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segunda-feira, 23 de julho de 2012


Ruth de Aquino


Antes que me acusem de plágio, o título acima é de um artigo publicado ontem no jornal Folha de SP. Quem escreveu foi April Dembosky, correspondente do Financial Times em San Francisco, Estados Unidos.
Atraída pelo título, comecei a ler o artigo, uma tradução do original em inglês. E fui até o fim.
O texto é sobre a gravidez de Marissa Mayer(foto ao lado), desconhecida nossa. Aos 37 anos, ela acaba de assumir o comando do Yahoo!, uma das maiores companhias mundiais de tecnologia. Até aí, nada demais.
Pensando bem, é demais sim: apenas 19 das empresas da lista Fortune 500 são comandadas por mulheres, e pouco mais da metade delas tem filhos. Marissa está nessa lista e terá um bebê, um menino, em outubro, três meses depois de se tornar presidente do Yahoo!.
Segundo a jornalista April, a notícia deslanchou uma avalanche de críticas de quem duvida de “sua capacidade de ser mãe e presidente de uma companhia ao mesmo tempo”. Marissa precisou vir a público se explicar. Disse que só tiraria algumas semanas de licença-maternidade. A declaração de Marissa também deslanchou outra onda de críticas. Ela foi acusada de dar mau exemplo para as mulheres trabalhadoras ao encurtar a licença-maternidade.
Em algum momento da vida, nós todas, mães ou não-mães, nos fazemos as mesmas perguntas que estão ali nesse artigo. E nossas respostas são – ainda bem – diferentes. Mas os dilemas são parecidos e  a maneira como “a sociedade” os enxerga continua exercendo uma pressão sobre nossas escolhas.
“Mayer está numa situação impossível”, escreve April. “Não importa de que modo organize sua agenda, ela sem dúvida enfrentará os padrões dúplices que tantas mulheres têm de encarar no trabalho – com acusações de que estão negligenciando seus empregos ou seus filhos”.
Em 2011, um investidor do Vale do Silício disse que “ter uma mulher grávida como fundadora ou presidente-executiva resulta em falência”. Ele analisava como investir numa empresa criada por uma mulher que esperava gêmeos. Como ela poderia “liderar uma equipe, construir um negócio e mudar o mundo carregando os babes pelos próximos meses e cuidando deles depois”?
O artigo de April cita alguns estudos que mostram como a “mãe” é vista no trabalho. A perversidade pode ser maior do que imaginamos. Mulheres muito motivadas no trabalho e ambiciosas “são provavelmente más mães” e, por isso, ganhariam menos promoções e aumentos salariais menores.
Não acredito nisso como regra. Tampouco acho que seja uma reação “de homens”. Nós, mulheres, cobramos demais de nós mesmas e de nossas amigas – ou nem tão amigas.
Lembro uma história que aconteceu comigo em 1981. Eu tinha 26 anos, já trabalhava havia oito anos como jornalista, e entrei no Jornal do Brasil na equipe de redatores da primeira página, o famoso copy-desk, uma função que deixou de existir com a informatização dos jornais. Três meses depois de ser contratada, engravidei de meu companheiro. Uma gravidez muito desejada.
Mas, pensei, como eu iria contar ao meu chefe – que havia me contratado e apostado em mim – que dali a oito meses eu teria um neném e ficaria de licença quatro meses, desfalcando a equipe (aliás uma equipe só de homens)? Eu poderia ser tachada de aproveitadora, negligente? Estava me sentindo culpada. Uma injustiça comigo mesma, percebi logo.
Enfim, tudo deu certo. Minha gravidez foi bem recebida e comemorada por chefe e colegas, trabalhei até quatro dias antes de dar à luz, era um expediente de 17h à meia-noite, e a equipe praticamente me forçou a ir para casa. Tinham medo que eu parisse na redação e atrapalhasse o fechamento da edição…e tinham razão. Foram todos carinhosos. E meu filho Bruno nasceu com um apelido: “Zé do copy”. O segundo filho, Pedro, nasceu com uma diferença de seis anos. Eu engravidei meses depois de ser promovida a editora internacional do JB.
