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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Vamos falar de educação sexual?

Simony dos Anjos
6 de fevereiro de 2019
Essa é uma das polêmicas instauradas para tornar nebulosa a cena política, a tal da educação sexual. Sabemos que essa tática do atual (des)governo, e também do impeachment e de todo o movimento de direita, há um bom tempo, é de exagerar nas pautas morais que comovem a sociedade para, então, poder deitar e rolar no desmonte dos serviços públicos e ataque aos mais pobres. Mas, de todo modo, essas pautas geram polêmica justamente por serem constituintes de nosso imaginário social e regularem as relações entre as pessoas.

Esse (des)governo tem defendido que a educação sexual deve ser tarefa dos pais e não da escola. Não à toa que é um governo formado por homens, héteros, brancos e cis. Em outras palavras, uma geração de homens que teve por educação sexual perder a virgindade em bordéis; que comprava playboy para seus filhos e que sempre bateu no peito e disse: “segure as suas cabras, que meus bodes estão soltos”.
Por outro lado, quando se tem filhas, a educação é: “tudo é errado, não faça isso e se mantenha pura”. Até que essa menina se case com um rapaz que perdeu a virgindade em um bordel e passou a vida vendo filme pornô – no qual as mulheres sempre servem o homem nas posições mais desconfortáveis para suas parceiras.
Quando uma pessoa é criada com essa visão sobre o sexo, imaginar esses temas falados em sala de aula parece realmente impróprio. Assim, há de se explicar que o que se chama de educação sexual, nas escolas, é um programa com uma série de etapas que vão do ensino fundamental ao ensino médio. A primeira coisa a ensinar é a anatomia dos corpos, começando pelo próprio corpo, passando pelas diferenças e respeito, geralmente ensinado no conteúdo de ciências. No início do segundo ciclo do fundamental, os alunos já estão maduros para entenderem o sistema reprodutor humano, que geralmente é apresentado após o estudo do sistema reprodutor de outras espécies (mamíferos, aves, répteis, insetos etc).
Uma vez que os alunos entenderam como o ser humano se reproduz, propositalmente na puberdade, começa-se a discussão de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis, o uso da camisinha como método anticoncepcional e o ciclo fértil da mulher. No final da puberdade, geralmente no ensino médio, a discussão de gênero é bastante acentuada, uma vez que é nessa idade que os adolescentes vão descobrir suas sexualidades e ficarem extremamente confusos entre o que eles acham que devem fazer e o que querem fazer.
Nessa fase da vida, entre os 15 e 18 anos, os adolescentes têm muita vergonha da virgindade, de não saber “fazer as coisas” o que os torna mais vulneráveis a começar uma vida sexual de modo forçado e indesejado, “fazer porque todo mundo faz e eu tenho que fazer”. É nesse momento que a escola entra para orientar que “não” é “não!”; que em primeiro lugar é necessário respeitar a si mesmo, suas vontades e seu próprio tempo. Se o desejo é de se guardar para mais tarde, a escola diz que tudo bem. Se a vontade é de iniciar a vida sexual, a escola orienta como fazer isso de modo responsável e seguro.
Nessa discussão toda, quando os adolescentes estão com os hormônios a flor da pele, a discussão do espectro da sexualidade humana é muito necessário, para que as pessoas que divergem do padrão de feminino e masculino possam passar pela puberdade com respaldo. Para que a homofobia e a transfobia não sejam sedimentadas no comportamento sexual dessas crianças. Ninguém torna ninguém gay ou lésbica. Ninguém diz o que a criança deve ser, apenas protegemos as crianças do ódio pregado pela heteronormatividade, inclusive meninos e meninas que aprendem a sexualidade de modo muito nocivo: passividade para mulheres e agressividade para homens.
Desse modo, a educação sexual na escola é muito ameaçadora para a vigente “ideologia de gênero”, na qual homens são levados ao sexo pela pornografia e as meninas são criadas para um sexo servil e passivo. Esse atual modo de comportamento sexual da nossa sociedade é extremamente perigoso para nós, mulheres. Eu poderia citar uma série de motivos para defender essa minha postura, mas me centrarei em dois: um padrão de relacionamento violento e a não obtenção de prazer nas relações sexuais.
Segundo a pesquisa Mosaico 2,0, realizada em 2016 pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), 55% das mulheres ainda enfrentam dificuldades em atingir o orgasmo.  E isso se dá justamente porque a educação sexual das mulheres é de não conhecimento do corpo, da vagina e de abnegação ao realizar suas vontades, sendo ensinado para essas meninas que o que a mulher deve fazer na cama é agradar o parceiro. Ao passo que os homens, desde a adolescência, são incentivados a ter prazer, e não a gerar prazer, sendo um sexo que não é relacional, mas sim a busca individual do prazer. É essa educação sexual que queremos para as meninas e meninos brasileiros? Penso que não.
O segundo ponto diz sobre a violência dos relacionamentos, os quais são frutos da forma como a nossa sociedade lida com as relações entre homens e mulheres. Nessa cultura, mulheres devem ser passivas, sempre; nunca dizer não e servir o homem a todo custo. Enquanto homens são mimados e devem ser servidos o tempo todo. Isso é o que chamamos de cultura de estupro, homens acreditarem que mulheres existem para servi-los, para serem objetos de suas vontades e desejos. A criação passiva das mulheres faz com que estas não reajam a esse padrão de relacionamento e se submetam a casamentos infelizes e tóxicos.
Obviamente, simplifiquei muito essa discussão, ela deve ser muito mais ampla e deve estar na escola. Pois nos 14 anos que as crianças passam nas escolas, podemos a cada etapa do desenvolvimento delas instruí-las para que esse comportamento nos relacionamentos não se mantenha. Como defendi ao longo deste texto, a educação sexual é uma ferramenta importantíssima no combate à violência nos relacionamentos e à violência doméstica. Ela é importante para que as mulheres possam exercer suas sexualidade com plenitude, obtendo o prazer que há séculos lhes é negado. Também é importante para desconstruirmos o padrão de relacionamentos tóxicos e inseguros aos quais nossos jovens são expostos. Fiquem tranquilos, a educação sexual na escola é sobre conhecimento do corpo, prevenção à gravidez precoce e DSTs. Educação sexual é justamente o oposto do que se fala por aí, não é sobre sexo, apenas, é sobre respeito!
Simony dos Anjos é graduada em Ciências Sociais (Unifesp), mestranda em Educação (USP) e tem estudado a relação entre antropologia, educação e a diversidade.

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