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quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Certificações que garantem igualdade salarial para mulheres? Sim, elas existem

Inspirados em normas como o ISO 9000, selos começaram a ser adotados por empresas multinacionais que atuam no País
IANDER PORCELLA, ESPECIAL PARA O ESTADO | carreira
20/8/2019
Elas ainda representam uma minoria no mercado de trabalho brasileiro — e são todas multinacionais que mantêm políticas globais de igualdade de gênero. Mas essas empresas marcam a chegada ao País de uma tendência no exterior: a busca por certificações que atestem o compromisso corporativo com a equidade.

Para obter os selos, as companhias devem garantir as mesmas condições de salário e oportunidades para homens e mulheres, e ter funcionárias em cargos executivos, entre outros itens. É um movimento importante quando se leva em consideração que o Brasil vem sofrendo quedas sucessivas no ranking de igualdade do Fórum Econômico Mundial e ocupa a 95ª posição, entre 149 países.
A Philip Morris Brasil foi a primeira no País a ser certificada pela fundação suíça Equal-Salary e outras cinco empresas conseguiram o selo da Edge Certified Foundation: SAP, Zurich, L’Oréal, Capgemini e Firmenich. As duas organizações sem fins lucrativos são as principais responsáveis por essas avaliações salariais no mercado mundial. 
Criada em 2010, a Equal Salary analisa remunerações de homens e mulheres utilizando com base no ISAE 3000, conjunto de normas para analisar atuação ética, performance e gestão de qualidade nas empresas. Em fevereiro, a fabricante de cigarros Philip Morris recebeu a certificação, após passar por um processo que incluiu análise de política salarial e de práticas para contratação e promoção. “É uma forma de comprovar que a companhia tem, efetivamente, políticas internas para combater a desigualdade salarial”, diz a diretora de Pessoas e Cultura da Philip Morris Brasil, Karen Ramirez. 

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“Uma mulher na liderança mostra para outras mulheres que elas são capazes de crescer”, diz Karen Ramirez, diretora de Pessoas e Cultura da Philip Morris Brasil

Para obter uma dessas certificações, as empresas passam por avaliações quantitativas e qualitativas divididas em quatro etapas. Esse processo é realizado por auditores independentes, parceiros das organizações certificadoras. 
No caso da Equal-Salary, a avaliação é feita pela PricewaterhouseCoopers (PwC), especializada em serviços de auditoria e consultoria de negócios. O primeiro passo do processo é uma análise estatística dos salários, que leva em conta formação profissional, função, tempo de serviço e desempenho. “A análise compara posições iguais e atividades iguais”, afirma a gerente de Consultoria da PwC Brasil, Silvia Martins. “Não vou comparar, por exemplo, um homem e uma mulher com posição de gerente administrativo dentro da mesma área se os dois tiverem tempos de experiência distintos e executarem funções distintas.”
Para avançar no processo, a empresa não pode apresentar diferença maior que 5% no salário de homens e mulheres. É quando começa a fase de visita da PwC à companhia. “Há um workshop com a alta liderança, para entender como funcionam as questões de viés inconsciente, do compromisso da liderança com a igualdade salarial”, conta Silvia. “Também analisamos as políticas e os processos de RH e vemos qual é a percepção dos funcionários sobre as práticas de remuneração.” 
O selo é válido por três anos, com duas avaliações de monitoramento. Há, ainda, acompanhamento para garantir que a companhia não se desviou do compromisso com a igualdade salarial. Na opinião de Karen, da Philip Morris Brasil, que tem 42% de mulheres em cargos de gerência, não se trata do número pelo número. “Uma mulher na liderança mostra para outras mulheres que elas são capazes de crescer. Que elas podem ser executivas, gerentes e ter a vida pessoal delas.” 

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“A análise compara posições iguais e atividades iguais”, afirma Silvia Martins, gerente de Consultoria da PwC Brasil

A certificação Edge tem uma metodologia similar, também dividida em quatro etapas. No entanto, diferentemente da Equal-Salary, há um sistema de níveis. No Brasil, o Grupo Zurich e a SAP chegaram ao nível dois da certificação, chamado Move. Já as empresas L’Oréal, Capgemini e Firmenich são certificadas no primeiro nível, o Assess. 
O método foi apresentado em 2011, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, e inclui a análise de políticas de diversidade de gênero, além da avaliação sobre igualdade salarial. 
Pesquisas mostram que a diversidade é um valor fundamental para o crescimento das empresas. Times mais diversos têm maior probabilidade de desempenhar melhores resultados”, afirma Ana Abdalah, responsável pelo programa L’Oréal Plural. A filial brasileira da companhia conseguiu o selo Edge em 2014, no nível Assess. “Ter esse ambiente de trabalho fortalece trocas de ideias, impulsionando mais criatividade e mais inovação para o nosso negócio.”

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Para Ana Abdalah, responsável pelo programa L’Oréal Plural, “times mais diversos têm maior probabilidade de desempenhar melhores resultados.”

