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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Adoção internacional no ordenamento jurídico brasileiro e a possibilidade de tráfico de crianças e adolescentes

Adriana Pereira Dantas Carvalho
Resumo: O presente trabalho traz breves reflexões acerca da possibilidade de acontecer tráfico de crianças e adolescentes decorrentes da adoção internacional. E para melhor compreender o assunto será abordado como se dá o processo de adoção internacional, principalmente a sua fiscalização e responsabilização dos entes internacionais envolvidos nesse procedimento visando assim coibir o tráfico. Para tanto, será utilizada como procedimento metodológico, a pesquisa bibliográfica, bem como um estudo da legislação pertinente ao assunto.
Palavras-Chave: Adoção Internacional – Tráfico – Crianças e Adolescentes.
AbstrctThis work brings brief thoughts about the possibility of happening trafficking of children and adolescentes due to International adoption. And to better understand the issue will be addressed as is the process of international adoption, particularly its oversight and accountability of international entities involved in this procedure thus aiming at curbing trafficking. For this purpose will be used as a methodological procedure the research literature as well as a study the relevant legislation.
Keyword: International Adoption – Trafficking – Children and Adolescents.
Sumário: Introdução 1. Evolução histórica da adoção no Brasil 2. Adoção Internacional 3. Tráfico de crianças e adolescentes. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Falar em adoção não é algo tão simples, visto que se trata de uma relação de afeto e de vontade, onde uma pessoa escolha outra para ser filho e com para ela criar uma relação de parentesco.
Embora a adoção não seja um instituto novo, ainda ocorre um grande receio da população em se admitir que se permita concedê-la a pessoas estrangeiras, tendo em vista os grandes casos de tráficos de crianças e adolescentes, hoje, assunto muito debatido, porém ainda não coibido de forma absoluta.
O Brasil, mesmo ratificando tratados internacionais e permitindo em caráter excepcional a adoção de crianças e adolescentes a estrangeiros, possui instrumentos legais que acabam burocratizando ainda mais este tipo de adoção para se tentar evitar o máximo possível o tráfico.
O presente trabalho abordará de forma não tão exaustiva como se dá o processo de adoção no Brasil bem como no cenário internacional, já que o país permite a adoção de crianças e adolescentes por estrangeiros mesmo que em caráter excepcional, após se esgotar todas as possibilidades dessas pessoas serem adotadas no Brasil, tentando se preservar o melhor interesse para elas.
Para tanto, será utilizada como procedimento metodológico, a pesquisa bibliográfica, bem como um estudo da legislação pertinente ao assunto.
Serão destacados alguns pontos importantes como a evolução histórica da adoção no Brasil, como uma forma de se conhecer um pouco os instrumentos legais reguladores desse procedimento, como se dá o processo da adoção internacional e por fim, a questão do tráfico de crianças e adolescentes e de que forma o país tenta coibir essa prática.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ADOÇÃO NO BRASIL
O cenário jurídico brasileiro contou com passagens marcantes quanto ao processo de adoção, podendo se destacar o Código Civil de 1916[1], que dava o mesmo tratamento legal para a adoção de maiores bem como de menores de idade. Esse tipo de procedimento era conhecido apenas como adoção simples, sendo regularizada apenas através de uma escritura pública, permitindo o vínculo familiar, de parentesco, somente aos pais e filhos, ou seja, adotante e adotado.
Muito tempo depois, surge uma nova Lei de nº 4.655∕65[2] traçando mais alguns requisitos para o processo de adoção, passando-a a se chamar legitimação adotiva, dependendo assim de uma decisão judicial, tendo como características a irrevogabilidade e rompimento do vínculo familiar com a família natural.
O tão conhecido Código de Menores, criado através da Lei de nº 6.697∕79[3], também conhecido como Código de Mello Matos, embora repetindo alguns conteúdos da lei anterior, criou a adoção plena e com isso possibilitou a inserção dos nomes dos pais dos adotantes no registro do menor adotado, no caso os avós.
O Brasil percorreu um longo caminho para regulamentar o processo de adoção e para isso paradigmas foram rompidos, principalmente a partir da Constituição Federal de 1988, que proibiu qualquer tipo de distinção entre filhos adotivos e filhos concebidos de forma natural, conforme estabelece em seu art. 227 § 6º : “ Os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL[4]).
