22 anos de ECA: avanços e desafios
por Márcia Quintino*
O Estatuto da Criança e do Adolescente completa 22 anos neste mês, mas sua história é mais antiga, pois importantes discussões que levaram à sua elaboração tiveram início em meados dos anos 1980, juntamente com acontecimentos determinantes para mudanças de paradigmas em relação à infância e à adolescência.
Entre eles, destacam-se a realização das Semanas Ecumênicas do Menor, a criação do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua no Brasil, em 1985, e a promulgação da Constituição Federal de 1988, cujo artigo 227 atribui à família, à sociedade e ao Estado a responsabilidade de se constituírem como um sistema responsável pela efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes.
A partir da promulgação do estatuto todos foram declarados sujeitos de direitos, incluindo-se os negligenciados, as vítimas de exploração sexual ou de maus tratos, aqueles em situação de rua, entre outros que têm seus direitos humanos violados. Ou seja, deixaram de ser vistos como pessoas em situação irregular e, portanto, passíveis de entrega aos cuidados do Estado, conceito que embasava o Código de Menores de 1979, vigente até 1990.
Ao longo desses anos, algumas conquistas importantes foram alcançadas, como a ampliação do acesso à educação formal, a redução do trabalho infantil, a normatização do trabalho do aprendiz, o alojamento conjunto de recém-nascidos e suas mães, a regulamentação da execução das medidas socioeducativas, entre tantas outras.
No entanto, há ainda muitos desafios: o movimento Todos pela Educação informa que cerca de 3,8 milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos não estão matriculados na escola; segundo a Organização Internacional do Trabalho, ainda são explorados no trabalho infantil 4,2 milhões de crianças e adolescentes; apesar dos avanços, 19,3 de cada mil crianças nascidas vivas morrem antes de completar o primeiro ano, de acordo com dados do Governo Federal; o país não possui estatísticas confiáveis relacionadas ao fenômeno da violência doméstica, embora os casos de agressão contra crianças e adolescentes sejam noticiados diariamente.
Passados mais de 20 anos, a efetiva implementação do estatuto continua sendo uma questão pertinente. Para que isso aconteça, é preciso que haja um grau maior de diálogo e articulação entre os componentes do Sistema de Garantia de Direitos, responsável pela operacionalização e efetivação das políticas públicas para as crianças e os adolescentes.
Um dos atores fundamentais desse sistema é o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, que deve atuar na formulação e no controle das políticas públicas ligadas à infância e à adolescência, incluindo os programas de proteção e os socioeducativos previstos no estatuto. O conselho é um espaço de articulação entre as diversas secretarias que têm programas voltados para o público infanto-juvenil, além de ser responsável pela gestão dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, determinando as diretrizes para aplicação dos recursos.
A Fundação Itaú Social contribui para o fortalecimento desse Sistema de Garantia de Direitos, atuando em parceria com 32 Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente de todo o Brasil, por meio do programa Itaú Criança. Dessa forma, a Fundação promove a troca de experiências entre os conselheiros, bem como reforça a importância de se mapear e diagnosticar a situação da criança e do adolescente nos municípios para a proposição de políticas públicas que atendam às demandas desse público.
O convívio com os conselhos aproxima-nos das realidades locais e ressalta a necessidade de mobilização para suas causas. Ainda são poucas as articulações entre programas e políticas públicas de atenção à infância e à adolescência – ações desarticuladas não trazem os resultados desejados e não otimizam o uso dos recursos disponíveis nos territórios.
O próprio Sistema de Garantia de Direitos ainda não se constitui como tal, apresentando-se mais como um conjunto de frentes não engrenadas. É preciso também que haja maior participação das famílias nos espaços de convivência e aprendizagem por onde circulam as crianças e os adolescentes, de modo a cumprirem o papel que lhes cabe, conforme descrito no artigo 227 da Constituição Brasileira.
Acreditamos na aproximação de organizações de todos os setores da sociedade empenhados na efetivação dos direitos prescritos no Estatuto da Criança e do Adolescente para que se somem os esforços, aproveitem-se todas as competências disponibilizadas e multipliquem-se as conquistas no campo dos direitos humanos desta parcela tão significativa da população brasileira.
* Márcia Quintino é coordenadora de Mobilização Social da Fundação Itaú Social.
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