No aninhamento, os filhos permanecem na casa da família e os pais que se alternam na moradia
por Beatriz Loturco
12 de novembro de 2019
Guarda de filhos: Tita e o ex-marido decidiram pelo modelo de aninhamento para os filhos após a separação (Foto arquivo pessoal)
Após muitos anos de casamento, Maria Luiza Mancini Da Riva e o marido decidiram se separar. Com quatro filhos entre quatro e 16 anos, o maior desafio foi encontrar um modelo de moradia que funcionasse principalmente para as crianças. Após muita pesquisa, eles conheceram um formato de guarda um tanto inusitado: em vez de cada um dos pais ter uma casa e os filhos ficarem se revezando entre elas, as crianças permanecem na casa da família e quem se reveza na residência são os pais.
Chamado de aninhamento ou nidação, esse modelo tem a premissa de que os filhos permanecerão no ninho. As crianças mantêm, assim, uma residência fixa e as rotinas. E os genitores, por períodos alternados e pré-estabelecidos, revezam-se na moradia. Quando um entra, o outro sai.
Um modelo que pode ser interessante, considerando que nem em todas as famílias as responsabilidades são divididas de forma igualitária. Há uma grande desigualdade de gênero nas concessões de guardas de filhos no Brasil. Desde 2014, a lei impõe que a regra da guarda seja compartilhada, com exceção de quando um dos pais não quer. Mas mesmo com a regra, na maioria dos casos de divórcio a guarda ainda fica só com a mãe. Em 2017, em 69% dos divórcios a guarda ficou com a mulher, em 21% ela foi compartilhada e apenas 4,8% ela ficou com o pai, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
“Quando me separei me vi com a grande preocupação de não tornar a vida das crianças um inferno com essas idas e vindas pra casa de mãe e pai. Eles tinham uma vida regrada, com conforto no lar deles”, conta Maria Luiza, mais conhecida como Tita.
Foi assim que ela e o ex-marido, Luís Fernando, decidiram que esse seria o melhor modelo para a família após a separação, e mantiveram os filhos na casa onde moravam quando casados. “O nosso apartamento é do lado da escola das crianças. Elas estão super confortáveis com a rotina, têm os quartinhos delas, não ficam o tempo todo de um lado para o outro”, diz Tita.
Mas como esse esquema funciona na prática? Na casa da família Riva, às segundas e terças, quem fica na casa é o pai. Quarta e quinta são dias da mãe. E na sexta e finais de semanas eles se alternam: a cada 15 dias um deles fica com as crianças. Tem sido assim há um ano e meio. Eventualmente, Tita e o ex-marido flexibilizam as alternâncias dos dias para que possam acomodar viagens a trabalho. Tanto Tita quanto Luís são empresários.
O principal objetivo do aninhamento é minimizar ao máximo o sofrimento da criança no pós-separação. Por isso a ideia de mantê-la em seu ambiente, onde ela já está familiarizada. “No aninhamento ou nidação os pais dividem a totalidade das responsabilidades por um período maior – uma semana ou mesmo um mês morando com os filhos”, explica a advogada Cristiana Gomes Ferreira.
O custo de manter tantas casas
Uma das questões desse tipo de modelo são os custos de se manter três casas: uma para as crianças e uma para cada genitor. O alto custo disso pode ser um impeditivo para muitas famílias adotarem o modelo. No caso da família de Tita, os pais fizeram as contas e chegaram a conclusão que sairia mais caro manter duas casas que acomodassem quatro crianças com tudo que elas precisam.
“Concluímos que seria uma loucura ter duas estruturas em São Paulo para acomodar quatro filhos. Seria muito difícil manter nossa qualidade de vida com esse custo tão alto, então esse foi um elemento que apoiou nossa decisão pelo aninhamento”, afirma Tita, que quando não está com os filhos, fica na casa da mãe. As despesas da casa das crianças são compartilhadas pelos pais na proporção dos ganhos de cada um.
A logística também entrou na conta, já que o apartamento da família é perto da escola das crianças. “Tem logística de escola, de atividades extras. Acho que as turbulências em relação aos filhos são muito menores”, conta. Assim como a praticidade de concentrar tudo na mesma casa. “O fato de ter quatro filhos influenciou na busca por alternativas. Ficava imaginando que seriam quatro crianças falando: ai, mamãe, esqueci isso na casa do papai.”
Prós e contras
Como tudo na vida, há prós e contras no modelo de aninhamento. A manutenção da rotina dos filhos é um dos pontos positivos, uma vez que eles não precisam se mudar de uma casa para outra de tempos em tempos. Do lado emocional, o aninhamento costuma ser bem visto por colocar a criança no centro do núcleo familiar e priorizar o seu bem estar.
