Elas são jovens, ativistas e querem fazer do hip-hop o gênero musical das mulheres. Marie Claire conversou com as rappers da nova geração, autoras e intérpretes de músicas que refletem a realidade nas periferias das grandes cidades brasileiras. Aqui, Tássia, Clara, Drik e Stefanie relembram suas trajetórias
Foi aos 10 anos, com uma pilha de fitas cassete, que a rapper Stefanie, 36, começou a ouvir suas primeiras rimas. Na época, ficou fascinada pela batida dos nova-ioquinos do Wu-Tang Clan, os agudos de Erykah Badu, os versos dos brasileiros Thaíde e DJ Hum, grupos que seu primo e irmão ouviam. Ainda que inspirada pelas melodias, a menina que nasceu e cresceu em Santo André, no ABC Paulista, jamais poderia imaginar que ganharia a vida com músicas como aquelas, só que escritas por ela própria. “Me apaixonei pela cultura do hip-hop, pelos b-boys e b-girls, mas tinha aquela mente de que precisava me formar na faculdade”, conta. Aos 15 anos, começou a colocar no papel as letras que surgiam em sua cabeça. “Mostrei para as minhas amigas, que tiraram um sarro. Ninguém botava muita fé – nem eu.” Foi um amigo, MC Kamau, que, admirado com as composições, apostou na jovem e a convidou para cantar em um show seu. Ela tinha 20 anos.
No ano seguinte, Stefanie entrou mo grupo do qual o amigo fazia parte, o Simples. Dali, foi um pulo até que os convites para cantar sozinha começassem a chegar. “Eu tinha medo”, confessa. “Acabei em um show só de rappers mulheres, em 2007.” Em 2008, escreveu a letra que viria a se tornar seu hit, “Mulher MC” (Subo no palco, canto alto/ Eu somo o time, não desfalco/ Se me chamam, eu não falto/ Porque eu sou MC! / De todas opções, preferi fazer canções/ Minha escolha foi de ser uma Mulher MC!). “Era um recado principalmente para os homens, que achavam que eu não deveria estar nos palcos. Naquela época, uma menina cantando rap era loucura”, lembra. Para conquistar seu lugar na cena, vestia looks que lembravam o armário dos rappers do começo dos anos 2000. “Usava calça larga e camiseta grande. Até gostava, mas adotei para ser aceita. Tinha vergonha até de me maquiar”, diz. Desde então, Stefanie já fez apresentações em todo o Brasil. Após uma pausa na carreira para ter a segunda filha, Malena, 8 meses, ela agora se prepara para lançar seu primeiro álbum, em 2020. “Quero dar uma resposta aos que ainda me chamam de louca por ser uma mulher negra, com dois filhos, insistindo no rap.”
No ano seguinte, Stefanie entrou mo grupo do qual o amigo fazia parte, o Simples. Dali, foi um pulo até que os convites para cantar sozinha começassem a chegar. “Eu tinha medo”, confessa. “Acabei em um show só de rappers mulheres, em 2007.” Em 2008, escreveu a letra que viria a se tornar seu hit, “Mulher MC” (Subo no palco, canto alto/ Eu somo o time, não desfalco/ Se me chamam, eu não falto/ Porque eu sou MC! / De todas opções, preferi fazer canções/ Minha escolha foi de ser uma Mulher MC!). “Era um recado principalmente para os homens, que achavam que eu não deveria estar nos palcos. Naquela época, uma menina cantando rap era loucura”, lembra. Para conquistar seu lugar na cena, vestia looks que lembravam o armário dos rappers do começo dos anos 2000. “Usava calça larga e camiseta grande. Até gostava, mas adotei para ser aceita. Tinha vergonha até de me maquiar”, diz. Desde então, Stefanie já fez apresentações em todo o Brasil. Após uma pausa na carreira para ter a segunda filha, Malena, 8 meses, ela agora se prepara para lançar seu primeiro álbum, em 2020. “Quero dar uma resposta aos que ainda me chamam de louca por ser uma mulher negra, com dois filhos, insistindo no rap.”
