Consultor Jurídico, 24 de novembro de 2019
Por Fernando Martines
O Brasil não tem um aparato legal nem um discurso institucional que incentive a divisão justa dos afazeres domésticos e da criação dos filhos. Segundo a advogada e pesquisadora Mônica Sapucaia Machado, está é a maior barreira para as mulheres atingirem equidade salarial com os homens.
Sapucaia lançou recentemente o livro Direito das Mulheres: Ensino Superior, Trabalho e Autonomia, no qual analisa os motivos históricos e contemporâneos da desigualdade. Ela identificou barrerias jurídicas que impedem o crescimento das mulheres, seja por leis que ativamente atrapalham ou mesmo por omissão na legislação.
A advogada ressalta que a questão da educação para as mulheres já não é mais o ponto principal. Os números mostram que as mulheres têm, em média, uma escolaridade muito superior aos homens. Mesmo assim, a diferença de salário e de presença em cargos de chefia ainda é enorme.
A advogada ressalta que a questão da educação para as mulheres já não é mais o ponto principal. Os números mostram que as mulheres têm, em média, uma escolaridade muito superior aos homens. Mesmo assim, a diferença de salário e de presença em cargos de chefia ainda é enorme.
O ponto crucial, explica a pesquisadora, é a omissão do Estado, ao permitir que as mulheres carreguem sozinhas as responsabilidades da criação dos filhos.
A professora acredita ser fundamental uma política pública que fomente a coparentalidade. Com isso, refere-se a uma lei que estabeleça licença-paternidade igual à da mãe e que imponha sanções ao pai que não dividir de forma igual a tarefa de cuidar os filhos.
Leia abaixo a entrevista:
ConJur — Seu livro mostra que a diferença salarial entre mulheres e homens não se baseia na educação, já que as mulheres já têm níveis mais altos de escolaridade que os homens.
Monica Sapucaia — Quando eu fui estudar essa questão da educação, principalmente da educação superior, eu parti da premissa de que a diferença iria desaparecer a partir do momento que as mulheres foram autorizadas legalmente e socialmente a frequentar os espaços universitários para adquirir um saber que iria produzir dinheiro. Mas os dados com os quais começo a pesquisa já mostravam que não. Na verdade as mulheres já estão dentro da universidade em maior quantidade que os homens desde 1990. No Brasil desde 91; e no mundo, desde 89.
Mas a diferença salarial continuou existindo. As mulheres são muito mais qualificadas hoje em dia que os homens. E aí a disparidade salarial vai aumentando. E quanto mais qualificada uma mulher é, maior a disparidade salarial entre ela e o parceiro equivalente. E a grande questão do livro é o seguinte: o direito à educação superior teve, sim, um papel importantíssimo para as mulheres terem mais autonomia econômica. Mas ele não resolveu o problema.
ConJur — Qual a situação das mulheres no ensino superior hoje?
Monica Sapucaia — No momento que a lei autorizou o acesso às mulheres na universidade, elas começaram a acessar. Elas são maioria hoje em dia nas universidades; na Medicina, no Direito. Elas só não são maioria na Engenharia, entre as que a gente chama de profissões imperiais. Quando você abre o mapa de como as pessoas estão profissionalmente, você vê que as mulheres no Direito ficaram no chamado chão de fábrica. Elas continuam lá até hoje.
ConJur — Quais barreiras jurídicas você identificou para dificultar a ascensão das mulheres no campo profissional?
Monica Sapucaia — A necessidade de autorização do marido para a mulher casada estudar ou trabalhar. Isso constava no Estatuto da Mulher Casada. E essas barreiras que muitas vezes não estavam acopladas na educação ou legislação, mas em outros dispositivos. E então você vai percebendo que essas limitações, fossem elas jurídicas, de política pública ou de questões sociais, foram atrasando a entrada das mulheres.
ConJur — Essas são barreiras jurídicas criadas de forma ativa para impedir a mulher de prosperar no mercado profissional. Mas quais são as barreiras jurídicas que se formam por omissão da legislação?
Monica Sapucaia — Quando a legislação não dá para as mulheres domésticas os mesmos direitos de um trabalhador industrial, ela protege a classe média para que nada mude. Isso quer dizer que o homem não assume parte dos afazeres domésticos e do compromisso com os filhos. Essa é uma estrutura que a classe média brasileira manteve até hoje: a solução para a divisão do trabalho doméstico é a contratação do trabalho doméstico, do subcontrato. E a lei nada fala.
Tem uma outra questão muito importante que até hoje a gente vive: a OIT tem a Resolução 156, que fala sobre a coparentalidade, a responsabilidade de divisão de tarefas. O Brasil – até o governo Bolsonaro – sempre foi muito assíduo na assinatura das convenções. Mas essa a gente não conseguiu assinar até hoje. A lei brasileira não quis comprar o debate sobre a divisão da coparentalidade e dos afazeres domésticos e do cuidado com os filhos.
ConJur — A coparentalidade de forma plena é o grande passo para a equidade das mulheres no mercado de trabalho. Como o Estado pode impor isso?