Não há uma regra do que é melhor para a criança ou para a família em casos de separação. Cada caso é um caso. “O ninho nos remete a conforto, familiaridade, segurança, características que supostamente são encontradas em um lar estável. A ausência de um dos genitores significa, portanto, um ninho vazio, incompleto. Ou seja, existindo um divórcio, a criança sentirá o seu impacto de qualquer forma”, pontua a psicóloga Ana Carolina Belmonte.
“Para decidir o modelo de vida que será adotado se deve levar em conta em qual deles a criança estará melhor assistida. E isso depende das circunstâncias e possibilidades de cada genitor”, completa.
No aninhamento, a boa relação entre os pais é imprescindível ao seu funcionamento. “O modelo de aninhamento exige uma certa inteligência emocional por parte dos pais. Eu tenho uma relação boa com meu ex-marido e ela não é litigiosa”, diz Tita. Ela conta que nem sempre é fácil conviver com tanta frequência com o ex-companheiro e que nesses momentos se apega a ideia de que a escolha foi feita em prol dos filhos.
“O que nos fez optar pelo aninhamento é que queríamos sinalizar para as crianças que, apesar do pai e da mãe não estarem mais juntos, a gente prioriza acima de tudo o sentimento de família”, conta Tita.
A psicóloga Ana Carolina explica que, a partir do momento que acontece o rompimento do relacionamento dos pais, há uma separação na família. Aquela primeira configuração da família não existe mais, então uma outra precisa ser construída. Segundo ela, há uma espécie de luto a ser elaborado, o chamado luto da separação, já que haverá a perda da rotina e dos papéis construídos dentro deste contexto familiar e um novo equilíbrio precisa ser construído.
Segundo a psicóloga, uma das desvantagens deste modelo é o risco de esse luto não ser vivido de forma plena. “Tentar manter as coisas como antes, embora num primeiro momento pareça poupar a criança de uma dor maior, pode provocar uma confusão, com o risco das transformações advindas do divórcio não ficarem devidamente esclarecidas”, explica. Ela diz que o melhor caminho é conversar com os filhos e deixar clara as mudanças.
Outra dificuldade é os pais seguirem para outros relacionamentos. Isso porque a configuração do ninho para os filhos pode afetar a forma como seus futuros parceiros precisariam viver. Tita conta que ouve esse questionamento com frequência: “quando vocês começarem a namorar como é que vão fazer?” Tita diz que não pretende se casar de novo, mas que independentemente da condição dos novos relacionamentos, outras configurações podem ser pensadas, como um casamento em que cada um tem sua casa, por exemplo.
Como tudo começou
Ainda há pouca literatura sobre aninhamento, mas uma reportagem do jornal inglês The Telegraph conta que o modelo surgiu nos Estados Unidos nos anos 2000, quando um tribunal da Virgínia decidiu em um caso de guarda que a melhor solução para duas crianças seria permanecer na casa da família. A mãe morava com eles durante a semana, enquanto o pai morava aos fins de semana.
Desde então, o aninhamento (chamado de bird’s nest parenting, em inglês) cresceu em popularidade nos EUA. Tanto que apareceu até em seriado de TV. Em Transparent, um juiz impõe o modelo a um casal divorciado, enquanto em The Affair o casal separado opta pelo modelo.
Nos últimos anos também tem crescido na Europa, mais especificamente no Reino Unido, onde um número crescente de tribunais têm recomendado o modelo aos pais. Normalmente, os tribunais não forçam um casal divorciado adotar o modelo. Há uma exceção, porém, no Canadá, em que o juiz disse aos pais para parar de tratar seus filhos como ‘frisbees’ e impôs a guarda de aninhamento sem que uma das partes solicitasse.
No Brasil, um a cada três casamentos termina em divórcio, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 2016, 344 mil casais se separaram. Dentre eles, 48% são de casais com filhos menores de idade.
A guarda de uma criança e suas regras estão previstas na Constituição, Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente. O Código Civil prevê apenas duas modalidades de guarda: a unilateral, quando é atribuída a apenas um dos genitores ou alguém que o substitua; e a guarda compartilhada, em que as responsabilidades são repartidas por ambos os genitores.
Existe uma terceira modalidade, que não está no Código Civil, mas é legalmente aceita, que é a guarda alternada, um misto entre a compartilhada e a unilateral. Nela, um dos pais fica com a guarda exclusiva por um período e outro pelo período seguinte.
Apesar do modelo de aninhamento não ser previsto na lei, não existe vedação legal a essa modalidade, desde que haja consenso entre os pais. “O modelo de moradia da criança não é objeto de lei, não tem necessariamente uma vinculação com a guarda”, explica o advogado Enrico Amaral.
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