acreditar em você mesma?
Acho que primeiramente foi o meu pai. Porque logo em uma idade bem nova ele me escutava, levava em conta a minha opinião, e ele me permitia discordar dele também. Então acho que essa é a atmosfera de que as crianças precisam, onde suas opiniões têm valor, e acho que isso é algo com o qual os professores e pais podem ajudar. Sou muito grata a ele por isso. Sempre pensei que qualquer coisa que digo é séria. Só porque tenho 11 anos, ou 9 anos, não significa que minha visão não importa, ou que as pessoas não estão me ouvindo. Então sempre soube que minha mensagem e tudo o que dizia era muito sério, desde uma idade bem tenra.
E você também tem escritores, pensadores ou políticos que te inspiram?
Hum... Acho que vou ter que mencionar o Paulo Coelho... Você sabe, “O alquimista” foi o meu primeiro livro... Foi um dos primeiros livros que eu li. E ainda é o meu favorito.
Você já o conheceu?
Não. A gente se segue no Twitter. Nos conhecemos só do Twitter.
E quais são as comidas mais gostosas que você encontrou no Brasil? Você já falou da água...
Gostei da água, e qual foi a bebida que acabei de tomar? Era tipo um refrigerante, era gaseificado...
Guaraná?
Isso. É brasileiro?
Sim.
Eu gostei disso!
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