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quarta-feira, 20 de novembro de 2019

AS VIOLÊNCIAS INVISÍVEIS QUE PRECISAM SER DISCUTIDAS NA SAÚDE

A partir de uma perspectiva feminista antirracista, violações de direito das mulheres nos sistemas público e privado ainda não ocupam centralidade necessária nos debates
GIULLIANA BIANCONI
02/11/2019
Época

Mulheres grávidas esperam horas em fila no Hospital Rocha Faria, no Rio, por falta de médicos Foto: Fabiano Rocha / Foto Fabiano Rocha / Extra / Agência O Globo

Mulheres grávidas esperam horas em fila no Hospital Rocha Faria, no Rio, por falta de médicos Foto: Fabiano Rocha / Foto Fabiano Rocha / Extra / Agência O Globo
Saúde integral, humanizada e de qualidade, livre de qualquer forma de preconceito ou discriminação. Isso é o que deve ser garantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), instituído desde a Constituição de 1988. Quando se fala em saúde da mulher e cuidados, é natural que se pense na mobilização do Outubro Rosa, a mais massificada entre todas as campanhas relacionadas às mulheres, ou que se fale sobre as iniciativas de referência de acompanhamento pré-natal, outro tema que já ganhou escala. Ambos são de extrema relevância, sem dúvida, inclusive levando em conta que, entre as mulheres, o tumor de mama é o tipo que mais leva à morte. Mas, passado o mês da campanha, e com a entrada em novembro, quando se debate intensamente o enfrentamento à violência contra a mulher (25 de novembro é o Dia Internacional para Não Violência contra as Mulheres), a saúde deveria seguir na pauta, agora no debate sobre violência.

É tão importante falar sobre violência contra mulheres nos sistemas de saúde público e privado tanto quanto se fala sobre violência doméstica, tema que costuma dominar as pautas quando entram em cena a cobertura e o debate sobre violência, seja na mídia ou no Congresso. Lei Maria da Penha e seus desdobramentos, Lei do Feminicídio e os desafios para a tipificação correta dos assassinatos cometidos. São as abordagens mais recorrentes e óbvias, e não em vão, uma vez que ainda há um cenário opressor que vitimiza mulheres de todas as classes e raças diariamente, como revelam as histórias relatadas na delegacia, nos tribunais e no sistema de saúde. Parte dos casos também já está acessível em bases de dados dos sistemas públicos — de Saúde, de Justiça — e podem ser noticiados. 
Mas os tipos de violência invisíveis na saúde são muitos, e não menos urgentes. Precisam ser visibilizados considerando os dados de identidade racial coletados nos formulários, inclusive. Como essas violências são abordadas muitas vezes a partir de uma perspectiva feminista antirracista, partindo da negação do controle dos corpos das mulheres pelo estado, é ainda mais desafiador lidar com o assunto no atual momento político do país. Neste ano, em maio, o Ministério da Saúde chegou a publicar documento onde defendida a exclusão do termo  “violência obstétrica” do dia a dia da saúde, assinado pelo relator Ademar Carlos Augusto — que jamais sofreria esse tipo de violência, obviamente. Após o levante de organizações da sociedade civil, de instituições de pesquisa como a Fiocruz e do Ministério Público Federal, que produziu longo inquérito com relatos de denúncias da violência em maternidades e hospitais, o Ministério reconheceu a legitimidade do termo novamente em junho. Como já mostraram estudos, como a Pesquisa Nascer no Brasil/Fiocruz (2014), que entrevistou e analisou prontuário de quase 24 mil mulheres, cerca de 60% das mulheres que vão à óbito por morte materna são negras — e 90% dos casos poderiam ser evitados. Derivados dessa pesquisa, vieram diversos artigos e estudos, como o A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil , onde até mesmo a violação do direito a acompanhante no parto é observado em maior grau às mulheres negras. Essa ausência torna mulheres mais vulneráveis a maus-tratos, como também observado.
Desde o século passado, médicas feministas negras como Jurema Werneck e Fátima Oliveira denunciaram em seus estudos os dados da esterilização forçada de mulheres negras, assunto que levaria nos anos 1990 à campanha “Esterilização de Mulheres Negras: do Controle da Natalidade ao Genocídio do Povo Negro”, articulada por mulheres negras. Trinta anos depois, a esterilização forçada segue possível na legislação brasileira, em artigo da Lei que trata de planejamento familiar e que determina que “é permitida a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros nas ações e pesquisas de planejamento familiar, desde que autorizada, fiscalizada e controlada pelo órgão de direção nacional do Sistema Único de Saúde”. Sendo a população negra também a mais vulnerável quanto à falta de planejamento familiar, casos de procedimentos como esse tendem a vitimar mais as negras que as brancas.
Direitos reprodutivos é tema crítico para a saúde das brasileiras, que encontra seu ponto de maior inflexão no que diz respeito às políticas públicas no debate sobre descriminalização do aborto, mas há ainda uma imensa lista de tópicos urgentes a serem debatidos na perspectiva do enfrentamento à violência contra mulheres. Há dados consistentes, produzidos pelo próprio sistema, para sistematizar esse debate.

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