Dos descaminhos na resolução de conflitos
Violência |
O conflito é elemento integrante de qualquer agrupamento humano e se constitui em fator de crescimento, visto que implica na busca de um novo equilíbrio entre as partes.
Uma situação de conflito pressupõe fatores que mantêm entre si uma relação de oposição, que tanto pode ocorrer no campo intrapsíquico quanto no relacionamento interpessoal.
Quando o conflito ocorre no contexto intrapsíquico, trata-se de uma expressão sutil, na maioria das vezes pouco perceptível ao olhar do observador externo. Um exemplo seriam as atitudes de resistência tão comuns no contexto terapêutico, as quais se constituem na expressão de uma contradição entre o desejo e a busca da mudança e o fato de não querer esta mesma mudança almejada devido aos ganhos secundários da situação aparentemente incômoda e ao medo do novo. O sintoma traz uma falsa sensação de conforto e segurança, da qual é muito difícil abrir mão ou renunciar a ela.
Por outro lado, os conflitos interpessoais são um dos resultados possíveis da interação social, como expressão da diferença de interesses, desejos, valores daqueles que participam dela. Dada a inevitabilidade do conflito nas relações interpessoais, o foco passa a ser o método utilizado para sua resolução.
A família, como um grupo humano, é um meio especialmente propício, para a emergência de conflitos entre seus membros. As distintas etapas evolutivas, pelas quais atravessa a família, favorecem a emergência de diferentes e sucessivos tipos de conflitos. Alguns se resolvem sem ajuda externa. Outros a requerem. Faz-se necessário, entretanto, distinguir entre conflito intrafamiliar e violência familiar.
A raiz etimológica do termo violência remete ao conceito de força. Ao substantivo violência equivalem verbos tais como violentar, violar, forçar.
A violência implica sempre no uso da força para produzir um dano. No sentido amplo, pode-se falar em violência política, violência econômica, violência social ou até mesmo em violência metereológica.
Em suas múltiplas manifestações, a violência sempre é uma forma de exercício de poder mediante o emprego da força (seja força física, psicológica, econômica, política) e implica a existência de um acima e um abaixo, reais ou simbólicos, que adotam a forma de papéis complementares: pai-filho; homem-mulher; professor-aluno; patrão-empregado; jovem-velho.
Focalizando-nos no nível das ações individuais, o emprego da força se constitui em um método possível para resolução de conflitos interpessoais, com a intenção de subjugar a vontade do outro, de anulá-lo precisamente em sua qualidade de “outro”.
Assim, a violência implica em um meio para eliminar os obstáculos que se opõem ao exercício do poder, mediante o controle da relação obtido através do uso da força.
Para que se instaure a conduta violenta, deve haver um desequilíbrio de poder. No âmbito das relações interpessoais, a conduta violenta é sinônimo de abuso de poder, no caso deste último ser utilizado para causar dano a outra pessoa. É por isso que um vínculo caracterizado pela prática da violência de uma pessoa para com outra é denominado “relação de abuso”.
A dinâmica do poder ocorre quando uma pessoa com mais poder abusa de outra com menos poder. Há, portanto, uma diferença de poder entre as partes.
Os dois eixos de desequilíbrio de poder dentro da família são dados por gênero e idade.
O termo violência familiar refere-se a todas as formas de abuso que ocorrem nas relações entre os membros de uma família.
Segundo Corsi (2006), a violência no seio familiar representa um grave problema social, já que se estima que aproximadamente 50% das famílias sofrem alguma forma de violência. O poder público e as agendas feministas têm se ocupado extensivamente do enfrentamento deste problema.
A nossa sociedade ao longo dos séculos corrobora e estimula a autoafirmação pela via da conduta violenta. Cabe a cada um de nós se comprometer e entender que o ser humano é por natureza um ser gregário, mas que isto não nos dá o direito de exercer o poder de forma perversa, isto é, valer-se das fragilidades do outro para dominá-lo e aniquilá-lo. Podemos utilizar outras vias de autoafirmação sem que para isso necessitemos subjugar ou causar dano ao outro. Desprender-se do próprio egocentrismo e aceitar que existe um lugar para todos no planeta é uma prova de maturidade. O direito ao crescimento e ao desenvolvimento pertence a todo ser vivente.
O respeito é uma via de duas mãos.
Referências
- CORSI, Jorge. – Violencia familiar: una mirada interdisciplinaria sobre un grave problema social. 6ª. ed. Buenos Aires: Editora Paidós, 2006.
Psicóloga psicodramatista, atua no SOS Ação Mulher e Família desde o ano de 1984. Doutora em Saúde Mental pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Autora do livro “Cenas repetitivas de violência doméstica: um impasse entre Eros e Thanatos”.
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