29/11/2019
Instituto Patrícia Galvão lança relatório “Imprensa e Direitos das Mulheres: papel social e desafios da cobertura sobre feminicídio e violência sexual”
No decorrer do primeiro ano de promulgação da Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015), o Instituto Patrícia Galvão – Mídia e Direitos lançou-se ao desafio de analisar a cobertura da imprensa escrita sobre os assassinatos de mulheres no Brasil. Desafio porque o tema urgente, no país que ocupa o quinto lugar em um ranking de 83 nações que mais matam mulheres, gera uma enorme profusão de notícias e um trabalho desse porte exigia incontáveis horas – desde a concepção do projeto, passando por sua formatação e pela definição da metodologia a ser adotada, até a coleta dos dados e análise das reportagens.
A violência sexual foi também tomada como objeto deste estudo, dado que se trata de uma das maiores violações à dignidade e aos direitos humanos das mulheres e está fortemente vinculada ao feminicídio, sendo uma das características deste último crime em muitos casos. Monitorar separadamente como são tratados os crimes sexuais na imprensa visava também identificar as principais características desta cobertura e como ela informa sobre as diversas manifestações dessa violência, que vão da importunação sexual até o assédio sexual e o estupro.
No decorrer do primeiro ano de promulgação da Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015), o Instituto Patrícia Galvão – Mídia e Direitos lançou-se ao desafio de analisar a cobertura da imprensa escrita sobre os assassinatos de mulheres no Brasil. Desafio porque o tema urgente, no país que ocupa o quinto lugar em um ranking de 83 nações que mais matam mulheres, gera uma enorme profusão de notícias e um trabalho desse porte exigia incontáveis horas – desde a concepção do projeto, passando por sua formatação e pela definição da metodologia a ser adotada, até a coleta dos dados e análise das reportagens.
A violência sexual foi também tomada como objeto deste estudo, dado que se trata de uma das maiores violações à dignidade e aos direitos humanos das mulheres e está fortemente vinculada ao feminicídio, sendo uma das características deste último crime em muitos casos. Monitorar separadamente como são tratados os crimes sexuais na imprensa visava também identificar as principais características desta cobertura e como ela informa sobre as diversas manifestações dessa violência, que vão da importunação sexual até o assédio sexual e o estupro.
Veículos noticiosos pesquisados (por âmbito/região)
Ao longo de seis meses (01/10/2015 a 31/03/2016), foram monitorados mais de uma centena de portais e sites noticiosos, sendo que, ao final, foram selecionados 71 veículos representativos das cinco regiões do país. A amostra foi composta por 1.583 matérias sobre homicídios de mulheres e 478 sobre crimes de estupro. Da análise da amostra de matérias coletadas no monitoramento realizado entre 2015 e 2016 é possível afirmar que, em relação à cobertura dos assassinatos de mulheres, prevaleceram matérias sobre a morte em si, sem informações sobre quem era aquela mulher, se já havia buscado ajuda, recorrido ao Estado para se defender de violências anteriores ou se tinha medida protetiva, entre outras questões que podem apontar falhas nas políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres.
Motivação para o homicídio informada na matéria
A abordagem romantizada e a desresponsabilização do autor pelo crime foram a tônica da cobertura desses homicídios nos veículos analisados. A maioria absoluta dos textos não aborda as reais motivações para o crime; nos que tentam apresentar um motivo, a maioria aponta como causas do assassinato: ‘ciúmes’, ‘violenta emoção’, ‘defesa da honra’, ‘inconformidade com a separação’, autor ‘fora de si’, ‘transtornado’ ou ‘sob efeito de álcool. É importante discutir esse padrão que tem sido frequentemente adotado pela imprensa, porque transfere a culpa para a vítima, por seu comportamento e/ou atitudes.
Em 15% das matérias analisadas que continham imagens de vítimas houve exibição de corpos – em sua maioria de mulheres negras – sem qualquer tratamento. Quando isso ocorre é importante ressaltar que, além do vilipêndio pela crueldade da morte, há a revitimização pela exposição midiática. Em relação às mulheres trans e travestis, a cobertura tende a ser ainda mais desrespeitosa. Além de serem comuns a exposição do nome de registro (e não do nome social) e imagens de corpos dilacerados ou jogados no chão, é frequente a associação à suspeita de prática criminosa (roubo, furto ou ameaça), não se abordando a discriminação social de gênero, a transfobia ou a possibilidade de um crime de ódio.
Nas matérias analisadas sobre a cobertura da violência sexual, constatou-se que também persistem abordagens que reforçam a cultura de violência contra vítimas, atribuindo a elas a culpa pela violência que sofreram, pois teriam, segundo essa avaliação, ‘provocado’ o estupro, uma distorção sempre associada à sensualidade ou ao exercício da sexualidade, uso de álcool ou drogas ou algum outro comportamento considerado ‘inadequado’ a uma mulher.
Muito além de apontar erros da prática jornalística, um dos principais objetivos que fundaram este projeto de monitoramento e análise da cobertura, e também esta publicação, é contribuir para a qualificação dos debates sobre a conceituação, contextualização e características desses crimes, para informar a sociedade e prevenir violências e mortes evitáveis. A partir da compreensão da lógica operacional da mídia, este estudo aponta os limites a superar e os desafios a enfrentar para a produção de conteúdos editoriais de qualidade sobre a violência de gênero.
Como abordado no , desenvolvido pelo Instituto Patrícia Galvão para oferecer suporte aos profissionais de comunicação e pesquisadores sobre o tema, a mídia tem “um papel estratégico na formação da opinião e na pressão por políticas públicas e pode contribuir para ampliar, contextualizar e aprofundar o debate” sobre as violações aos direitos das mulheres. Assim, esta publicação visa também dialogar com profissionais de imprensa e comunicadores em geral sobre cuidados importantes para que não incorram na revitimização de mulheres ou familiares das vítimas de violência de gênero e até mesmo em desvios em relação aos códigos de ética da categoria e dos meios – cuidados que são importantes também para preservação do próprio jornalista.
Sobre o projeto
O monitoramento e análise das matérias veiculadas, bem como a publicação desse relatório, foram realizados no âmbito do projeto “Monitoramento e Análise da Cobertura Jornalística sobre Feminicídio e Violência Sexual contra Mulheres”, desenvolvido pelo Instituto Patrícia Galvão a partir da expertise acumulada pela organização em quase duas décadas de atuação visando à qualificação do debate público sobre questões críticas para as mulheres brasileiras, aliada à interlocução permanente com especialistas, pesquisadoras, ativistas dos movimentos de mulheres e profissionais de comunicação.
Desenvolvido com apoio da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, esta publicação mantém sua atualidade, passados três anos da conclusão do monitoramento, pois, se é preciso reconhecer que tem havido avanços na cobertura jornalística, ainda tem fundamental importância o debate sobre como a mídia pode contribuir para garantir às mulheres brasileiras o direito a uma vida sem violência.
Clique para acessar na íntegra a publicação
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