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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Os donos do mundo

Como lidar com aquelas pessoas que invadem o espaço alheio com abusos cotidianos e estragam o bom humor

Não bastasse a noite maldormida por culpa de um vizinho que teima em bater portas e ouvir os CDs da banda Metallica nas horas mais impróprias, um colega deixa, pela enésima vez, logo na sua mesa, o copinho sujo de café. Você respira fundo, joga-o no lixo e resolve recomeçar o dia. Abre a gaveta e vê que alguém levou o seu grampeador sem falar nada. E, pior, ao tentar imprimir o texto, pronto desde o dia anterior, descobre que a impressora – que todo mundo usa, mas ninguém reabastece – está sem papel. Pode parecer exagero, mas atitudes como essas, pequenas, mas irritantes, pioram muito a qualidade de vida. Contrariedades tolas contribuem para o que os ingleses chamaram, em recente pesquisa, de stress invisível. Os maiores focos de irritação detectados pelo estudo foram: celular ligado em reuniões (85% das reclamações), não reabastecer copiadora, fax ou impressora (75%), fofocar (60%) e “pedir emprestados” objetos sem devolver (50%). Não é só lá que isto acontece. Consultados via Internet, os leitores de ISTOÉ revelaram que, no escritório, se aborrecem mais com fofocas e boatos (24%) e com cigarros queimando no cinzeiro (24%). Na vizinhança, o que mais incomoda é o barulho fora de hora (55%) e um carro estranho parado em frente à garagem (17%).
A jornalista Célia Ribeiro, autora de vários livros sobre etiqueta, considera que invadir o espaço ou a vida alheia é falta de civilidade. “Pessoas que agem assim são os famosos donos do mundo”, classifica Célia. E as piores invasões são a fofoca e o boato. Uma frase maliciosa pode gerar grandes transtornos. Há dez anos, Edson Ferro, 40 anos, foi lecionar numa escola de São Paulo. Bonito e comunicativo, foi aconselhado a ser formal com as alunas adolescentes. Algum tempo depois, ciosa do interesse que ele despertava, uma professora inventou que ele era casado e tinha filhos gêmeos. O boato foi o assunto da escola por semanas e o obrigou a se explicar com a diretora, que estranhou que ele tivesse omitido a informação na entrevista de emprego. “Acharam que eu agia de má-fé”, conta ele. Hoje ele é decorador e, em sua loja de moda cigana, a Gypsy Company, não falar da vida alheia é regra básica.
Pelo menos em tese, temos de manter relações cordiais com vizinhos e colegas de trabalho. Mas nem sempre isso é possível. Criado há quatro anos e funcionando há três em Brasília, o Juizado Especial Cível de Pequenas Causas abre em média 40 processos por dia. Boa parte deles trata de vizinhos brigões. No cardápio, problemas triviais: infiltrações, som alto demais, animais domésticos. “Briga de vizinho é o caso mais difícil de conciliar. As pessoas preferem entrar na Justiça do que bater na porta em frente e tentar conversar”, constata Alexandre Guimarães Fialho, diretor da Central de Distribuição dos juizados. Na cidade-satélite de Taguatinga, um vizinho processou o outro porque as folhas da árvore em seu terreno caíam dentro de sua piscina. O caso acabou em acordo, mas a árvore foi cortada para a piscina ficar limpa.
Situações incômodas exigem que se aponte com clareza ao vilão que ele está incomodando. Como fazer isso sem ofender? Para a consultora de etiqueta Célia, o caminho é ser franco sem ser rude. “Olhar nos olhos da pessoa, sorrir e falar com voz delicada ajudam muito”, diz. O humor e a ironia leve também são úteis. Há bastante tempo na mesma empresa, a assistente social Lucy Gonçalves Rebelo, 39 anos, usa a brincadeira para se proteger. Ela trabalha numa sala com outras 20 pessoas e sua impressora fica num corredor. Cada um que passa pega uma folha e, quando ela precisa, cadê? “Digo: ‘Ei você, que sempre rouba minhas folhinhas, coloca papel aí.’ Às vezes, o bom humor custa algum esforço. O analista financeiro Gilberto Pinto de Almeida, 29 anos, corintiano, adora futebol. Mas nada o irrita mais do que aguentar um papo animado de seus colegas de trabalho sobre o jogo da véspera quando está tentando se concentrar. “Tudo tem sua hora”, diz ele, que fica constrangido de exigir silêncio.
Placa explícita – As reações variam. A psicóloga Elizabeth Infante, que presta serviços para a Integração Consultoria e Treinamento, aponta quatro perfis básicos: o executor, o comunicador, o socializador e o perfeccionista. “Cada um tende a uma atitude diferente de repúdio”, explica ela. O executor critica a atitude logo da primeira vez. O comunicador faz uma piadinha simpática com o assunto. O chamado de socializador atura cinco ou seis vezes, mas, depois, passa a evitar o chato. O perfeccionista se permite falar de mínimos detalhes, mas o provável é que resolva a situação colocando uma plaquinha explícita, como “lugar de lixo é no lixo”. A secretária Aline Reiter não se considera uma perfeccionista, mas adotou a placa para proteger suas plantas. “Volta e meia, os vasos estavam cheios de tocos de cigarro. Coloquei em todos o aviso: “Obrigada, não fumo.”
A psicóloga Elizabeth observa que o importante não é eleger o tipo ideal – afinal temos um pouco de cada um –, nem ceder à tentação de rotular o outro como “o chato”. O segredo está em lembrar que as pessoas muito diferentes de nós nos incomodam e que como diferença não é ataque pessoal podemos reagir sem hostilidade. No livro Como lidar com pessoas difíceis (Editora Mandarim, 184 págs., R$ 19), a consultora e hipnoterapeuta americana Ursula Markham propõe meios eficientes de tratar essas situações. Para ela, pessoas assertivas são as mais bem-sucedidas, porque não deixam as situações se deteriorarem. Manter baixo o termômetro do stress nestes momentos é tão importante que o assunto faz parte dos estudos de prevenção da saúde mental no trabalho da psicóloga Denise Monetti, da Fundacentro. “Pressão, fofoca, competição excessiva, inveja e invasão de espaço não fazem parte das tarefas, mas exigem um esforço adicional que gera o que chamamos de sofrimento mental”, explica ela. “A falta de limites e de respeito é um problema do nosso tempo. Nos sentimos oprimidos e acabamos querendo oprimir também. É uma compensação”, analisa Denise. A melhor compensação seria, certamente, evitar chateações desnecessárias.

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