Foram licenças longas. Não conseguiria jamais tirar só algumas semanas. Queria desligar para amamentar calmamente e cuidar dos bebês. Mas adorei voltar ao trabalho. A cada filho, eu voltava com energia renovada e multiplicada para o trabalho, prenha de ideias.
Toda mulher é diferente, nossos pensamentos têm nuances e não somos uma categoria homogênea, felizmente. Sinto, no entanto, que quase todas nós, durante a licença-maternidade, passamos a viver em função de nossos bebês – caso tenhamos direito a esse privilégio. Eu me sentia uma vaca leiteira, com todas as dores e delícias dos mistérios da maternidade.
A partir daí, dedicar toda a vida aos filhos, à casa e ao marido seria para mim (e para todos os que me cercam) um desastre, porque eu me sentiria frustrada e inevitavelmente descontaria nos outros. Conciliar todas as funções – por mais difícil que possa parecer – ainda me parece o melhor caminho para se sentir feliz e produtiva. Também como mãe. A função de mãe e esposa 24 horas pode tornar algumas mulheres possessivas e obcecadas com todo o universo doméstico. Outras ficam realizadas. É a diversidade, não?
Não critico a presidente do Yahoo! que decidiu encurtar sua licença. Não a critico moralmente. Não a chamo de mãe desnaturada – um adjetivo muito esclarecedor, como se ela estivesse indo “contra a Natureza”. Não sei se ela e seu bebê ficarão contentes com esse arranjo. Provavelmente, não tem outra escolha, como presidente recém-contratada de uma companhia tão importante, com uma missão espinhosa. Na verdade, não são apenas algumas executivas que se comportam às vezes assim. Há atrizes que também retomam muito rapidamente as atividades profissionais.
Conciliar as funções de uma maneira sensata é, repito, um desafio e um privilégio. Li uma reportagem mostrando o imenso número de mães pobres obrigadas a deixar os filhos 12 horas por dia em abrigos para poder trabalhar como diaristas, empregadas domésticas, cozinheiras – ou babás, cuidando dos filhos das outras. Este artigo da Folha de SP e este post não tratam dessas mulheres, carentes dos serviços do Estado e muitas delas abandonadas por maridos. Falo aqui das mulheres que têm uma alternativa interessante diante de si e assumem uma opção.
Além de um salário razoável e da possibilidade de realização profissional, o outro conforto é ter um parceiro atuante e ativo. Como está escrito por April: “Sheryl Sandberg, vice-presidente de operações do Facebook, aconselha mulheres a procurar parceiros capazes de apoiá-las, dividir as tarefas caseiras e ajudá-las a manter suas ambições”. Anne-Marie Slaughter, ex-diretora de planejamento político no Departamento de Estado dos Estados Unidos, tem outra opinião. Para Slaughter, escreve a correspondente do Financial Times, “as empresas é que precisam mudar sua cultura: a ideia de que presenças e jornadas longas de trabalho, e não eficiência, traduzem-se em competência no trabalho”.
O debate é intenso e não termina nunca. Mostra que, por mais que a sociedade tenha mudado, a cobrança sobre a mulher persiste. E é interiorizada por nós mesmas.
Quando eu me tornei diretora de redação de um jornal diário no Rio de Janeiro, em 1996, o dono da empresa recebeu telefonemas de alguns de seus pares, que diziam: “Está louco de colocar uma mulher dirigindo um diário?” Passaram-se tantos anos e esse ainda é um reduto masculino no Brasil – e em vários outros países.
Marissa Mayer, além de ter recebido uma promoção por suas qualificações, não se tornou apenas presidente do Yahoo!. Virou “porta-voz” de uma categoria particular, conclui April.
“Não basta ser uma boa mãe e uma boa executiva – Marissa tem de ser também uma boa feminista. Ao se tornar uma presidente-executiva-grávida, precisa assumir uma posição sobre presidentes-executivas-grávidas, e os críticos estão só esperando para atacar qualquer posição que assuma, mesmo que, e até especialmente se, preferir o silêncio”.
Você também tem uma história para contar, certamente. Mesmo que seja a clássica dos novos tempos entre as jovens profissionais: adiar o momento da maternidade até…

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