7/11/2019
Ariel Nicolai Dias é presidente do Fonavid (fórum de juízes de violência contra a mulher), que realiza encontro pela primeira vez em São Paulo
A educação para a equidade de gênero não é questão deesquerda ou da direita, mas de direitos humanos, diz o juiz Ariel Nicolai Dias, presidente do Fonavid (Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher)
A violência de gênero é alvo do fórum deste ano, em sua 11ª edição (a primeira em São Paulo). Para o juiz, que trabalha na vara de violência doméstica de Foz do Iguaçu (PR), a educação para a equidade de gênero deve ser adotada nas escolas, universidades e instituições públicas.
A violência de gênero é alvo do fórum deste ano, em sua 11ª edição (a primeira em São Paulo). Para o juiz, que trabalha na vara de violência doméstica de Foz do Iguaçu (PR), a educação para a equidade de gênero deve ser adotada nas escolas, universidades e instituições públicas.
Além de criminalizar e reprimir atos criminosos, afirma, é preciso treinar os agentes que atendem as vítimas de violações —queixas de atendimentos pouco acolhedores ou ações machistas por autoridades são comuns— e articular redes de proteção, bem como dar celeridade à Justiça.
Por que o fórum escolheu esse tema? Logo que saiu a lei Maria da Penha [em 2006], havia muito debate jurídico. Percebemos que tínhamos que abrir nossos horizontes como juízes. O problema da violência doméstica é multidisciplinar, social e cultural. O jurídico apaga fogo.
Como a violência contra a mulher é fruto de uma sociedade patriarcal, a gente tem que reeducar [a sociedade]. Se ficar tratando só como caso de polícia, não vai resolver. E como se muda cultura senão pela educação? Educar para a igualdade, o respeito à mulher, a não violência.
A educação da população para combater a violência é feita de forma efetiva? A gente está engatinhando nisso. A lei Maria da Penha como um todo é muito boa. O problema é efetivar.
O artigo 8° é um dos pontos que não foram bem efetivados. Fala que a igualdade tem que estar nos currículos escolares. Mas na escola ensinamos para os nossos pequenos: “você é menino e não pode fazer isso”, “você é menina e tem que se portar dessa forma”.
Quando se fala em educação é no sentido amplo. Dentro do ensino formal, das universidades e também das instituições públicas. Muitas vezes pode ter uma situação em que um policial ou juiz tem determinada postura com fundo machista, mas nem percebe. Notamos isso durante as sensibilizações realizadas com juízes.
De que forma buscam capacitar os juízes para mudar a situação? Por meio de sensibilização. E falo de todos da rede: juiz, promotor, advogado, defensor público, policial. Muitas vezes a mulher chega na delegacia ou no fórum e é mal atendida e prejulgada. É por falta de capacitação daquela pessoa.
É um trabalho que exige muito esforço. A lei Maria da Penha fala que vítimas têm que receber atendimento humanizado, por profissionais capacitados. Nosso interesse é esse, sensibilizar, educar, levar os tribunais a fazerem cursos.
Pesquisa do Ipea mostrou que há alguns problemas no Judiciário no atendimento a vítimas de violência, como tratamento pouco acolhedor. De que forma o fórum trabalha para resolver as questões? A gente se reúne uma vez por ano para trocar experiências. Dividir informações ajuda muito nessa questão.
Os reclames do atendimento são por falta de capacitação e falta de orçamento. A lei Maria da Penha prevê que juizados tenham equipe de psicólogos, assistentes sociais para fazer atendimentos. Mas essas estruturas são muito escassas. A gente precisa fomentar a estruturação. Onde tem equipe estruturada, o atendimento acaba sendo melhor.
Quais os maiores desafios para juízes que trabalham com violência contra a mulher? Criar e estruturar equipes multidisciplinares nos tribunais, com psicólogos e assistentes. Outra questão é estabelecer estratégias para dar conta da demanda, porque o número é muito grande de processos dessa matéria.
Segundo o CNJ, desde 2016 há um aumento no número de casos de feminicídio que chegam ao Judiciário. Em 2018, havia mais de um milhão de processos aguardando julgamento. Falta celeridade? Com certeza. A gente precisa estabelecer rotinas processuais, estratégias de atendimento desse volume grande. Muitas vezes demora não porque o juiz quer, mas porque tem muito processo, porque tem uma série de situações que interferem no trâmite processual. Há garantias que têm que ser resguardadas.
A visibilidade recente de casos de violência contra a mulher impactou o Judiciário? Muito. O Judiciário teve que se estruturar. O CNJ baixou resolução instituindo a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Antes da lei Maria da Penha, crimes menores iam para juizados especiais e eram resolvidos com transação penal. Com a lei do feminicídio [2015], o Judiciário também teve que se estruturar. As leis trazem novas demandas, desafios ao Judiciário. Hoje, há juizados e equipes que antes não existiam. Ainda falta muito, mas avançou bastante.
O Judiciário não está totalmente preparado para lidar com esses casos? Não, ainda falta muito. Algumas unidades pontuais, as capitais geralmente, têm uma estrutura melhor.
Acho que a gente está desenvolvendo muito equipamento. Melhorou, mas falta muito. Daí que a gente acha que agora é momento de começar a investir também na educação.
Quando se fala em educação, que está na lei Maria da Penha, hoje tenta-se desconstruir esse discurso, falando que tem caráter ideológico, de esquerda, de direita. Mas, na verdade, isso não é assunto de esquerda ou de direita, porque se fosse, eu, como juiz, não poderia estar falando dele.
A gente tem proibição funcional de tratar de questões partidárias e políticas dessa natureza. Na verdade é uma questão de direitos humanos.
Qual a forma mais efetiva de enfrentar e combater a violência contra a mulher? A educação é importantíssima. E articulação da rede de proteção como um todo. Isso também é desafio e tem faltado, tem vários equipamentos que funcionam muito bem mas não conversam entre si. Não adianta polícia fazer um supertrabalho se a assistência social ou o poder Judiciário não fazem a sua parte. Até para evitar a sobreposição de funções.
Hoje, segundo o CNJ, há 131 varas e juizados exclusivos de violência contra a mulher. É suficiente? Precisa de mais, não há dúvida. Mas em município de 10 mil habitantes, por exemplo, não se justifica ter um juizado só de violência doméstica.
O desafio maior do que criar juizados é estruturar bem as comarcas onde juízes que trabalham com violência doméstica também lidam com direito da família, tráfico e roubo. A violência da mulher está em todos os lugares, não acontece só nos grandes centros. Ela é cruelmente democrática.
Por Júlia Zaremba
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