ips 1 300x225 O desafio de ser uma mulher maasai
Nações Unidas, 14/5/2013 – A tribo maasai, do Quênia e da Tanzânia, foi durante muito tempo um modelo de cultura tradicional para muitos africanos, e também para ocidentais que realizavam safáris em suas terras de Maasai Mara, Samburu ou Amboseli. Contudo, deixando de lado a familiaridade dos turistas, estes indígenas enfrentam em seu caminho muitos dos obstáculos também enfrentados por outras comunidades marginalizadas de todo o mundo.

William Kikanae, líder comunitário de sua aldeia maasai em Maasai Mara, conversou com a IPS em Nova York, durante o lançamento de uma iniciativa da marca espanhola de sapatos Pikolinos, para dar oportunidades econômicas a mulheres das tribos locais. “Primeiro, sei por mim mesmo que as mulheres são a parte mais importante da família”, disse à IPS. Porém, “para o povo maasai as mulheres não são importantes. Elas não têm o mesmo poder que os homens”, observou.

Como diretor da organização Adcam para o Quênia, Kikanae trabalha com marcas de outros países, como a Pikolinos, em projetos que permitam às mulheres de sua comunidade ganhar dinheiro. Por meio do Projeto Maasai, as mulheres da tribo bordam sandálias que são enviadas à Espanha para seu acabamento e venda em todo o mundo. Os ganhos retornam à comunidade em forma de projetos de desenvolvimento como escolas, clínicas e moradias.

“Antes, os homens da minha comunidade pensavam que eu apoiava as mulheres para estar no poder mais do que elas”, contou Kikanae em relação ao Projeto Maasai. “Não estamos contra ninguém. Agora posso dizer que inclusive nossos políticos estão orgulhosos do projeto”, acrescentou. Uma funcionária do governo e médica da tribo maasai, que pediu para não ser identificada, disse que apoiar as mulheres e impulsioná-las para a primeira linha do desenvolvimento é uma maneira significativa de conseguir mudanças dentro da comunidade.

“As mulheres não podem ser donas do gado que criam, mas se forem educadas isto mudará. Nem tudo está perdido para quem não foi à escola. Se seus homens permitirem que comercializem leite ou artesanato, elas poderão gerar renda para suas famílias”, disse a médica à IPS. As comunidades pobres sempre são exploradas e estão escassamente representadas no tocante à ajuda, por isso, quando uma tribo como a maasai se associa a uma organização do exterior, é natural que haja ceticismo.

“O problema começa nos intermediários. Estes são homens que se supõem fazem a ligação da comunidade com ‘os que ajudam’. Estas pessoas aproveitarão a oportunidade de explorar a comunidade para atingirem suas próprias ambições, enquanto uma parte muito pequena da ajuda chega às beneficiárias”, advertiu a funcionária. “Como a educação está atrasada, os poucos indivíduos educados usam a ignorância da maioria em benefício próprio. Por isso, em poucas palavras, é possível que o aldeão comum não consiga estabelecer essa diferença”, destacou.

As mulheres maasai não costumam negar os problemas que têm pela falta de instrução. Entendem que quanto mais gente educada existir em sua comunidade menos serão vítimas de exploração. Mas os velhos padrões permanecem. Em muitas aldeias africanas, somente se uma menina é considerada “inútil” em sua família (resistindo a se casar jovem, a realizar as tarefas domésticas ou cuidar do jardim) é que acaba enviada para a escola. Isto causa uma discriminação nas oportunidades e faz com que a educação seja inacessível para os que a desejam. Mesmo atualmente, é visível a dicotomia tradição-modernidade.

Além disso, o fato de dentro da família não estarem atendidas as necessidades básicas, por exemplo de eletricidade ou transporte para a escola, dificulta muito o desempenho de um estudante da área rural. “Imagine-se tendo de fazer os trabalhos domésticos à luz de fogo ou caminhando longas distâncias e ainda ir à escola”, ponderou a médica. Para alguém de fora da comunidade pode parecer que as mulheres maasai não têm respiro, já que sofrem desde a falta de serviços de saúde – especialmente a materna, o que leva muitas a morrerem ao darem à luz –, até a propagação do HIV/aids, assunto sobre o qual a maioria prefere não falar.

“Os homens vão às cidades, vendem vacas ou trabalham, mantêm relações com as mulheres do lugar e trazem o vírus para casa”, apontou a médica. “As mulheres não ouviram falar em preservativos ou de negociar para manter relações sexuais seguras”, ressaltou. Como em outras sociedades do mundo, a propagação do HIV/aids está diretamente vinculada à educação, e, quando meninos e meninas não recebem informação sobre saúde sexual, o ciclo perpétuo da enfermidade continua.

A estas preocupações se soma o crescente problema do deslocamento de pessoas. “Os homens vendem vastos setores de Maasialand, às vezes sem as esposas saberem. Isto ocorre desde Kitengela até Namanga, na fronteira. Outras comunidades estão comprando esta terra, e em pouco tempo os maasai entrarão em áreas de acesso muito difícil. Para a funcionária, os líderes atuais têm vista curta para ver que está sendo forjada uma catástrofe”. Para facilitar o desenvolvimento dos maasai, “é preciso uma boa liderança que guie este processo, para não haver exploração”, enfatizou.

Com educação e uma boa liderança, os obstáculos enfrentados pela tribo são abordados lentamente. Uma a uma, as mulheres maasai têm mais probabilidades de reavaliarem as necessidades de suas famílias e de sua comunidade, ao mesmo tempo em que trabalham juntas com organizações locais e internacionais para conseguir uma mudança, ressaltou a funcionária. Envolverde/IPS

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