Me dá sua senha?
Trocar senhas de e-mail e redes sociais é a nova prova de amor. Em tempos de traição (e paranoia) digital, é vasculhando o perfil do parceiro — e se deixando vasculhar — que muitos homens e mulheres se sentem seguros. Mesmo que, às vezes, saber de tudo traga consequências amargas
Por Andrea Dip foto Christian Von Ameln. Produção Juliana MoraesDa esq. para a dir.: Flávio e Gabriela; João e Jéssica |
"Se ele não tem nada a esconder, por que
eu não posso ler seus e-mails?”
Gabriela, 33, empresária
TENDÊNCIA MUNDIAL Assim como eles, 30% dos jovens que têm vida social virtual ativa (ou seja, passam bastante tempo em sites de redes sociais e de relacionamento) compartilham ao menos uma senha com o parceiro ou algum amigo. É o que mostra um estudo com 770 pessoas feito recentemente pelo instituto de pesquisa americano Pew Internet. Para Rosa Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP, os casais que fazem isso querem tanto expressar fidelidade e confiança que se esquecem dos riscos de exposição. “As relações foram reinventadas e a vida virtual tem se cruzado mais com a presencial. Todos precisam de uma dose de privacidade, mas como lidar com isso em uma época em que a exposição é supervalorizada? As pessoas têm prazer em compartilhar momentos íntimos da vida e, às vezes, ignoram a importância da individualidade”, diz.
O casal de empresários Gabriela Vilela, 33, e Flávio Donadio, 34, é um exemplo de como a internet invadiu as relações amorosas na última década. Eles lidam com os perfis virtuais um do outro desde o início do namoro, há nove anos. Tudo começou um mês depois do início do relacionamento. Flávio decidiu criar um perfil no orkut. Imediatamente, Gabriela pediu que ele revelasse a senha. O argumento usado foi que eles não precisavam esconder nada um do outro. Com o acesso concedido, ela fazia “varreduras” diárias na página do namorado para ver se não havia nada “suspeito”. De tanto entrar no perfil dele, demorou a criar o seu próprio e usava o de Flávio quando queria ver as páginas dos amigos em comum.
Como quem procura acha, em menos de um mês, Gabriela se deparou com um depoimento escrito por uma ex-namorada de Flávio, desses bem melosos. “Liguei na hora, surtando. Mas ele nem sabia do que eu estava falando, porque ainda não tinha visto a publicação dela.” A conversa continuou ao vivo naquela mesma noite, quando os dois se encontraram.
SAIA JUSTA Gabriela agia como uma metralhadora de perguntas, querendo saber se ele havia flertado com a menina, se os dois mantinham contato e se ele sentia saudade dela. Flávio negou tudo e disse que a ex-namorada era maluca e carente. Apesar de ter mantido a calma durante a conversa — na qual prometeu excluir a garota do seu círculo de amigos virtuais —, a briga o traumatizou, e ele decidiu encerrar sua conta no orkut e abandonar as redes sociais. Quando o myspace e twitter se popularizaram, Flávio, mesmo trabalhando com tecnologia da informação, não aderiu. Só mudou de ideia no início de 2012, quando ele e Gabriela já estavam casados, e fez um perfil no facebook.
CELULAR ABERTO Dessa vez, ela demorou dois meses para pedir a senha do marido. “Disse que queria compartilhar fotos de uns cachorrinhos que a gente pegou na rua e precisava doar.” Antes disso, ela costumava entrar no celular dele e checar mensagens e e-mails. Gabriela afirma que também viu o marido fuçando o seu celular sem pedir licença, mas diz achar graça. Ele tem as senhas dela desde o começo de namoro, porque criaram os endereços juntos e ela optou por usar o mesmo código para todas as suas contas — o que, como ela mesma admite, chega a ser perigoso. Hoje, eles não só continuam tendo todas as senhas um do outro, como também têm um aplicativo no computador que rastreia os celulares e dá a localização exata dos seus passos em tempo real. Controle demais? Eles acham que não, e defendem que o acordo mantém o equilíbrio da relação.
Para outras pessoas, no entanto, vasculhar a vida do parceiro é um hábito angustiante e, ao mesmo tempo, incontrolável. É o caso da designer A., 30 anos, que prefere não se identificar, casada há dois anos com o músico Gustavo, 42. Ambos mantinham sua privacidade nas redes sociais até seis meses atrás, quando ele deu a senha do seu perfil no facebook para que ela divulgasse um show que faria naquela noite. Feliz com o desprendimento do marido, A. abriu a página, fez a postagem e voltou ao trabalho. As coisas só começaram a mudar no dia seguinte, quando, ainda em posse da senha, ela sentiu uma vontade de fuçar as mensagens do marido que se provou maior do que o respeito à privacidade dele. “Me justifiquei dizendo a mim mesma que, se ele me deu a senha, foi porque não tinha nada a temer.” Mas o comportamento de A. virou rotina: ao menos duas vezes por dia, ela “escaneava” a página de Gustavo e analisava as interações que o marido tinha com outras mulheres. “Eu via uns recados de meninas falando umas besteiras, mas sei que isso rola porque ele é músico. Quando via que ele não dava corda, me tranquilizava.”
"Depois da briga, passei a controlar mais.
Hoje, vejo as atualizações do facebook dele direto no meu celular”
A., 32, designer
MEDO DO ABANDONO Segundo Dinah, “nossa cultura estimula concessões exageradas”. Essa vontade de investigar o amado nada mais é do que o medo de ser abandonada. “Pode ser uma imaturidade emocional, uma incapacidade de confiar em si mesmo e de respeitar o espaço do outro.” Ao incorporar o esquema “não temos nada a esconder”, os casais deixam de cultivar a individualidade e pioram a relação, diz a psicóloga. Editor do site de tecnologia Gizmodo, o crítico Sam Biddle comentou o assunto em sua coluna online. Assustado com o avanço do fenômeno, definiu o compartilhamento de senhas como “um eixo de intimidade do século 21”, e disse que considera o ato uma decisão errada. “Conheço muitos casais que compartilharam suas senhas. Não sei de nenhum que não tenha se arrependido.” Você encararia?
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