Em 1990, a Lei nº 8.069 cria o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA[5], que passou a regulamentar a adoção de menores de idade, continuando a regular a adoção dos maiores de idade, o código civil. Essa legislação específica adotou o princípio da proteção integral às crianças e adolescentes, priorizando sempre o seu melhor interesse. Conforme preceituado em seu art. 3º que determina:
“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.
O referido Estatuto criou um sistema de proteção à criança e ao adolescente, considerando-os como pessoas em desenvolvimento e por esta condição, detentores de direitos e prioridade absoluta.
Como pôde ser observado a Constituição Federal de 1988 foi um divisor de águas possibilitando os mesmos direitos para todos os filhos.
 Somente no ano de 2009, é criada a Lei Nacional de Adoção nº 12.010[6], passando a reger no ordenamento jurídico brasileiro, a adoção de crianças e adolescentes, bem como de adultos que já estivessem sob a guarda ou tutela dos adotantes.
Essa Lei veio tutelar o fortalecimento dos vínculos familiares originais, possibilitando que a criança e o adolescente permaneçam no seio de sua família natural, ampliando os deveres do Estado, inclusive com a implementação de políticas públicas assistenciais à família, permitindo a adoção apenas em caráter excepcional.
A família, a sociedade e o Estado são responsáveis pelas crianças e adolescentes e precisam trabalhar em conjunto para proporcionar o cumprimento da proteção integral e bem como da prioridade absoluta dessas pessoas.
Falando na origem da palavra, adoção, segundo Liberati[7], vem do latim, adoptio, que significa dar seu nome a alguém, acolher uma pessoa como filho.
Conforme define Dias[8]: A adoção cria um vínculo fictício de maternidade-paternidade – filiação entre pessoas estranhas, análogo ao que resulta da filiação biológica.
Uma pessoa passa a ter um filho de outrem como se fosse seu, uma relação fundada no afeto, feliz as palavras de Fachin repetidas por Dias[9]: “trata-se de modalidade de filiação construída no amor, gerando vínculo de parentesco por opção”.  Seria a escolha de amar alguém, pois a adoção deriva de um ato de vontade de ser mãe, pai ou os dois concomitantemente.
 A adoção, uma das formas de colocação em família substituta, só deve ser utilizada quando se esgotarem todos os meios possíveis para manter a criança ou adolescente no seio de sua família natural. Com esse intuito, a Lei 12.010∕2009[10] trouxe mais uma modalidade de família, a extensa, ampliando ainda mais essa possibilidade de permanência do núcleo familiar de origem.
Tartuce[11] define o que se entende por família extensa:
“Aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”.
Rossato[12] traz um resumo de forma bem didática e de fácil compreensão do que deve ser observado no processo de adoção, inclusive, na internacional:A
Após feitas essas considerações acerca da adoção, passa-se agora a análise do tema propriamente dito, objeto de interesse do presente artigo, a adoção internacional.
2. ADOÇÃO INTERNACIONAL
Antes de se adentrar na adoção internacional, faz-se necessário trazer alguns comentários acerca de como surgiu este tipo de adoção.
Finda a Segunda Guerra Mundial, a adoção de crianças e adolescentes por estrangeiros passou a ser frequente, visto o grande número de menores órfãos, sem condições de permanecerem com suas famílias. Alguns países ficaram destruídos, mas outros sofreram menos e esses acabaram acolhendo essas crianças vítimas dessa grande tragédia. A partir daí diversos Estados foram realizando acordos, onde a adoção internacional passou a ser solução para grande parte dos problemas (COSTA[13]).
O Brasil também passou a aderir a tratados, acordos e convenções internacionais para permitir a adoção por estrangeiros. Esse assunto não é recente, mas bastante discutido principalmente para preservar o melhor interesse para os adotandos.
O Congresso Nacional aprovou a Convenção de Haia[14], que começou a vigorar em Abril do ano de 1995, contendo em seu artigo 1 e 5, o objetivo e os elementos necessários para adoção internacional respectivamente:
“Art. 1. A presente convenção tem por objetivo:
a)    Estabelecer garantias para que as adoções internacionais sejam feitas segundo o interesse superior da criança e com respeito aos direitos fundamentais que lhe reconhece o direito internacional;
Art. 5. As adoções abrangidas por esta Convenção só poderão ocorrer quando as autoridades competentes do Estado de acolhida:
a)    tiverem verificado que os futuros pais adotivos encontram-se habilitados e aptos para adotar;
b)    tiverem-se assegurado de que os futuros pais adotivos foram convenientemente orientados;
c)     tiverem verificado que a criança foi ou será autorizada a entrar e a residir permanentemente no Estado de acolhida.”
Esta convenção tem o intuito de que a adoção internacional venha apresentar real vantagem para crianças e adolescentes que não conseguem uma família substituta no seu próprio país, atuando de forma preventiva e repressiva ao tráfico, assegurando acima de tudo a preservação dos direitos fundamentais e respeitando o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Essa preocupação pode bem ser observada no artigo 8 da Convenção[15] que estabelece:
“As Autoridades Centrais tomarão, diretamente ou com cooperação de autoridades públicas, todas as medidas apropriadas para prevenir benefícios materiais induzidos por ocasião de uma adoção e para impedir qualquer prática contrária aos objetivos da Convenção”.
A Constituição Federal, em seu art. 227 § 5º estabelece que: “A adoção será assistida pelo poder público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros (BRASIL[16]).
O legislador brasileiro incorporou ao Estatuto da Criança e do Adolescente os dispositivos legais que contém regras e condições para a realização da adoção internacional estabelecidas na Convenção de Haia como se pode observar nos artigos art. 51 a 52-D.
O art. 51 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece o que vem a ser uma adoção internacional (BRASIL[17]):
“Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme previsto no art. 2º da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, aprovada pelo Decreto Legislativo 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto 3.087, de 21 de junho de 1999.
Como se pode observar, o que determina a realização da adoção internacional, é justamente, o adotante residir ou morar fora do país. Isso quer dizer que não seria aquela feita por estrangeiros, necessariamente, mas é internacional em razão do domicílio, critério territorial.
Antes de se estabelecer os requisitos necessários para a efetivação do processo de adoção internacional, há de se trazer um comentário realizado por Stolze e Gagliano[18] que serve de reflexão:
“Se por um lado, não podemos deixar de incentivar a adoção, como suprema medida de afeto, oportunizando às nossas crianças e aos nossos adolescentes órfãos uma nova vida, com dignidade, por outro, é de se ressaltar a necessidade de protege-los contra graves abusos e crimes.”
Trata-se de um assunto bastante delicado tendo em vista a incerteza do real benefício que a adoção internacional poderá trazer ou não aos adotados.
A adoção internacional se apresenta como exceção da exceção e para realização desse processo há de se observar alguns critérios. Inicialmente as pessoas interessados em adotar devem se habilitar perante a autoridade central em matéria de adoção internacional no seu país de origem, conforme estabelecido na Convenção de Haia (ROSSATO[19]).
Pode se observar o maior rigor da adoção internacional, pois os adotantes precisam se habilitar em seu país, que deve está aderido à Convenção, para só após se habilitar no país onde irá adotar. Essa é uma forma de proteger a saída do país de crianças e de adolescentes adotados apenas de forma regular, inviabilizando a ocorrência de fim diverso do previsto na lei.
São dois países envolvidos, um de origem e outro de acolhida, onde há um acordo de cooperação ratificado através da convenção.
Conforme estabelece o § 3º do art. 51 do ECA: “A adoção internacional pressupõe a intervenção das Autoridades Centrais Estaduais e Federal em matéria de adoção internacional (BRASIL[20]).
Para melhor viabilizar a Convenção de Haia, o Decreto de nº 3.174[21], estabeleceu como autoridade central brasileira a secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, com a finalidade de credenciar as organizações que cuidam da adoção internacional, para realizar a intermediação no processo de adoção.
A adoção internacional requer a realização de duas fases, uma preparatória e de habilitação, onde há a concretização das providências perante às autoridades centrais, com a emissão de relatórios e a fase do procedimento judicial, referente ao processo judicial propriamente dito (ROSSATO[22]).
O ECA[23] estabelece um período de convivência mínima entre adotando e adotante que será de 30 (trinta) dias a ser cumprido no território nacional, quando se tratar de adoção internacional (Art. 46 § 3º).