A persistência de Stefanie é um ponto importante na longa jornada para a inserção feminina dentro do gênero, dominado por homens desde sua origem. O hip-hop, movimento em que o rap está inserido, nasceu nos guetos de Nova York na década de 70, nas comunidades afro-americanas, caribenhas e latinas. As mulheres só surgiram na cena dez anos depois com nomes como Roxanne Shante, o trio Salt-N-Pepa e MC Lyte. Foi apenas em meados dos anos 90 que grandes representantes femininas como Queen Latifah, Lauryn Hill e Missy Elliott estouraram na cena global.
"Os homens não aceitavam perder para mim. Minha resposta era na batalha, combatia isso com meu talento e postura""Clara Lima
No Brasil não foi diferente. Cerca de 30 anos atrás, grupos de homens da periferia paulistana se reuniam na Galeria 24 de Maio ou pelas redondezas da estação de metrô São Bento para compor rimas. “No início dos anos 90, todos os jovens de periferia como eu, se identificavam com o rap. Esse reconhecimento, apesar de muitas vezes estereotipado e negativo, foi muito importante na formação de nossa identidade, tanto pela crônica social, quanto pela expressão corporal”, explica a historiadora Liliane Braga, estudiosa do tema.
Foi por causa de uma dessas formas de expressão, o breakdance, um estilo de dança de rua, que Tássia Reis, 30, mandou sua primeira rima nos palcos. “Fui com meu grupo de dança de Jacareí para São Paulo. Sempre brincávamos de freestyle [improviso de rimas criado na hora]. Nesse dia rolou um show do Kamau e ele chamou duas pessoas para o palco. Não tinha autoestima pra isso, mas minhas amigas começaram a gritar meu nome”, lembra. “Subi e rimei sobre dança, foi o que veio na minha cabeça.” Tássia se formou em Design de Moda, mas foi na música que enxergou uma esperança. “Construí minha carreira subindo um degrau depois do outro, nunca peguei elevador. Tenho uma trajetória sólida, não teve boom de views do nada. E ter milhões de visualizações como os homens costumam ter, não significa que eles são melhores”, crava. Em Próspera, álbum lançado em junho deste ano, Tássia expressa sua versatilidade em rap, pop, blues, jazz e samba. “No Brasil, o rap ainda não enxerga as mulheres, chamam de ‘rap feminino’, o que nos leva a ser independentes. Eu não estou nos circuitos, mas sei o público que me escuta”, afirma. No Spotify, tem 2 milhões de streams e 347 mil fãs espalhados por 65 países. Neste ano, agitou o Palco Supernova no Rock in Rio e fez uma turnê na Europa, se apresentando em quatro cidades e dois festivais. “Estava no camarim ao lado da Lizzo [cantora norte-americana que, até o fechamento desta edição, estava há seis semanas no topo do ranking Hot 100 da Billboard]. Pirei”, lembra.
Aumentar a participação de mulheres no rap nacional é a missão de Eliane Dias, empresária dos Racionais MC’s e colunista de Marie Claire. Advogada de formação, ela foi coordenadora do SOS Racismo, atuou na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e começou a trabalhar com os Racionais porque eles “precisavam de alguém que organizasse os 25 anos de carreira”. Quando assumiu a função, em 2012, o plano era ficar por três anos à frente dos negócios, o que segue fazendo até hoje. Para provar sua capacidade em administrar a carreira do grupo (liderado pelo seu marido, Mano Brown), Eliane conta que precisou trabalhar duro. “Entrei no mercado ganhando bem menos e tive que competir de um jeito desigual. Levei muito tempo para entender algumas coisas.” Por isso uma de suas lutas é pela equidade de gêneros no setor. “As mulheres ainda não têm os mesmo números e cachês deles, apesar de estarmos nos festivais, nos negócios”, diz. Desde que assumiu os Racionais MC’s e a produtora Boogie Naipe, Eliane se comprometeu em aumentar a representatividade de mulheres, convidando MCs e rappers para abrir os shows do grupo.
