A filmadora de soluções
Com o vídeo comunitário, a gaúcha Fernanda Baumhardt ajuda aldeões do Egito à Índia a encontrar respostas para as mudanças do clima
ReaçãoA gaúcha Fernanda Baumhardt num vilarejo na Etiópia. Ela ensina comunidades a transmitir, em vídeo, experiências de adaptação às mudanças climáticas (Foto: Arquivo Pessoal) |
Lá do alto, ainda no avião, a gaúcha Fernanda Baumhardt compreendeu o conselho incisivo da mãe: “Não, Malaui não”. Era em meados de 2008. Fernanda acabara de abandonar uma carreira de executiva nos Estados Unidos para trabalhar com comunidades carentes afetadas pelas mudanças climáticas. Naquele momento, sobrevoava o país africano que, segundo as Nações Unidas, está entre os 20 mais pobres do mundo. Além da fome, da violência e da falta de infraestrutura, a população do Malaui sofre com altas taxas de infecção por HIV. A mãe de Fernanda, geógrafa com experiência em missões humanitárias, sabia o que a filha encontraria pela frente.
Fernanda desembarcou no Malaui para ajudar pequenos vilarejos a se adaptar ao aquecimento da Terra. O trabalho era parte de sua dissertação de mestrado por uma universidade em Amsterdã e usava uma técnica conhecida como vídeo participativo. Primeiro, ela reunia a comunidade para entender seus problemas, de enchentes a furacões. Em seguida, inteirava-se das soluções locais encontradas para enfrentar os desafios. Passo seguinte, mostrava aos moradores como registrar suas histórias para as câmeras, gravava tudo e editava as imagens ao lado das pessoas. Ao final, exibia o vídeo em comunidades com dilemas semelhantes. A experiência, compartilhada com outras aldeias, tinha potencial para salvar vidas.
Uma das soluções apresentadas pelos moradores de um lugarejo no Malaui afetado por enchentes foi trocar a criação de galinhas por patos. Os patos têm a vantagem de nadar e sobreviver ao aguaceiro. Fernanda ajudou a filmar a experiência e exibiu-a em quatro outras vilas. Dos moradores que assistiram ao vídeo, 80% disseram ter a intenção de aderir à criação de patos. “O vídeo participativo tem um impacto local muito grande”, afirma Fernanda. Sua dissertação de mestrado foi publicada com sucesso no jornal científico de um renomado centro inglês que trabalha com clima.
Apesar do sucesso do trabalho, Fernanda viveu dois meses de pânico na África. Além do contato doloroso com a miséria, temia por sua segurança o tempo todo. Nunca saía sozinha, aterrorizada pela possibilidade de ser estuprada. Abandonou o hábito de correr. Numa das aldeias que visitou, foi rodeada por crianças. “Elas me apertavam, me puxavam”, diz. “Só entendi depois que a tradutora me explicou: aquelas crianças nunca tinham visto um branco na vida.” Ela nunca se sentira tão estrangeira quanto naquele lugar. Por ironia, afirma, foi ali que descobriu quem era.
Antes de ir buscar sua essência na África, Fernanda tinha uma vida digna de seriados de TV. Bonita, chique, independente, aos 35 anos estava com a vida ganha. Gerente de vendas de publicidade digital do canal CNN, morava em Los Angeles a quatro quadras da praia. Surfava no tempo livre. Com um salário de cerca de US$ 15 mil por mês, nunca se censurava diante de uma vitrine. Numa de suas extravagâncias, voou para o Havaí num fim de semana para ver um show da banda U2, uma de suas paixões. O automimo lhe custou US$ 2.500. Uma manhã qualquer descobriu que nada daquilo a fazia feliz. Assim mesmo, bem clichê.
Hoje, com 41 anos, Fernanda tem uma organização para continuar as atividades descobertas na África, a Pro Planeta. Ela vive no Rio de Janeiro, e sua atuação é global. Já viajou para o Egito, Índia, Etiópia e Marrocos levando seus vídeos. Diretamente, ensinou cerca de 700 moradores de 16 comunidades a responder aos impactos das mudanças climáticas. Seu maior fracasso ocorreu no Marrocos. Numa área rural do país, foi proibida pelos homens da comunidade muçulmana de começar suas filmagens. Até hoje não sabe ao certo o motivo. Suspeita que seja porque chegou ao vilarejo com a cabeça descoberta. Sua próxima aventura agora é na América Latina. Deverá embarcar em setembro, como consultora temporária da Cruz Vermelha, em busca de novas formas para amenizar o drama das vítimas do clima. Para fazer isso, recusou um emprego fixo e bom salário numa organização das Nações Unidas. A mãe, claro, torceu o nariz.
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