Para assegurar e proteger crianças e adolescentes que serão adotados por estrangeiros, o Brasil só permite a saída dos adotados do território nacional após o trânsito em julgado da sentença judicial que concedeu a adoção e após a expedição de alvará com autorização de viagem (LOBÔ[24]).
Dentre as atividades desenvolvidas pelos organismos credenciados que atuam na adoção internacional, há de se destacar duas: apresentar à Autoridade Central Federal brasileira, a cada ano, relatório geral das atividades desenvolvidas, bem como relatório de acompanhamento das adoções internacionais efetuadas no período, cuja cópia será encaminhada ao Departamento de Polícia Federal e enviar relatório pós-adotivo semestral para a autoridade Central Federal brasileira, pelo período de 2(dois) anos. O envio do relatório será mantido até a juntada de cópia autenticada do registro civil, estabelecendo a cidadania do país de acolhida para o adotado (BRASIL[25]).
Essa medida visa, sem dúvida, proteger as crianças e adolescentes que estão sendo adotados por estrangeiros, bem como evitar fim diverso ao da que a adoção internacional se propõe.
O cadastro de adotantes deve ser consultado antes do deferimento da adoção conforme pode ser observado da jurisprudência abaixo Rossato[26] :
“Civil – Adoção por casal estrangeiro. O juiz da Vara da Infância e da Juventude deve consultar o cadastro centralizado de pretendentes, antes de deferi-la a casal estrangeiro. Hipótese em que, a despeito de omissão a esse respeito, a situação de fato já não pode ser alterada pelo decurso do tempo. Recurso especial não conhecido” (REsp. 159.075∕SP, 3ª.t.,j 19.04.2001, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 04.06.2001, p.168).
Quanto à irrevogabilidade da adoção Lôbo[27] traz o seguinte:
“A adoção é irrevogável e não pode ser extinta por ato das partes. Todavia o Tribunal de Justiça de Santa Catarina admitiu excepcionalmente a dissolução de adoção, em demanda ajuizada consensualmente pelo adotante e adotado – vínculo estabelecido entre o filho e o marido da mãe biológica que, após quatro anos da consolidação do processo adotivo, separou-se do adotante – em virtude de inexistência de qualquer vínculo afetivo entre os envolvidos, que acabou gerando a instabilidade psicológica do adotado em face da obrigação de manter um sobrenome com o qual não se identificava, fundamentando-se no princípio da dignidade da pessoa humana” (Ap. Cív. 032504-8).
Caso a adoção não fosse irrevogável, vários transtornos seriam causados aos adotandos, principalmente psicologicamente, por isso se faz indispensável um período de convivência para que os adotantes tenham plena certeza de que estão fazendo a coisa certa. A adoção, por si só, já não é um processo fácil, e a dúvida e incerteza contribuiriam de forma negativa para a conclusão desse procedimento.
O Ministério Público atuará no processo de adoção com a finalidade de resguardar os direitos das crianças e adolescentes conforme estabelecido no art. 52-C § 1º e 2º do ECA[28] que dizem respectivamente:
“§ 1º. A Autoridade Central Estadual, ouvido o Ministério Público, somente deixará de reconhecer os efeitos daquela decisão se restar demonstrado que a adoção é manifestamente contrária à ordem pública ou não atende ao interesse superior da criança e do adolescente.
§ 2º. Na hipótese de não reconhecimento da adoção, prevista no § 1º, deste artigo, o Ministério Público deverá imediatamente requerer o que for de direito para resguardar os interesses da criança ou do adolescente, comunicando-se as providências à Autoridade Central Estadual, que fará a comunicação à Autoridade Central Federal e à Autoridade Central do país de origem.”
Não seria egoísmo da nossa sociedade, impedir a adoção por pessoas residentes fora do país, que querem adotar que crianças e adolescentes que se encontram à espera de uma família que nunca chega?
A adoção por estrangeiros vem a ser mais uma oportunidade para crianças e adolescentes serem inseridos em uma família substituta. Essa adoção internacional para ser concretizada vem acompanhada de um grande elenco de requisitos que devem ser cumpridos pelos adotantes e países envolvidos.
Quanto à adoção por estrangeiro, Nader[29] contribui dizendo:
“Há uma grande preocupação, por parte de pessoas envolvidas na questão social, em torno das adoções por estrangeiros residentes fora do país. Receia-se que possa haver desvio de finalidade, especialmente em relação aos adolescentes, muitas vezes vítimas de exploração de toda sorte. O fundamental da matéria, mais uma vez, é o benefício para o menor, a sua convivência legítima, não estando em jogo qualquer interesse egoísta da nacionalidade. Se há crianças e adolescentes à espera por adoção, em longas filas de espera, não há razão para se impedir o procedimento de candidatos estrangeiros.”
A adoção internacional ainda gera várias polêmicas, com adeptos que se manifestam contra a concessão da medida visto que os riscos provenientes de um processo irregular podem estimular e facilitar o tráfico bem como a violação do direito à identidade da criança, como a sua nacionalidade, nome e relações familiares (PEREIRA[30]).
Na Argentina, a adoção vem regulamentada no Código Civil Argentino[31], a partir do artigo 311, e se difere um pouco dos requisitos exigidos na legislação brasileira para a concretização do processo de adoção, como é possível exemplificar, a idade mínima para adotar, modalidade de adoção simples e plena.
O Código Civil Argentino traz apenas em dois artigos 339 e 340 os efeitos trazidos pela adoção no estrangeiro, nada dispondo a respeito da adoção internacional. Isso demonstra o intuito de se evitar esse tipo de adoção, possivelmente, visando-se reprimir o tráfico.
 Alguns países embora contenham dispositivos legais que regulem a adoção internacional no seu ordenamento jurídico interno, realizam a adoção sem observância dos critérios necessários e acabam, mesmo que involuntariamente, facilitando o tráfico de crianças e adolescentes conforme será abordado a seguir.
3. TRÁFICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
O tráfico de pessoas é um assunto a tempo discutido, mas que continua tendo uma amplitude mundial, causando uma grande preocupação no cenário internacional pela complexidade do assunto.
Em 2004, foi publicado um Decreto de nº 5.017[32], chamado de protocolo adicional à convenção das nações unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças e em seu art. 3 dispôs que:
“A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos; b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a); c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados "tráfico de pessoas" mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente Artigo; d) O termo "criança" significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos.”
Esse protocolo teve como objetivos prevenir e combater o tráfico de pessoas, prestando uma atenção especial às mulheres e às crianças; b) Proteger e ajudar as vítimas desse tráfico, respeitando plenamente os seus direitos humanos; e c) Promover a cooperação entre os Estados Partes de forma a atingir esses objetivos, conforme consta no artigo 2 do referido protocolo.
Pode se observar que esse protocolo apresenta uma grande preocupação na esfera internacional quanto ao tráfico, principalmente com as mulheres e crianças.
O Brasil, ratificando a Convenção sobre os Direitos da criança, tem a obrigação de prevenir e coibir todos os crimes que envolvem a adoção internacional bem como a saída ilegal de crianças e adolescentes para o exterior.
Como pode ser observado pela Convenção de Haia[33] em seu artigo 1:
“b) Instaurar um sistema de cooperação entre os Estados Contratantes que assegure o respeito às mencionadas garantias e, em consequência, previna o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças”.
Depreende-se da convenção a preocupação em evitar que ocorra um fim diverso do estabelecido por ela.
O art. 239 do ECA[34] estabelece que:
“Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança e adolescente para exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro: Pena – reclusão de 4(quatro) a 6(seis) anos e multa. Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena – reclusão, de 6(seis) a 8(oito) anos, além da pena correspondente à violência.”
Neste artigo se configura a grande preocupação das entidades governamentais ao se realizar a adoção internacional sem o cumprimento das exigências legais, e acarretar no tráfico de crianças e adolescentes.
Dois elementos devem ser citados ao se configurar esse crime, o tráfico compreendido na saída de crianças e adolescentes e a obtenção de lucro, a vantagem pecuniária recebida. Esse crime deve ser julgado pela justiça federal conforme estabelece a Constituição Federal em seu art. 109 que diz: Aos juízes federais compete processar e julgar: V- os crimes previstos em tratado ou convenção, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro reciprocamente (BRASIL[35]).
