Um papo direto e reto sobre pornô e o comportamento masculino com a feminista e ativista antipornografia Gail Dines
Gail Dines Crédito: Fernando Martins |
POR MANUELA AQUINO 27.05.2019
Professora emérita de sociologia, a inglesa Gail Dines pesquisa e escreve há mais de 25 anos sobre a indústria pornô. O livro Pornland: como a pornografia sequestrou nossa sexualidade foi traduzido em cinco idiomas e ela encabeça uma ONG, a Culture Reframed, para que os pais saibam conversar sobre o assunto com seus filhos.
Gail veio neste mês ao Brasil a convite do Instituto Liberta que, em parceria com a produtora Maria Farinha e o Instituto Alana, produziu um documentário sobre exploração sexual infantil, Novinha, dirigido por Adriana Yañez. A ativista participa do projeto, que deve ser lançado no segundo semestre deste ano, e falou com a Tpm sobre ligação do tema com a pornografia e como essa indústria alimenta a violência contra mulheres e crianças:
Tpm. Você veio ao Brasil participar de uma palestra sobre exploração infantil e estará em um documentário sobre o tema. Qual conhecimento e análise você traz para nossa realidade? Segundo o último relatório mundial "Out of the Shadows", ocupamos o 11º lugar no ranking de países que mais exploram menores de idade.
Tpm. Você veio ao Brasil participar de uma palestra sobre exploração infantil e estará em um documentário sobre o tema. Qual conhecimento e análise você traz para nossa realidade? Segundo o último relatório mundial "Out of the Shadows", ocupamos o 11º lugar no ranking de países que mais exploram menores de idade.
Gail Dines. Temos na exploração sexual uma questão de gênero, pois são homens comprando crianças e mulheres, e não mulheres comprando homens e crianças. O que eu trago para vocês é o questionamento de como o patriarcado dá aos homens o privilégio e o poder de fazerem esse tipo de crime. Como contribuem para a situação de pobreza delas, o que as faz serem vítimas. Exploração sexual infantil, pornografia e tráfico sexual são três questões para se pensar juntas.
PornlandCrédito: Divulgação |
Como se dá essa essa reflexão? Pornografia é prostituição com a câmera ligada. As mulheres dessa indústria são de classe baixa e estão aceitando empregos que pagem pouco, não são advogadas ou médicas. Como a sociedade glorifica as produções pornográficas, uma menina do interior dos Estados Unidos, sem perspectiva nenhuma, que assiste a um documentário sobre uma “estrela pornô” vai achar que aquele é o caminho. Entrevistei muitos caras presos por violentarem crianças. Olha como acontece: eles começam assistindo aos filmes, mas depois de um tempo começam a se entediar, não os excita mais. Aí, entram em grupos fechados que compartilham fotos e vídeos e têm acesso a conteúdo infantil. Passam a cogitar essa ideia até realizar o estupro. Entre ver e fazer geralmente eles demoram seis meses.
Como as políticas públicas e a sociedade poderiam trabalhar juntas pelo fim da exploração sexual? Para que qualquer ativismo dê certo, é preciso construir parcerias com grupos diversos com mesmos objetivos, mesmo que não se concorde com tudo. Aqui no Brasil a situação é tão crítica que o ideal seria realizar urgentemente trabalhos entre movimentos feministas, LGBTs, antitráfico infantil para lutar contra o modo de pensar da sociedade. As leis também precisam ser mais rígidas. Qualquer homem que explora sexualmente mulheres e crianças deveria ir para a prisão. Em países como Islândia e Noruega, a lei pune quem compra, quem vende e inocenta a vítima. A mulher que está na prostituição precisa ser descriminalizada para que não seja presa e fique com a ficha suja, o que dificulta procurar emprego, por exemplo.
A senhora afirma que os homens são moldados pelos filmes pornôs que assistem. Como isso acontece? O acesso a esse tipo de conteúdo hoje se faz cada vez mais cedo. Um adolescente cresce vendo aquilo e, quando crescer, o que vai querer? Gozar na sua cara, te estrangular e fazer sexo oral de um jeito que te engasgue, como acontece nos filmes.
Gail Dines e Luciana Temer, diretora do Instituto Liberta Crédito: Fernando Martins |
Dá para cravar que todo adolescente que tem contato com pornografia não respeitará as mulheres? Depende, por exemplo, de como é na casa dele. Se você foi ensinado a respeitar seu corpo, o corpo das outras pessoas, o impacto vai ser menor do que se ele vê o pai tratando mãe e irmãs mal porque são mulheres, simplesmente. O problema é que a pornografia rouba dos adolescentes a descoberta da própria sexualidade, de como eles querem fazer na cama, sejam héteros, gays, bi... [A pornografia] dá um padrão e eles colocam na cabeça que há uma super performance e isso também atrapalha.
Qual o impacto da pornografia nas mulheres? O primeiro, mais direto, é que você vai fazer sexo com homems que assistiram a pornôs e há chance de vocês reproduzirem esse tipo de filme. Algumas mulheres me dizem: “Ele parece não estar presente na hora do sexo”. E é verdade, o cara está pensando no que já viu na tela. Muitos podem querer repetir atos violentos, como estrangular a mulher no sexo. A pornografia acaba com a criatividade, com a intimidade, com a parte mais divertida do sexo. É a coisa menos sexy que existe.
O que a senhora acha das diretoras que produzem filmes ditos feministas, como Erika Lust? É pornografia e explora as mulheres do mesmo jeito. Ponografia feminista é uma piada, não existe, é fake news. Você assiste a algo que deveria ser o momento mais íntimo de uma pessoa. Que direito temos de fazer isso, de invadir a privacidade do corpo de alguém dessa maneira? As produções da Erika Lust não têm nada de feminsta. Você assistiu ao documentário Hot Girls Wanted: Turned On, da Netflix?Pois bem, Erika chama uma pianista para fazer a cena de uma fantasia. Mas contrata um ator pornográfico para contracenar com ela. A moça concorda sem ter uma ideia de verdade do que vai acontecer. O cara faz sexo pornô com ela, como um rolo compressor. Chega uma hora em que, exausta, pede para parar. A diretora, defensora da sexualidade autêntica, pede para ela fingir o orgasmo. No fim do documentário, a pianista fica triste e a diretora, como boa feminista que diz ser, dá um abraço nela.
Haveria um jeito de regulamentar as produções?
Não, isso não é possível. Pornografia tem que acabar pois é uma forma de escravidão sexual. O caminho seria tirar qualquer dinheiro envolvido para que essa indústria parasse de lucrar e acabasse.
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