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domingo, 6 de outubro de 2019

Luc Ferry e os dois fardos sobre a vida humana

18.09.2019 | Luc Ferry
Luc Ferry é um dos filósofos franceses mais lidos da atualidade. Autor de dezenas de publicações sobre temas atuais e questões existenciais, foi com seu livro Aprender a viver, que se tornou um best-seller conhecido em todo o mundo. Na obra, ele mostra como a filosofia pode desempenhar o papel de uma alternativa laica à religião.

Luc Ferry é conhecido, pelo público do Fronteiras, como um dos mais esclarecedores convidados ao longo destes anos. É pela capacidade do pensador de abordar questões complexas e atemporais como situações práticas e angústias que habitam em cada um de nós. Esta mesma capacidade o tornou um dos maiores divulgadores da filosofia na contemporaneidade.
E é por isso, também, que ele esteve no projeto nos anos de 2007, 2011, 2015 e retorna agora, no Fronteiras do Pensamento 2019. Ferry é responsável pela conferência de encerramento desta temporada - responsável por trazer a filosofia para fechar um ano em que os Sentidos da Vida são o norte.
Em uma de suas passagens pelo Fronteiras do Pensamento, Ferry trouxe uma das questões clássicas da filosofia, que ele considera ser o seu problema central: o de definir, de uma perspectiva laica, o que é uma boa vida para os seres humanos. Confira abaixo o que o filósofo apresenta como os dois principais empecilhos para atingir a boa vida.





Luc Ferry | Os dois fardos sobre a vida humana

Os gregos pensavam que há dois fardos que pesam sobre a vida humana, duas grandes palavras, duas grandes infelicidades que nos impedem de alcançar a sinceridade, que nos impedem de alcançar a vida boa. Essas duas palavras são: o passado e o futuro. 
Com efeito, o passado e o futuro nos impedem sempre de habitar o presente, de amar o presente. O passado porque ele nos puxa sempre para trás com sentimentos muito poderosos, com paixões poderosas — isso se chama nostalgia, sentimos falta dos bons e velhos tempos, mas temos também remorsos, arrependimentos, culpas, isso que Spinoza chamava de ‘paixões tristes’, aquela sensação que provamos quando acordamos de noite dizendo ‘Mas por que eu fiz isso, por que eu disse isso?’, e assim tentamos reescrever a história, puxados que somos pelo passado. 
Se vencemos essa luta e escapamos enfim do passado, quase sempre é para se precipitar na ilusão do futuro: imagina-se que as coisas vão melhorar quando tivermos trocado de carro, quando tivermos trocado de sapatos, de casa, de profissão, de marido, de esposa, daquilo que se quer trocar. É preciso notar que algumas vezes isso ajuda, mas a ideia é de que as coisas vão melhorar depois. 
Sêneca, o grande filósofo estoico, tem uma fórmula muito bonita a esse respeito: ele dizia que, à força de viver no passado, à força de viver no futuro, nós deixamos de viver, nós não chegamos a viver, nós não habitamos jamais o presente. Ora, o presente é a única dimensão real do tempo: o passado não é mais, é um nada; o futuro não é ainda, é um nada; apenas o presente existe, e nós não estamos jamais nele, estamos sempre no passado ou no futuro, na nostalgia ou na esperança, e não chegamos jamais a habitar o presente. 
Pensemos em Ulisses: durante 20 anos, dez anos de guerra e dez anos de viagem, ele está sempre ou bem na nostalgia de Ítaca, sentindo falta dos tempos passados, ou bem na esperança de Ítaca, esperando para lá um dia voltar — mas ele nunca está no amor de Ítaca. Eis a origem da magnífica definição de ‘sábio’ dada por Sêneca e retomada pelo meu amigo e grande filósofo André Comte-Sponville, que escreveu, aliás, vários livros sobre essa bela ideia: o sábio, eis a definição, é ‘Aquele que chega a lamentar um pouco menos, a esperar um pouco menos, e a amar um pouco mais’. Eis precisamente o que Nietzsche chamava de amor fati, amor do fato, amor daquilo que está presente, amor do presente. 

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