Pereira[36] contribui dizendo que:
“Diante de inúmeros problemas vinculados ao tráfico de crianças, existe uma cadeia de pessoas envolvidas: hospitais, funcionários públicos, membros do judiciário, sem afastar a atuação dos profissionais liberais inescrupulosos, participantes deste sistema milionário de comércio de crianças.”
Como pode ser observado existe uma responsabilização social muito grande do poder público e da sociedade em fiscalizar de forma eficaz e eficiente a realização de processos de adoção, principalmente, os internacionais para coibir esse tipo de prática criminosa.
Silveira[37] utilizando as palavras de Marques define o tráfico de criança com o fim de adoção como:
“O processo visando à transferência internacional definitiva de adoção da criança de um país para outro, em que qualquer um dos envolvidos (pais biológicos, pessoas que detêm a guarda, as crianças, os terceiros ajudantes ou facilitadores, as autoridades ou os intermediários) recebe algum tipo de contraprestação financeira por sua participação na adoção internacional”.
Devido a uma inversão de valores, sociais, culturais e econômicos, as pessoas passaram a ser tratadas como coisas, objeto de comercialização, como se fossem mercadorias.
A adoção internacional aos poucos vem perdendo a sua finalidade primordial que é a colocação de crianças e adolescentes em famílias substitutas depois de esgotadas as possibilidades de permanência delas em sua família natural, com o objetivo de proporcioná-las um lar, amor, uma família; passando a ter um fim criminoso, gerando uma atividade econômica.
Mesmo havendo uma série de cuidados quanto à adoção internacional, os problemas dela decorrentes ainda têm se sido bastante discutido, até porque há uma mudança não só de país, mas cultural e social, além da maior preocupação que é a concretização de fim diverso do estabelecido em lei.
A adoção internacional realizada atendendo todas as exigências legais, com a participação das Autoridades Centrais dos países envolvidos, dificilmente concederá uma adoção irregular. Precisamos oportunizar cada vez mais a adoção de crianças e adolescentes, livrando-as de maus tratos e abusos os quais muitas vezes são submetidas, proporcionando-as um lar acolhedor com amor e carinho.
A jurisprudência abaixo vem demonstrar que devemos sempre buscar o melhor interesse para crianças e adolescentes:
“APELAÇÃO CIVEL - AÇÃO DE ADOÇÃO - PRESENÇA DA SITUAÇÃO DE RISCO DO MENOR - HOMOLOGAÇÃO POR SENTENÇA DE RENÚNCIA DO PODER FAMILIAR E GUARDA, POR PARTE DA MÃE BIOLÓGICA - ADOTANTE BRASILEIRA E SOLTEIRA - AUSENTES OS REQUISITOS DA ADOÇÃO INTERNACIONAL - ART. 51 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ART. 1.629 DO CÓDIGO CIVIL - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL AO MENOR - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO - DECISÃO UNÂNIME.
- A adoção da espécie internacional é aquela em que está presente um adotante estrangeiro ou um casal estrangeiro.” AC 2008204280 SE Relator(a):DES. ROBERTO EUGENIO DA FONSECA PORTO Julgamento: 16/06/2008 Órgão Julgador: 1ª.CÂMARA CÍVEL [38]
Essa jurisprudência vem demonstrar a seriedade de como o processo de adoção é conduzido, exigindo todos os requisitos necessários para a concretização desse procedimento conforme disposição legal, evitando-se o risco para crianças e adolescentes que se encontram aptas a serem adotadas.
“AÇÃO RESCISÓRIA. ADOÇÃO INTERNACIONAL. RESCISÃO DE SENTENÇA. IRREGULARIDADES NO TRÂMITE DO PROCESSO. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO MENOR EM DETRIMENTO DAS FORMALIDADES. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E PROTEÇÃO ABSOLUTA.
1.Compulsando os autos da ação, verifica-se que o Órgão Ministerial objetiva rescindir sentença prolatada por juiz monocrático nos autos de processo de adoção internacional, que se deu sem a observância de formalidades elencadas pelo Estatuto da Criança e Adolescente.
