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sábado, 14 de julho de 2012




Há dois anos, o filósofo e psicólogo alemão Richard David Precht lançou o livro Quem sou eu e, se sou, quantos sou? e se tornou um best-seller mundial. A obra, que respondia a perguntas existenciais sob o ângulo da filosofia, mas com linguagem simples,  foi traduzida em 20 idiomas e vendeu um milhão de exemplares. Agora ele lança Amor, um Sentimento Desordenado (Casa da Palavra), com o qual pretende jogar luz sobre o sentimento mais importante – e indecifrável – do mundo contemporâneo. Precht analisa o quanto há de real diferença entre a natureza de homens e mulheres e critica os manuais de auto-ajuda que se multiplicam no mercado
Abaixo, a entrevista com o autor: 

Por que você diz que livros de autoajuda sobre o amor não ajudam realmente?
Porque, basicamente, eles têm um pilar duplo, talvez duplamente enganoso: a promessa de que o amor duradouro pode ser aprendido e a pretensão que as pessoas mudam. Será mesmo verdade? Em primeiro lugar, a ilusão de que mesmo – e, sobretudo, – quando o amor entra em espiral decrescente, basta conhecer certo número de truques e pronto, tudo fica lindo. A realidade desaparece, a magia volta, nossa razão crítica fica embotada, a chama do desejo reacende. Pura mágica! Em segundo lugar, esses manuais vendem a ilusão de mudança. Os psicanalistas que o digam, mudar não é algo que possa ser reduzido ao simplismo superficial de ato de vontade. Ninguém muda da noite para o dia seu próprio sentimento de identidade só porque fica subitamente contaminado com algumas ideias inteligentes.

Se eles não ajudam, por que existem em quantidade cada vez maior no mercado?
É delicado falar sem parecer antiético, ou grosseiro, mas um grande número de pessoas, no contexto atual em que vivemos, de soluções rápidas e muitas vezes superficiais, tende a aceitar com facilidade o que lhes é oferecido, sempre com a ilusão de que o produto – na verdade uma mera mercadoria, em geral – foi customizado para ela. Veja-se o exemplo dos smartphones: eles vendem a promessa de centralização de gostos, contatos, memória, imagens, ligações afetivas etc. O problema é que as pessoas gostam de ouvir da boca de um oráculo as grandes verdades que nos definem.
A partir de que perspectivas as relações amorosas pode ser mais bem analisadas: neuroquímica, biológica, psicológica…?
Não sei se uma das perspectivas, única e isoladamente, pode ser a melhor. Nós somos seres animais que vivem num contexto cultural. E somos evidentemente dotados de uma memória individual e coletiva, consciente e nem tanto… Se considerarmos o amor como o eixo de um relacionamento, talvez devêssemos, então, tomar emprestada a concepção de “experiência universal”, do romântico Friedrich Schlegel: quando a vida não tem mais um significado sobrenatural, o amor nos traz esse significado de volta. Todos nós queremos algo mais, algo que nos distinga da mera esfera de base. Esse sobrenatural, que eu chamaria de “supranatural”, nos eleva. Uma coisa é falarmos de “sujeito”, de “indivíduo”, de “Homem” (com H maiúsculo), outra bem diferente é falarmos de pessoas reais, que não podem ser objeto de análise desta ou daquela esfera concisa.

No livro, você diz que “o amor não é uma emoção.” Pode explicar?
Quando digo que o amor não é um sentimento, é porque ele é um sistema de promessas e expectativas. A relação amorosa é uma via de mão dupla, em que cada um promete ao outro que o que ele sente é confiável e, mais, que vai dar ao outro o que ele espera: compreensão, cuidado, atenção. O que as pessoas querem, numa relação amorosa, é perfeitamente esperável, não é difícil imaginar quais são as expectativas do outro, porque elas se inserem num espectro fechado, determinado. Da mesma forma, acreditamos que o outro também sabe o que esperamos dele, porque imaginamos que ele nos avalia corretamente, nos conhece. O amor é um jogo de regras determinadas e fixas, um sistema de expectativas, dotado de um código próprio.

Na sua opinião, a natureza dos homens e das mulheres permite, de fato, o compartilhamento, a divisão do dia-a-dia, da vida?
Raramente refletimos sobre nossos sentimentos. Os sentimentos são a cola que nos mantém unidos. E o casamento é ocasião e terreno de aconchego, de bem-estar. Além disso, entre nossos sentimentos mais emocionantes estão os nossos desejos. Ninguém vive sem desejos nem sem um desejo bem determinado: o de amar e ser amado, que tem um estímulo emocional. Para mim, a capacidade de se apaixonar é o maior e mais belo enigma da evolução. Precisamos de vínculo e de compreensão, ansiamos pela felicidade, temos carência de sentimento de valor e de identidade. Talvez um ponto importante de reflexão seja o equilíbrio da noção de amor romântico: damos a ele uma moldura, no qual ele pode se expandir. Mas ele evolui, se complica e, em geral, a moldura não cresce junto. Nenhuma moldura garante um estado emocional estável e intimidade. Fundamental é saber o que queremos, o que exige por sua vez um processo de individuação sério. A moldura e o quadro de fundo precisam ter as mesmas dimensões. O casamento pode funcionar se o sentido de realidade e o de possibilidades estiver em equilíbrio.