"Construí minha carreira subindo um degrau depois do outro, nunca peguei elevador""Tássia Reis
Drik Barbosa foi uma das escolhas da empresária para o show de abertura da turnê em comemoração aos 30 anos dos Racionais, que começou em julho deste ano. Entre rimas que ora exploram machismo e racismo, ora clamam por amor próprio e ao próximo, a paulistana de 27 anos faz coro sobre a mesma igualdade cobrada por Eliane. “Em ‘Mandume’ [feat de sucesso com Emicida], por exemplo, estava num processo pessoal de me entender como mulher negra e como ajudo outras mulheres que se identificam com meu corre”, conta. A rapper lançou em outubro seu primeiro álbum, Herança, do qual três singles já acumulam 3 milhões de views no YouTube. Drik também integra o grupo musical Rimas & Melodias, formado em 2015 por Alt Niss, Karol de Souza, Mayra Maldjian, Tatiana Bispo, Stefanie e Tássia Reis. Neste mês, a cantora ainda participa do Festival No Ar Coquetel Molotov, em Recife, e do Festival Dosol, em Natal. “Fico feliz de estar nesses palcos, que poderiam receber muitas outras rappers. Infelizmente é normal para os contratantes que só uma ou duas mulheres sejam chamadas. Mas temos nos dedicado a fazer diferente. Além das MCs que já estão na cena, está chegando uma geração mais consciente e empoderada”, diz.
Foi na internet, hábitat natural da geração Z e hoje a maior força propulsora para lançar novos nomes, que a mineira Clara Lima, 20, encontrou seu espaço. Com cerca de 5 milhões de views no YouTube, começou a participar de batalhas de rimas até ganhar, em 2014, um torneio misto e nacional. Ela lembra que eram quase duas horas de ônibus no trajeto entre o bairro Ribeiro de Abreu, Zona Norte de Belo Horizonte, onde nasceu, até o viaduto Santa Tereza, em outro extremo da cidade, para assistir pessoalmente às competições que aconteciam por lá. Tímida, costumava ficar no canto. Foi com o incentivo do seu irmão Chris, também MC, que se arriscou nos primeiros versos. Na maioria das batalhas, as provocações tinham tom pejorativo, fazendo alusão ao fato de ser mulher, a sua raça e orientação sexual. “Os homens não aceitavam perder para mim. Minha resposta era na batalha, combatia isso com meu talento e postura”, conta, lembrando de rimas como “isso é uma batalha de freestyle/ meu irmão/ não ganha o sexo/ mas a improvisação”, que usava nos duelos.
Dali, a cantora chegou à música em 2016, fazendo parte do grupo DV Tribo, do qual também participava Djonga – rapper mineiro mais influente desta nova geração. “Passava a semana toda no estúdio, trabalhando com pessoas que eu só conhecia da internet”, lembra. Em novembro, Clara lança seu primeiro álbum, Selfie, que descreve como “um olhar genuíno sobre mim e me entender como mulher preta, periférica e lésbica”. A rapper participa ainda da primeira edição do Festival CENA 2k19, evento que traz o artista norte-americano Young Thug, onde ela dividirá o line-up de dez atrações com a veterana Negra Li e Stefanie. “Sou sortuda por essas mulheres que cavaram espaço. Tudo que poderia aprender de melhor, aprendi, e quero passar isso adiante. As mulheres são o futuro do rap e este é o momento de tomar o que é nosso”.
Dali, a cantora chegou à música em 2016, fazendo parte do grupo DV Tribo, do qual também participava Djonga – rapper mineiro mais influente desta nova geração. “Passava a semana toda no estúdio, trabalhando com pessoas que eu só conhecia da internet”, lembra. Em novembro, Clara lança seu primeiro álbum, Selfie, que descreve como “um olhar genuíno sobre mim e me entender como mulher preta, periférica e lésbica”. A rapper participa ainda da primeira edição do Festival CENA 2k19, evento que traz o artista norte-americano Young Thug, onde ela dividirá o line-up de dez atrações com a veterana Negra Li e Stefanie. “Sou sortuda por essas mulheres que cavaram espaço. Tudo que poderia aprender de melhor, aprendi, e quero passar isso adiante. As mulheres são o futuro do rap e este é o momento de tomar o que é nosso”.
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