2.Ocorre que, desde a data da interposição da ação em questão já se passaram 9 (nove) anos. E não se pode olvidar que, diante deste vasto lapso temporal, entre a criança e seus pais adotivos foram criados laços afetivos e psicológicos.3.Diante da situação fática que se encontra sobejamente consolidada, retirar a criança do seio familiar em que vive com aqueles que reconhece como pais há 9 (nove) anos configuraria uma medida demasiadamente violenta, ensejadora de danos irreversíveis, que iria de encontro ao princípio do melhor interesse da criança, bem como da prioridade absoluta.4.Em sendo assim, não se justifica decretar-se uma nulidade que se contrapõe ao interesse de quem teoricamente se pretende proteger. AR 354598 PE 0003815-31.1998.8.17.0000. Relator: Bartolomeu Bueno. Julgamento 07/06/2011. Órgão julgador: 1ª Câmara Cível.”[39]
Como já foi mencionado o processo de adoção deve atender uma série de exigências determinadas pelo Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, bem como a Convenção de Haia e Protocolos internacionais, no caso de adoções internacionais, tudo, com a finalidade de se preservar acima de tudo o melhor interesse da criança e do adolescente. Nesse exemplo, em particular, houve a criação de vínculos afetivos e psicológicos, que poderiam trazer danos irreversíveis na formação dessa criança, caso essa situação tivesse sido resolvida de forma diferente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Adotar um filho é um gesto de nobreza, é escolher alguém para amar e dar a esta pessoa a condição de filho, é criar um parentesco por afetividade, além de do parentesco civil decorrente do processo adotivo.
Quando se passa a vislumbrar a adoção fora do nosso território, mesmo que em caráter excepcional, vem atrelado a essa idéia, a possibilidade de ocorrer tráfico de crianças e adolescentes.
Como podemos permitir a saída de crianças e adolescentes brasileiros para serem adotados por estrangeiros? Será que não temos famílias suficientes no Brasil para acolherem essas pessoas?
Esse assunto sempre foi e ainda será muito discutido visto que há uma premente preocupação com a saída irregular de crianças e adolescentes do país, decorrente do grande incidente de tráfico de pessoas, como diariamente é noticiado em jornais, televisões, inclusive como temática de novelas, como uma forma de alertar a população para esse tema.
A adoção internacional tem sido aderida por vários países, embora muitos prefiram não permiti-la diante dos riscos inerentes a esse processo.
A nova lei brasileira, 12.010∕2009, sem dúvida, trouxe inúmeros benefícios para o processo de adoção, principalmente, quanto à internacional ao ser concedida apenas em caráter excepcional, exigindo a participação das Autoridades Centrais dos países envolvidos, cercando-se de todos os cuidados necessários para se evitar o tráfico.
O uso de forma irregular do processo de adoção deve ser cada vez mais reprimido pelos países que permitem a adoção internacional, principalmente àqueles que ratificaram a Convenção de Haia.
Conforme estabelecido no próprio Estatuto, haverá um acompanhamento da adoção internacional pelo período mínimo de 2 (dois) anos e isso vem mostrar a preocupação com este tipo de adoção, preservando sempre o melhor interesse da criança e adolescente, respeitando-se sempre os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, considerando-os como pessoa em desenvolvimento.
O que não é possível permitir é que crianças e adolescentes fiquem em abrigos na espera de uma família que nunca vem. Os estrangeiros, na maioria das vezes, não apresentam muita exigência como os brasileiros, referente a idade, sexo e cor de pele.
O Brasil deve sim estimular a adoção internacional desde que sejam cumpridos todos os requisitos legais necessários para a realização desse processo, possibilitando assim a inserção de crianças e adolescentes em uma família substituta, onde eles poderão ter afeto e um desenvolvimento sadio.
Não se concebe a idéia de os brasileiros não adotarem e muito menos de negar as essas pessoas o direito de ter uma família.
O Estado deve fiscalizar de forma bastante efetiva esse processo de adoção internacional, evitando qualquer irregularidade, e garantindo às crianças e adolescentes adotadas a preservação de seus direitos, com respeito ao princípio do melhor interesse, proteção integral e acima de tudo o da dignidade da pessoa humana.

Adriana Pereira Dantas Carvalho
Especialista em Direito Educacional e Direito Processual e Mestre em Psicologia da Educação com linha de pesquisa em Gestão Educacional, no Instituto Superior de Línguas e Administração – ISLA e Doutoranda em Direito Civil na UBA. Professora e Coordenadora da Faculdade de Direito de Garanhuns-FDG

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