Monica Sapucaia — Além de licença maternidade, é preciso existir a licença parentalidade; homens e mulheres precisam poder sair do trabalho para cuidar do filho doente, não só a mulher; não pode haver políticas em que só a mulher tem direito a seis meses de licença e os homens não. Para os homens, na verdade, é um ótimo negócio: elas param de trabalhar, param de produzir, param de crescer. Então, a grande conclusão desse livro, pelo menos na questão jurídica, é a de que nós não temos um estatuto legal e nem um discurso institucional que incentive a divisão justa dos afazeres domésticos e da criação dos filhos. Com isso, mesmo toda a educação que as mulheres tiveram não possibilita autonomia de fato.
ConJur — Os estudos mostram que para as mulheres sem filhos a equidade salarial já é quase total. Mas isto cai drasticamente quando são mulheres com filhos.
Monica Sapucaia — Esse é um estudo que não é nosso, é americano, do final da década de 90 e fala exatamente isso. Quando um casal que vive junto, no mesmo teto, a divisão é bem equânime, tanto do trabalho doméstico quanto da carreira. Seja entre quem trabalha integral ou meio período. Quando tem um filho, a diferença de remuneração começa e nunca mais volta a ser o que era.
Monica Sapucaia — Quando eu fui estudar essa questão da educação, principalmente da educação superior, eu parti da premissa de que a diferença iria desaparecer a partir do momento que as mulheres foram autorizadas legalmente e socialmente a frequentar os espaços universitários para adquirir um saber que iria produzir dinheiro. Mas os dados com os quais começo a pesquisa já mostravam que não. Na verdade as mulheres já estão dentro da universidade em maior quantidade que os homens desde 1990. No Brasil desde 91; e no mundo, desde 89.
Mas a diferença salarial continuou existindo. As mulheres são muito mais qualificadas hoje em dia que os homens. E aí a disparidade salarial vai aumentando. E quanto mais qualificada uma mulher é, maior a disparidade salarial entre ela e o parceiro equivalente. E a grande questão do livro é o seguinte: o direito à educação superior teve, sim, um papel importantíssimo para as mulheres terem mais autonomia econômica. Mas ele não resolveu o problema.
ConJur — Qual a situação das mulheres no ensino superior hoje?
Monica Sapucaia — No momento que a lei autorizou o acesso às mulheres na universidade, elas começaram a acessar. Elas são maioria hoje em dia nas universidades; na Medicina, no Direito. Elas só não são maioria na Engenharia, entre as que a gente chama de profissões imperiais. Quando você abre o mapa de como as pessoas estão profissionalmente, você vê que as mulheres no Direito ficaram no chamado chão de fábrica. Elas continuam lá até hoje.
ConJur — Quais barreiras jurídicas você identificou para dificultar a ascensão das mulheres no campo profissional?
Monica Sapucaia — A necessidade de autorização do marido para a mulher casada estudar ou trabalhar. Isso constava no Estatuto da Mulher Casada. E essas barreiras que muitas vezes não estavam acopladas na educação ou legislação, mas em outros dispositivos. E então você vai percebendo que essas limitações, fossem elas jurídicas, de política pública ou de questões sociais, foram atrasando a entrada das mulheres.
ConJur — Essas são barreiras jurídicas criadas de forma ativa para impedir a mulher de prosperar no mercado profissional. Mas quais são as barreiras jurídicas que se formam por omissão da legislação?
Monica Sapucaia — Quando a legislação não dá para as mulheres domésticas os mesmos direitos de um trabalhador industrial, ela protege a classe média para que nada mude. Isso quer dizer que o homem não assume parte dos afazeres domésticos e do compromisso com os filhos. Essa é uma estrutura que a classe média brasileira manteve até hoje: a solução para a divisão do trabalho doméstico é a contratação do trabalho doméstico, do subcontrato. E a lei nada fala.
Tem uma outra questão muito importante que até hoje a gente vive: a OIT tem a Resolução 156, que fala sobre a coparentalidade, a responsabilidade de divisão de tarefas. O Brasil – até o governo Bolsonaro – sempre foi muito assíduo na assinatura das convenções. Mas essa a gente não conseguiu assinar até hoje. A lei brasileira não quis comprar o debate sobre a divisão da coparentalidade e dos afazeres domésticos e do cuidado com os filhos.
ConJur — A coparentalidade de forma plena é o grande passo para a equidade das mulheres no mercado de trabalho. Como o Estado pode impor isso?
Monica Sapucaia — Além de licença maternidade, é preciso existir a licença parentalidade; homens e mulheres precisam poder sair do trabalho para cuidar do filho doente, não só a mulher; não pode haver políticas em que só a mulher tem direito a seis meses de licença e os homens não. Para os homens, na verdade, é um ótimo negócio: elas param de trabalhar, param de produzir, param de crescer. Então, a grande conclusão desse livro, pelo menos na questão jurídica, é a de que nós não temos um estatuto legal e nem um discurso institucional que incentive a divisão justa dos afazeres domésticos e da criação dos filhos. Com isso, mesmo toda a educação que as mulheres tiveram não possibilita autonomia de fato.
ConJur — Os estudos mostram que para as mulheres sem filhos a equidade salarial já é quase total. Mas isto cai drasticamente quando são mulheres com filhos.
Monica Sapucaia — Esse é um estudo que não é nosso, é americano, do final da década de 90 e fala exatamente isso. Quando um casal que vive junto, no mesmo teto, a divisão é bem equânime, tanto do trabalho doméstico quanto da carreira. Seja entre quem trabalha integral ou meio período. Quando tem um filho, a diferença de remuneração começa e nunca mais volta a ser o que era.
Fernando Martines é repórter da revista Consultor Jurídico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário