Por Jairo Lima
Advogado Criminalista e Membro do Núcleo de Advocacia Criminal.
19 de novembro de 2019
19 de novembro de 2019
Esta semana resolvi trazer uma recente decisão do STJ a respeito do crime de assédio sexual que certamente irá repercutir nos julgamentos de casos análogos realizados pelos juízes e tribunais.
O crime de assédio sexual, descrito pelo artigo 216-A do Código Penal, é caracterizado pelo constrangimento praticado por um superior hierárquico em face da vítima, onde o agente aproveita-se de seu cargo para obter, forçadamente, atos de natureza sexual com seu subordinado.
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.” (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Pois bem, pela leitura do tipo penal em epígrafe, percebe-se que para ser considerado assédio sexual não é necessário o contato físico. Trata-se de crime formal e, portanto, independe da ocorrência do resultado pretendido pelo agente.
São várias as condutas do assédio, como por exemplo, importunar, molestar com perguntas ou pretensões, gesticular, expressões verbais ou escritas, imagens transmitidas, comentários, ainda que sutis, entre outros. O assédio sexual na relação de trabalho também podem consistir no constrangimento oriundo de cantadas e ameaças visando a obtenção da vantagem sexual.
Difere da violação sexual mediante fraude, posto que nesse crime a vítima é levada à prática de conjunção carnal ou ato libidinoso, sendo dificultada a manifestação de sua vontade por meio de fraude praticada pelo agente, contudo sem uso de violência ou grave ameaça.
Quando fala-se, porém, em condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de cargo ou função para a configuração do delito previsto no artigo 216-A do CP surgem dúvidas quanto a sua configuração.
Atualmente tem-se visto discussões doutrinárias a respeito do assédio sexual praticado por professor em face de aluno, no sentido de não ser considerada relação empregatícia, ou de superioridade, uma vez que o vínculo que o aluno tem se dá pela escola ou universidade, e não em razão de cargo empregou ou função ocupado pela suposta vítima.
Para a maioria da doutrina, da qual se pode citar Guilherme de Souza Nucci, a relação entre professor e aluno não pode configurar o delito de assédio moral, porque, segundo ele o tipo penal foi bem claro ao estabelecer que o constrangimento necessita envolver superioridade hierárquica ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Para esta doutrina, a qual nos filiamos, o assédio sexual dirigido a aluno, por professor não se caracteriza como o crime previsto no artigo 216-A do CP por ausência da relação de hierarquia (aluno não ocupa cargo, emprego ou função) ou ascendência.
Os Tribunais também se manifestado, em sua maioria, nesse sentido:
APELAÇÕES CRIMINAIS. DEFESA E ACUSAÇÃO. ASSÉDIO SEXUAL DE MENOR DE 18 ANOS (ARTIGO 216-A, § 2º, DO CÓDIGO PENAL). RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO. O assédio sexual dirigido a aluno, por professor, em ambiente escolar, não caracteriza o crime previsto no artigo 216-A do Código Penal, por ausência da condição especial descrita no tipo, qual seja: a relação de hierarquia ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, sendo vedado dar interpretação extensiva à norma penal incriminadora. 2 – FATO NARRADO NA DENÚNCIA. ALTERAÇÃO DA CAPITULAÇÃO. EMENDATIO LIBELLI. IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR (ARTIGO 61 DA LEI DE CONTRAVENCOES PENAIS). A conduta do agente (professor) de assediar, em ambiente escolar e virtual, seus alunos, pedindo fotos deles nus e se insinuando sexualmente para eles, enquadra-se perfeitamente no delito de importunação ofensiva ao pudor, pois o agir do acusado viola os bons costumes, constrange os menores e traduz-se em vulneração ao artigo 227 da Constituição Federal e ao artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Emendatio libelli empreendida. (…) (TJ-GO – APR: 979276520158090049, Relator: DES. LEANDRO CRISPIM, Data de Julgamento: 25/04/2017, 2A CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: DJ 2408 de 18/12/2017)
Entretanto, em recente decisão, o STJ, através da sua 6° Turma, entendeu que o crime de assédio sexual, definido no art. 216-A do CP e geralmente associado à superioridade hierárquica em relações de emprego, pode ser caracterizado no caso de constrangimento cometido por professores contra alunos.