Empresa do setor de tecnologia, a SAP atingiu no ano passado o nível Move, em que é preciso promover mudanças mais estruturais. Uma das exigências para atingir esse patamar é justamente a presença de mulheres em cargos executivos.
Segundo o diretor de RH da SAP Brasil, Marcelo Carvalho, a companhia tem revisto processos de recrutamento para garantir que homens e mulheres tenham as mesmas oportunidades, na admissão e no desenvolvimento da carreira.  “Uma das mudanças implementadas recentemente é ter em toda seleção, principalmente para cargos de liderança, uma mulher entrevistando”, exemplifica Marcelo. “Assim, você se certifica que existe uma visão dos dois gêneros no processo seletivo.” 
No Brasil, tanto a SAP quanto a L’Oreal são comandadas por mulheres – Cristina Palmaka e An Verhulst-Santos, respectivamente.   
A Zurich Brasil, que atingiu o nível Move em 2018, conta atualmente com 35% de mulheres em funções de liderança. “Procuramos criar as condições para que as mulheres possam exercer esses cargos, independentemente da jornada dupla”, diz  Edson Franco, CEO da empresa no País. Sem essas políticas, segundo ele, a tendência é ter uma participação feminina menor nas funções de chefia. 
Outra medida que tenta diminuir as barreiras até a liderança é a política de horários flexíveis, adotada pelo Grupo Zurich Brasil e pela Philip Morris Brasil. “Se você precisar se ausentar da companhia, tem a oportunidade de conversar com o seu gestor. Normalmente, tanto homens quanto mulheres usufruem, mas a mulher acaba precisando mais por causa da condição dela fora da companhia também”, explica Karen, da Philip Morris.

Igualdade de gênero como tendência

Por enquanto, as empresas certificadas no Brasil são multinacionais. Mas a gerente de consultoria da PwC Brasil, Silvia Martins, acredita que a tendência será seguida por companhias brasileiras. “Quando vamos conversar com organizações globais, a gente vê que elas já estão mais preocupadas com isso, até pelas tendências de legislação”, afirma. “Na Europa, muitos países têm sanções para organizações que não cumprem a legislação.”
No Brasil, um projeto de lei que endurece a cobrança de multa para empregadores que praticam discriminação salarial entre homens e mulheres foi aprovado pelo plenário do Senado em 13 de março. O texto espera agora a apreciação da Câmara dos Deputados.

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Marcelo Carvalho, diretor de RH da SAP Brasil, acredita que “a diversidade sempre traz bons resultados e é um bom negócio para o posicionamento do produto.”

O diretor de RH da SAP também acredita que as empresas vão, cada vez mais, se preocupar com igualdade e diversidade.  “Não só é o certo a ser feito, mas a diversidade sempre traz bons resultados, é um bom negócio para o posicionamento do seu produto, para o seu posicionamento como empregador”, afirma Marcelo. 
Essa vantagem competitiva também é citada por Edson, CEO da Zurich. “Funcionários mais satisfeitos entregam produtos e serviços melhores aos clientes”, diz. “Todas essas ações, de inclusão, de igualdade, de promoção de um ambiente igualitário, também nos colocam em melhor sintonia com a sociedade.”
As próprias funcionárias das empresas vêm levantando a bandeira da igualdade, de acordo com Karen, diretora de Pessoas e Cultura da Philip Morris. “Tenho visto uma evolução, mas acho que ela ainda é muito pequena diante do tamanho do problema que a gente tem e do impacto que a gente ainda pode ter.”

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“Todas essas ações de promoção de um ambiente igualitário também nos colocam em melhor sintonia com a sociedade”, diz Edson Franco, CEO da Zurich Brasil

Ainda muitas barreiras

Mesmo com exemplos de empresas que têm políticas de igualdade salarial, o Brasil vem piorando nos indicadores internacionais. The Global Gender Gap Report, relatório do Fórum Econômico Mundial divulgado em dezembro do ano passado, mostrou que em 2018 o País ocupava o 95º lugar no ranking de igualdade de gênero, numa lista de 149 países. Em 2016, estava na 79ª posição. A queda ocorreu, justamente, por causa da redução de oportunidades de trabalho e renda para as mulheres.
Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado em março mostrou que, em 2018, uma mulher no Brasil ganhava 20,5% menos do que um homem, diferença observada em todos os grupos ocupacionais analisados pela pesquisa Estudo Especial sobre Diferenças no Rendimento do Trabalho de Mulheres e Homens nos Grupos Ocupacionais. 
Para a economista Adriana Beringuy, técnica da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE, essa desigualdade salarial está relacionada ao fato de que a intermitência no mercado de trabalho é maior para as mulheres do que para os homens, ou seja, elas ficam mais tempo afastadas do emprego e perdem oportunidades de carreira. “A rotatividade da mulher ao longo da sua vida laboral é maior, o que, por sua vez, pode estar relacionado ao tempo que a mulher dedica a outras atividades, principalmente cuidados com pessoas e afazeres domésticos.”
Sem a evolução na carreira, as mulheres ficam sujeitas a salários menores, complementa a economista do Insper Regina Madalozzo. “Você tem diversos fatores que fazem a promoção das mulheres ser diferente da dos homens: cargos oferecidos, oportunidades distintas, que geram essa diferença de salário, desde o processo de recrutamento”, explica Regina. “Infelizmente, todas essas barreiras pelas quais você precisa passar são mais elevadas para as mulheres do que para os homens.”

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