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domingo, 17 de novembro de 2019

“Estado feminino” somou US$ 360 bi à economia da Noruega

País colhe os frutos dos esforços para ampliar participação da mulher na economia
5 de novembro de 2019
Por Ana Conceição - Valor
Morador de Oslo há oito anos, o carioca Ricardo Nunes aproveitava, em meados de outubro, as últimas semanas de licença-paternidade após o nascimento da segunda filha. Na Noruega, pai e mãe têm direito, cada um, a 15 semanas de licença – obrigatórias – e mais outras 16 que podem ser divididas entre eles. Nunes, que trabalha como contador em uma instituição do governo, optou por ficar mais oito semanas com a pequena Enid enquanto a mãe trabalha.

Envolver o homem diretamente no cuidado dos filhos é uma das formas de dar mais poder à mulher num país que criou o conceito de “Estado feminino”, entre os anos 1960 e 1970. Na prática, é um conjunto de políticas que facilitavam a combinação entre vida profissional e familiar, num momento em que o país procurava aumentar sua força de trabalho. Trabalhadores, legisladores e pesquisadores apontam que a dobradinha licença parental-vagas em creches – esse também um direito universal no país – é a mais importante medida do sistema que busca promover a igualdade de gênero na Noruega, o segundo país mais avançado do mundo nesse quesito. O primeiro é a Islândia.
Ricardo Nunes: Meses de licença paternidade para cuidar da segunda filha, Enid, enquanto a esposa trabalha — Foto: Ana Conceição/Valor
Ricardo Nunes: Meses de licença paternidade para cuidar da segunda filha, Enid, enquanto a esposa trabalha — Foto: Ana Conceição/Valor
As políticas contra a desigualdade levaram a taxa de participação feminina no mercado de trabalho norueguês de quase zero a 75%, uma das mais altas do mundo – ou seja, três quartos das mulheres em idade para trabalhar estão empregadas ou procurando emprego. No Brasil, o percentual é de 53%.
O sistema do país escandinavo também ajuda a combater a ideia de que a criação da prole é tarefa feminina. “Com minha esposa trabalhando, levanto de madrugada para dar mamadeira, trocar fralda. Quando voltar a trabalhar, em novembro, vou dividir tarefas como cozinhar e lavar”, afirma Nunes, que participa de um “clube de pais”, que também estão em período de licença, para trocar experiências. Nos parques, nos supermercados, no centro de Oslo, ver homens sozinhos ou grupos deles empurrando carrinhos de bebês é uma cena comum.
Tove Andersen, da Yara: Ambiente de inclusão ajuda a conquistar posições mais altas no mundo corporativo — Foto: DivulgaçãoTove Andersen, da Yara: Ambiente de inclusão ajuda a conquistar posições mais altas no mundo corporativo — Foto: Divulgação
Ainda no contexto do “Estado feminino”, na década de 1980 foi criada a Lei de Igualdade de Gênero exigindo uma cota de no mínimo 40% de mulheres em organizações públicas. A lei foi estendida aos conselhos de empresas estatais em 2004 e conselhos de administração de companhias abertas em 2006. Em 2018, foi revista para incluir minorias.
O poder político da Noruega, uma monarquia, é controlado por mulheres. Elas ocupam o cargo de primeira-ministra (Erna Solberg, desde 2013) e os ministérios de Finanças, Relações Exteriores, da Justiça e do Trabalho. Com essas políticas, a Noruega figura no segundo lugar entre os que mais promovem equidade, atrás da Islândia, no ranking do Índice Global de Disparidade de Gênero, do Fórum Econômico Mundial. O Brasil ocupa a 95ª posição entre 149 países.
O país conta em números expressivos o que o aumento da participação feminina no mercado de trabalho agregou à economia. Foram cerca de US$ 360 bilhões entre 1972 e 2013, dado mais recente do Centro para Pesquisa e Igualdade de Gênero (Core), do Ministério da Criança e da Igualdade da Noruega. Para ter uma ideia da magnitude, atualmente o PIB norueguês é de US$ 400 bilhões. Um dos lemas do país é o de que a riqueza criada pela força de trabalho feminina é maior que a do petróleo. O fundo soberano norueguês formado pela receita gerada pelo petróleo tem cerca de US$ 1 trilhão em ativos.
Mas, se na comparação com outros países os indicadores noruegueses de igualdade de gênero se saem bem, um mergulho nos detalhes mostra que mesmo lá há desafios. Segundo dados do Core, na média, a mulher ganha o equivalente a 88% do salário do homem na Noruega. Entre as mulheres que são mães, os salários equivalem a apenas 83% dos profissionais que são pais. E, se as companhias abertas são obrigadas a ter 40% de mulheres no conselho, a realidade do restante é diferente. Entre as 200 maiores companhias do país, as mulheres ocupam, em média, apenas 21% dos assentos nas empresas. Nos comitês-executivos, são 22% dos cargos. Apenas 10% são CEOs. Nas universidades e em instituições de pesquisa, elas ocupam 28% das posições mais altas e, no setor público, 34%. A melhor situação está nas organizações da sociedade civil, onde ocupam 48% do topo da hierarquia.
“A Noruega não é o paraíso da igualdade como todos gostam de pensar. Ainda temos muito pelo que lutar”, diz Anette Trettebergstuen, deputada do Partido Trabalhista norueguês, observando que as novas gerações parecem tomar o avanço conquistado nas últimas décadas como algo garantido para sempre. “Conquistar igualdade é um projeto constante.”