RECURSO ESPECIAL. ASSÉDIO SEXUAL. ART. 216-A, § 2º, DO CP. SÚMULA N. 7 DO STJ. NÃO APLICAÇÃO. PALAVRA DA VÍTIMA. HARMONIA COM DEMAIS PROVAS. RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO. INCIDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Não se aplica o enunciado sumular n. 7 do STJ nas hipóteses em que os fatos são devidamente delineados no voto condutor do acórdão recorrido e sobre eles não há controvérsia. Na espécie, o debate se resume à aplicação jurídica do art. 216-A, § 2º, do CP aos casos de assédio sexual por parte de professor contra aluna. 2. O depoimento de vítima de crime sexual não se caracteriza como frágil, para comprovação do fato típico, porquanto, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal Superior, a palavra da ofendida, nos delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, possui especial relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas que instruem o feito, situação que ocorreu nos autos. 3. Insere-se no tipo penal de assédio sexual a conduta de professor que, em ambiente de sala de aula, aproxima-se de aluna e, com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, toca partes de seu corpo (barriga e seios), por ser propósito do legislador penal punir aquele que se prevalece de sua autoridade moral e intelectual – dado que o docente naturalmente suscita reverência e vulnerabilidade e, não raro, alcança autoridade paternal – para auferir a vantagem de natureza sexual, pois o vínculo de confiança e admiração criado entre aluno e mestre implica inegável superioridade, capaz de alterar o ânimo da pessoa constrangida. 4. É patente a aludida “ascendência”, em virtude da “função” desempenhada pelo recorrente – também elemento normativo do tipo –, devido à atribuição que tem o professor de interferir diretamente na avaliação e no desempenho acadêmico do discente, contexto que lhe gera, inclusive, o receio da reprovação. Logo, a “ascendência” constante do tipo penal objeto deste recurso não deve se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes. Interpretação teleológica que se dá ao texto legal. 5. Recurso especial conhecido e não provido. EREsp 1759135 (2018/0168894-7 – 01/10/2019).
O Ministro Rogério Schietti Cruz, divergindo do relator, entendeu ser possível configurar tal delito na relação aluno-professor. Abaixo, trecho do voto.
Conforme debatido anteriormente, e sem olvidar as conclusões retrocitadas, divirjo do pensamento majoritário, porquanto, a meu sentir, é notório o propósito do legislador de punir aquele que se prevalece da condição como a narrada dos autos para obter vantagem de natureza sexual. Entendo que nenhuma outra profissão suscita tamanha reverência e vulnerabilidade quanto a que envolve a relação aluno-mestre, que alcança, por vezes, autoridade paternal – dentro de uma visão mais tradicional do ensino. Faço lembrar que o professor está presente na vida de crianças, jovens e também adultos durante considerável quantidade de tempo, torna-se exemplo de conduta e os guia para a formação cidadã e profissional, motivo pelo qual a “ascendência” constante do tipo penal objeto deste recurso não pode se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes. O vínculo de confiança e admiração criado entre professor e aluno implica inegável superioridade, capaz de alterar o ânimo da pessoa perseguida. Releva-se patente a aludida “ascendência”, em virtude da “função” – outro elemento normativo do tipo –, dada a atribuição que tem o cátedra de interferir diretamente no desempenho acadêmico do discente, situação que gera no estudante o receio da reprovação.
Em que pese o brilhantismo do voto do Ministro, há que se atentar para o perigo de dar interpretação extensiva à norma penal incriminadora. Embora se considere que o vínculo de confiança e admiração criado entre professor e aluno implica em superioridade, não se pode supor que seja, por si só, capaz de alterar o ânimo deste. Ademais, o aluno não exerce emprego, cargo ou função na escola que frequenta, e ainda que se considere a ascendência do professor em relação ao aluno, não se trata aqui de vínculo de trabalho exigido pelo artigo 216-A do CP.
A decisão certamente produzirá debates doutrinários entre as duas correntes existentes. Devemos acompanhar atento os próximos passos.
PHMP Advogados. O assédio sexual? Professor e aluno. Disponível aqui. Acesso em: 18 nov. 2019.
Informativo de Jurisprudência destaca reconhecimento de crime de assédio sexual entre professor e aluno. Disponível aqui. Acesso em 18.11.2019.
Nenhum comentário:
Postar um comentário