Aos 41 anos, Formiga é a grande recordista do futebol em todas as modalidades. Neste domingo, na estreia do Brasil na Copa, contra a Jamaica, ela se tornou a única atleta, entre homens e mulheres, a disputar sete Mundiais. Bater recordes virou rotina em sua carreira. É a brasileira que mais competiu em Olimpíadas – participou simplesmente de todas as seis edições desde que a modalidade feminina foi incluída no programa dos Jogos. Também detém o título de jogadora mais velha a marcar um gol em Copas e da que mais vestiu a camisa da seleção, com 187 jogos no currículo. “Nunca fui de planejar as coisas nem poderia imaginar que viveria esse momento”, disse a volante baiana após a vitória contra as jamaicanas. “Fico feliz de ainda estar em campo ajudando o futebol feminino.”
Por sua representatividade, nem precisaria levantar a bandeira do esporte. Afinal, estar em campo por mais de duas décadas numa modalidade pouco valorizada no país significa ser a própria bandeira. Mas Formiga é uma atletas das mais ativas na busca por reconhecimento às mulheres. Seu estilo de jogo é eficiente e discreto, assim como sua personalidade. Porém, é na grandeza das atitudes que ela se destaca. No fim de 2016, havia anunciado a aposentadoria da seleção. Engrossou o manifesto de atletas contra a demissão da treinadora Emily Lima, no ano seguinte, ressaltando sempre a necessidade de trabalhos e investimentos duradouros para garantir a renovação da equipe.
Decidiu voltar à seleção no início de 2018, convencida pelo técnico Vadão de sua importância para o time, que não conseguia encontrar uma substituta à altura na posição. “Ela não é desse planeta”, costuma dizer o treinador ao exaltar sua condição física. Apesar da rodagem, a volante é uma das integrantes do plantel brasileiro que mais corre durante as partidas, com média superior a 10 km por jogo. Atualmente, com seu poder de cadenciar o jogo nos momentos de pressão, é o ponto de equilíbrio de um conjunto desequilibrado. Mesmo com o dobro da idade de algumas adversárias, ela dá carrinho, cobre as laterais e ganha divididas esbanjando fôlego de menina. Por excesso de vontade, levou cartão amarelo diante da Jamaica ao parar um contra-ataque que parecia fulminante.
Formiga é desses fenômenos raros do esporte. Alia agilidade, preparo físico e força mental. Em campo, executa com perfeição o “trabalho de formiguinha” que lhe rendeu o apelido ainda na adolescência. “Sou uma mulher normal, como todas as outras. Ainda sinto aquela ansiedade antes dos jogos. A vontade de ganhar é a mesma de quando disputei a primeira Copa”, lembra a camisa 8, citando seu Mundial de estreia em 1995, aos 16 anos. De caçula a mais veterana da equipe, a vitalidade em meio à “garotada” impressiona. Nesta Copa, por exemplo, 150 jogadoras não tinham nem nascido quando Formiga jogou seu primeiro torneio, como a companheira de time Geyse, que nasceu em 1998.
Os obstáculos até se consolidar no futebol eram redobrados. Primeiro, pelo habitual preconceito que fazia com que os irmãos a impedissem de jogar quando criança. Como mulher, negra e nordestina, ainda teve de enfrentar o racismo nos gramados. Em uma das ocasiões, aguentou 90 minutos sendo chamada de “macaca” por um torcedor na arquibancada. Ao fim da partida, ele pediu para tirar uma foto. Formiga o atendeu, mas, em seguida, sugeriu que o agressor enquadrasse a imagem como uma forma de se envergonhar para o resto da vidade seu comportamento naquele dia. O torcedor racista saiu vaiado do estádio. Depois de pendurar as chuteiras, a volante pretende desafiar o predomínio dos homens brancos e se tornar treinadora.
Recentemente, Formiga renovou seu contrato por mais um ano com o Paris Saint-Germain, mesmo clube de Neymar. Leva uma vida pacata na região metropolitana da capital francesa, morando sozinha num apartamento alugado pelo PSG. Não mantém convivência estreita com os compatriotas do time masculino nem é adepta de luxos e ostentação, dispensando o suporte dos parças tão requisitados pelos jogadores de alto nível. Muitas colegas acreditam que, justamente pelo jeito introspectivo e a função operária que exerce em campo, ela nunca ganhou reconhecimentos em premiações individuais como a Bola de Ouro. Para elas, inclusive, Formiga superaria Marta como a maior atleta da modalidade no país.
Já para Formiga, entretanto, evitar gols e desarmar adversárias é mais importante que qualquer prêmio. Sua única obsessão é conquistar um grande título com a seleção para materializar seu legado que, hoje, transcende o parâmetro de feitos e troféus. Ela é inspiração. E isso basta. “Só vou ter noção do que eu represento pro futebol feminino depois de parar”, diz, convicta de que irá disputar pelo menos mais uma Olimpíada, no ano que vem. Patrimônio do esporte brasileiro, seu nome é Miraildes Maciel Mota.
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