Com a população crescendo menos que o necessário para manter um mercado de trabalho dinâmico, Anette acredita que novas políticas têm de ser implementadas para aumentar a participação das mulheres, inclusive imigrantes, em todos os setores. Ela defende o sistema de cotas e quer a expansão dele para outros segmentos, como o cultural. “Dos filmes que conseguem dinheiro na Noruega, 80% são dirigidos por homens. Não acredito que não existam mulheres fazendo filmes na Noruega”, diz.
O sistema de cotas nos conselhos não é consenso. Quando a regra foi proposta, a Confederação de Empresas Norueguesas (NHO), que reúne 27 mil companhias, foi contra. O argumento era de que as empresas, e não o governo, deveriam decidir sobre a nomeação de seus conselheiros. A NHO continua com a mesma opinião, mas a despeito disso criou o programa “Female Future” para aumentar o número de mulheres em cargos mais altos. “A confederação não acredita em cotas, mas em competição. É uma visão liberal do assunto. Agora, não há dúvidas de que mais mulheres no mercado de trabalho contribui para o desenvolvimento do país”, afirma Katarina Saetersdal, da diretoria do Departamento Internacional da NHO.
Algumas grandes empresas, por sua vez, têm procurado ir além da cota, adotando programas que incentivem a contratação e a promoção de mais mulheres. A estatal de petróleo Equinor estabeleceu a meta de que até 2025 todas as equipes da companhia no mundo terão de refletir diferentes gêneros, nacionalidades, orientação sexual, cultura, idade, deficiência física. “A companhia tem trabalhado com questões de gênero há bastante tempo e há dois anos trouxe a diversidade para o centro da conversa”, afirma a portuguesa Ana Fonseca Nordang, vice-presidente sênior de pessoas e liderança da companhia. Cerca de 30% das posições de liderança da petroleira são ocupadas por mulheres. Elas são 18% do total de gerentes de plataforma. “Não é suficiente e queremos melhorar isso”, diz a executiva. O trabalho, segundo ela, começa no recrutamento. “Temos discutido muito sobre como remover vieses inconscientes, como não excluir mulheres e outros grupos a fim de ter mais diversidade.”
A empresa tem recrutado profissionais ainda nas universidades. No Brasil, 62% dos profissionais juniores são mulheres. “Elas estão em todas as posições. Para nós é um grande feito”, diz Ana. No Brasil, onde atua há 17 anos, a empresa quer mais diversidade racial e pessoas com deficiência. “São áreas em que ainda não atingimos nossas metas.”
A companhia também aplica às unidades pelo mundo algumas das regras válidas na Noruega, como a licença parental de 16 semanas para pais e mães. “Isso tem grande impacto em países como EUA, Argélia, Angola, onde a licença é de um período muito curto”, diz Ana. Para a executiva, cotas apenas não bastam para criar igualdade. “Se você quer mudança sustentável nas organizações, no modo como elas veem diversidade, é preciso fazer mais”, diz. “E é rentável investir em diversidade. Se você recruta apenas um grupo, talvez não esteja contratando os melhores talentos.”
Apesar do avanço conseguido até agora, empresas, pesquisadores e executivas afirmam que o mercado local ainda é muito dividido entre funções de homens e mulheres. A deputada Anette Trettebergstuen conta que, quando as mulheres foram incentivadas a ir para o mercado, seus empregos eram uma extensão do trabalho doméstico, como cuidar de crianças, de idosos, limpar e cozinhar. Tove Andersen, vice-presidente-executiva de produção da multinacional de fertilizantes Yara, é um caso de executiva que ocupa alta posição numa indústria predominantemente masculina. “Fui pesquisadora por dois anos numa área [física e matemática] em que 90% eram homens. Mas eu não era paciente o suficiente para ser cientista e resolvi partir para um MBA em administração de negócios e entrei na empresa como trainee.”
Se o fato de ser mulher numa indústria “masculina” ajudou-a a se destacar, o ambiente da empresa, que ela diz ser inclusivo, foi importante para que galgasse posições mais altas, afirma ela. Mãe de um casal de adolescentes, Tove diz não ter tido problemas em prosseguir com a carreira após a maternidade. “Na Noruega, a licença não é vista como algo negativo para a mulher.”
Assim como Ana Fonseca, Tove também faz ressalvas às cotas. “Não acho que necessariamente precisemos delas.” Mas pondera que o sistema ajuda. “À medida que envelheço, fico mais impaciente em não ver as coisas acontecendo na velocidade que eu gostaria. Todo mundo quer ser promovido por ser o melhor. No fim do dia, temos boas profissionais mais que suficientes.”
Na academia, o Conselho de Pesquisa da Noruega lançou sua própria política de igualdade. As mulheres são maioria nas universidades, mas compõem apenas um terço do quadro de professores e são minoria nos cargos mais altos. “Precisamos ter mais mulheres na pesquisa, na academia. Estamos trabalhando nisso”, afirma Jesper Simonsen, diretor-executivo da instituição.

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