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domingo, 6 de outubro de 2019

México avança na descriminalização do aborto

Estado de Oaxaca aprova interrupção da gravidez até a 12ª semana, mas Constituição local, que define a proteção da vida desde a concepção, ainda não garante atendimento na rede pública de saúde
Por Vitória Régia da Silva*
3 DE OUTUBRO DE 2019
Um dos países mais cristãos da América Latina deu um pequeno, mas significativo passo para a descriminalização do aborto na semana passada. No México, de Nossa Senhora de Guadalupe, uma das padroeiras das Américas, o estado de Oaxaca se tornou a segunda unidade federativa a permitir a interrupção da gravidez até 12 semanas de gestação. Os legisladores preveem que a medida entre em vigor no próximo mês.

Segundo dados do Ministério da Saúde de Oaxaca, 2.300 abortos clandestinos são realizados anualmente no estado. No entanto, estima-se que, para cada interrupção conhecida, três não sejam registradas; portanto, esse número pode ser superior.
“Oaxaca é um dos estados com histórico mais importante de movimentos sociais e feministas. As organizações feministas lutaram por isso nos últimos dez anos, mas foi de 2018 para cá que a força da ‘maré verde’ tomou conta do México. Cada estado do país articula o movimento a favor do aborto e foram principalmente as jovens que injetaram uma nova energia na luta pela descriminalização, mobilizando especialmente a população”, diz Verônica Cruz, diretora da ONG feminista Las Libres à Gênero e Número


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Há 12 anos a Cidade do México, capital do país, aprovou a legalização do aborto. Enquanto na descriminalização, como no caso de Oaxaca, o ato passa a não ser mais visto como ilícito, devido à mudança no Código Penal, na legalização todas as possíveis sanções são eliminadas e há regulamentação e fiscalização do procedimento, que deve ser oferecido pelo Estado. Nacionalmente, o aborto é proibido e permitido somente em gestação decorrente de estupro, mas alguns estados abrem exceções para casos como risco de vida para a gestante e má-formação do feto. 
Para Cruz, a renovação do Legislativo também foi um dos fatores que favoreceu a aprovação da descriminalização do aborto. “Com a chegada do partido Morena (Movimento de Regeneração Nacional, do presidente Andrés Manuel López Obrador) ao governo federal, elegendo também a maioria dos legisladores em mais da metade dos estados do país, uma nova configuração política deu fôlego à questão do aborto em um contexto mais favorável – não mais fácil -, mas com muitas possibilidades de progresso no país.” A diretora conta que mudanças na legislação também estão sendo discutidas no estado de Hidalgo.
Votaram a favor da descriminalização do aborto o Morena, o Partido Trabalhista (PT) e legisladores independentes, enquanto os deputados que votaram contra a descriminalização são dos partidos Revolucionário Institucional (PRI), Ação Nacional (PAN) – ambas forças tradicionais e mais conservadoras no país – e Encontro Social (PES, de extrema-direita).
Durante a votação em Oaxaca, houve manifestação de grupos contrários à descriminalização, que gritavam “assassinos!” para os deputados.“Os principais obstáculos à descriminalização no México são as alianças dos grupos no poder com as igrejas. Os grupos contrários ao aborto sempre existiram, aliados da igreja e dos partidos conservadores”, destaca a diretora da ONG Las Libres.
A filósofa e ativista mexicana Gaby Mijares, membro do movimento Terremoto Feminista, de luta pela equidade de gênero no país, destaca o peso do contexto em um dos países mais religiosos da América Latina: “Um dos principais obstáculos para não descriminalizar o aborto é o clero, que continua perpetuando a opressão contra o corpo da mulher e sua decisão de dar ou não à luz. O México é um país muito religioso, e isso pode dificultar o progresso em direção a uma realidade em que as mulheres possam decidir o que é melhor para sua vida no que diz respeito à sua saúde reprodutiva”.

Constituição vs. Código Penal

Além da descriminalização do aborto, os deputados de Oaxaca tinham outra decisão importante em pauta: a alteração do artigo 12 da Constituição local, que “protege e garante o direito à vida desde o momento da fecundação”. A reforma da Constituição foi adiada, perante um plenário dividido. Para a mudança era necessária uma maioria de dois terços.
A  lei que legaliza o aborto até a 12ª semana de gestação na Cidade do México foi aprovada em 2007 pela Assembleia Legislativa do Distrito Federal. Segundo Cruz, desde a decisão da descriminalização do aborto no México, pelo menos 16 dos 36 estados do país modificaram suas constituições para estabelecer que a vida humana deve ser protegida “desde o momento da concepção”. Neste momento, a reforma aprovada para o Código Penal de Oaxaca contradiz o que estipula a Constituição local, que também define a vida desde a concepção.  
Para a diretora da ONG feminista Las Libres, essa discordância não impede a descriminalização do aborto: “Pode haver a descriminalização até 12 semanas de gestação e proteção pré-natal na Constituição. Eu creio que a reforma da Constituição não será possível. Mas não há impacto na descriminalização do aborto, legalmente falando. Onde pode haver um problema é no acesso aos serviços, porque eles são comandados pelo Poder Executivo do estado, que está nas mãos do PRI, contrário à medida”, pontua.
Já Gaby Mijares enxerga riscos nessa divergência entre Constituição e Código Penal: “É necessário modificar a Constituição. Ela pode ser um obstáculo, uma vez que é contrária à nossa iniciativa de realizar um aborto seguro. Mas o governo não tem a intenção de fazer isso, já que suas lideranças defendem que os zigotos (o primeiro estágio pós-fecundação) já são uma forma de vida. Você sabe, a lei local pesa mais”.

Criminalização do aborto na América Latina

Apenas quatro países da América Latina permitem a interrupção voluntária da gravidez: Guiana Francesa, Guiana, Cuba e Uruguai. Em seis países, a interrupção da gravidez é proibida em qualquer circunstância (inclusive em casos de estupro e risco de vida para a gestante): República Dominicana, El Salvador, Nicarágua, Honduras, Haiti e Suriname. Os demais países da América Latina também criminalizam a interrupção voluntária da gestação, mas permitem o procedimento em alguns casos específicos. Esse é o caso de Argentina, Belize, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela. 
Pelo menos 6,4 milhões de abortos foram realizados na América Latina a cada ano no período entre 2010 e 2014, segundo o relatório mais recente da Organização Mundial de Saúde (OMS). Destes, 76,4% foram abortos inseguros, ou seja, realizados por pessoas não treinadas ou com procedimentos considerados inapropriados pela OMS, representando um risco para a saúde e a vida da mulher. 
No Brasil, o aborto é permitido apenas em três situações: em caso de risco de vida para a gestante, quando a gestação é decorrente de estupro ou quando o feto é anencéfalo. Nos demais casos, o aborto é crime e a mulher pode ser condenada de um a três anos de prisão em regime fechado. Em agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou uma audiência pública sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, mas a pauta ainda não tem data marcada para voltar ao plenário.
*Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número

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