Por que alguns autores ainda insistem em comparar as relações de hoje com a idade da pedra, dizendo que as mulheres querem homens caçadores, provedores, e os homens procuram mulheres mais férteis?
É delicado falar sobre o que move outros autores, mas talvez possamos dizer que o cientificismo sempre atrai, e dá a ilusão de embasar de modo indiscutível uma proposição. Por isso as explicações fundamentadas na diferença cerebral entre homens e mulheres é mais fácil de ser entendida, aplicada e vendida do que explicações mais elaboradas. Como comentei numa resposta anterior, tendemos a gostar de explicações do tipo oráculo, de soluções prontas. Mas nem todo mundo bebe na mesma fonte, e muitos são hoje os que procuram parceiros e parceiras fora do estereótipo. Senão, como explicar o crescente número de homens que preferem mulheres mais velhas, apesar da regra aparentemente universal de escolha de uma mulher muito mais jovem, quando se chega à meia-idade? Seja como for, essa insistência de certos autores está ligada à noção de módulos de comportamentos típicos de gênero, o que ainda tem uma forte característica religiosa. Pois ninguém ignora que uma parte significativa daquilo que compõe nosso comportamento de gênero e nossa autoimagem origina-se não só da biologia, mas também da evolução cultural – o que faz as mulheres preferirem o perfume de um desodorante ao cheiro de suor.

Quais são as características do mundo atual que dificultam a percepção real do que é o amor? Muitos filmes românticos e novelas, por exemplo?
Uma somatória de características, eu diria. A noção de amor como realização pessoal, as falsas ilusões e promessas vendidas e que acabam gerando uma pressão e um a priori, uma falsa ideia de romantismo e, em consequência, de amor romântico, um baixo nível de autoconhecimento – o que nos faz colocar os anseios e expectativas no lugar muitas vezes errado –, a confusão que ainda se faz de individuação e individualização, a cultura de massa (da qual faz parte, evidentemente, uma avalanche de filmes românticos), a promessa de paraíso na terra… A lista é grande. Mas talvez possamos dizer que um ponto essencial é a crença de que a felicidade mora fora de nós. O que a transforma em objeto de consumo.

No nosso tempo, as pessoas amam amar. Isso é ruim?
Não necessariamente, mas as coisas têm de estar muito claras. Uma coisa é gostar de amar. Outra coisa é amar a ideia de amar. Quantas pessoas nós não conhecemos, que se apaixonam pela ideia de se casar, viver feliz para sempre, poder dizer “meu marido”, ou “minha mulher”, e que acabam procurando e muitas vezes encontrando alguém que simplesmente encaixe no seu sonho pré-determinado? Evidentemente isso instrumentaliza a outra pessoa. Além disso, como evoco no livro, a frase de La Rochefoucauld, segundo a qual nós não nos apaixonaríamos se não tivéssemos ouvido falar na paixão, pode ser ampliada, pois não nos comportaríamos de maneira romântica se não aprendêssemos pela mídia como funciona o romantismo.

Os homens e mulheres realmente têm naturezas diferentes e, de fato, pensam diferente sobre o amor? A maioria dos guias de autoajuda afirmam que entender a natureza do sexo oposto é o caminho para um bom casamento.
Mesmo sabendo que pesquisas demonstram que a testosterona tem uma forte influência em nossas emoções, nossa memória e, claro, em nosso comportamento sexual, que o hipotálamo é determinante nas diferenças de funcionamento de uns e outras, sem falar dos hormônios etc. etc., a questão não me parece tanto a diferença entre a natureza masculina e a feminina, mas sim a natureza humana. Como eu cito no livro, ela é algo semelhante ao Santo Graal, procurada desde sempre, nunca encontrada. Como um guia de autoajuda pode indicar pistas sobre um tema tão complexo? Sobretudo vale lembrarmos o que nos fiz Michel Foucault: homens e mulheres representam-se no cotidiano e, com isso, produzem o que supostamente são.

No livro, você faz uma citação: “muitos falam sobre amor e família, como nos séculos passados as pessoas falavam sobre Deus.” Essa ideia de amor e casamento é, de alguma forma, a grande religião do mundo ocidental?
Realmente hoje em dia a pressão da procura quase sôfrega por sexo e amor, embriaguez e satisfação preenche espaços nos quais antigamente o projeto de construção previa um deus. Até porque é inegável que para muitas pessoas o medo da solidão – aquele mesmo que faz ligar a TV o tempo todo, para não ter a sensação de estar só – impele a essa busca desenfreada. E o casamento também é, em algumas sociedades mais do que em outras, uma mercadoria que movimenta cifras impressionantes. E cria-se um mercado. Sem desdenhar o poder da própria religião, que eterniza o modelo.
A crescente liberdade sexual não deveria ter reduzido a ideia do amor, do casamento e da monogamia?
Talvez, mas o ser humano prefere pensar, para se sentir supra-humano, que não é verdade que ele não foi feito para uma felicidade constante, duradoura, apenas para o sonho dessa felicidade. E o casamento e a monogamia reforçam essa esperança.

Qual deve ser o principal pensamento de alguém que acredita que só será feliz se encontrar o amor?
Para essa última resposta, recorrerei a Darwin. Em 1757, ele disse: “Independente de quanto o ser humano possa ser classificado como egoísta, há com certeza determinadas predisposições básicas em sua natureza que fazem com que ele sinta necessidade de fazer parte do destino e da felicidade de outras pessoas, embora sua única vantagem seja o prazer de testemunhar isso”. Quanto mais as relações culturais se complicam, mais esperto o ser humano. E quanto mais esperto o ser humano, mais complicada é sua cultura. Herbert Spencer transferiu para a sociedade o princípio de Darwin, de uma evolução incessante, de um natural progresso social. Das estrelas passando pelos musgos e toupeiras, até o ser humano, tudo é impelido em direção ao que há de melhor e mais perfeito – até a harmonia mais perfeita possível. E a harmonia, acredito, está no simples.

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