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sábado, 22 de fevereiro de 2014

Ela, ele e todos nós

por Bruno Medina


Quando decidi que o tema deste post seria “Ela” – filme de Spike Jonze estrelado por Joaquim Phoenix e Scarlett Johansson – achei que teria pela frente uma tarefa bastante fácil. Do alto da minha perspicácia de blogueiro raposa velha, supus que o longa, que já desembarcou em solo brasileiro com 5 indicações ao Oscar (melhor filme, roteiro original, trilha sonora, canção original e design de produção), teria sua narrativa centrada na figura de um sociopata que, após sucessivas desventuras na vida a dois, abdicara das mulheres de carne e osso para abraçar de vez a segurança e a previsibilidade de um relacionamento amoroso com uma máquina.
Ainda de acordo com minha intuição, imaginei que todas as ações do personagem, estas que respaldariam uma opção incomum até se tratando de um tempo futuro, seriam compatíveis com as de um sujeito esquisitão e problemático, que, em algum momento indefinido de sua própria trajetória, havia se desconectado da realidade de tal forma a ponto de se tornar uma aberração, para quem o único abrigo possível estaria na tecnologia e na consequente virtulização dos sentimentos. Em resumo, “Ela” seria mais uma representação do surrado binômico Mundo Online x Mundo Offline e seus usuais desdobramentos, tema já tantas vezes explorado por Hollywood.
Ledo engano. Para minha absoluta surpresa, o filme de Jonze não é sobre os percalços da vida cotidiana na Era Digital plena, ou sobre nerds solitários e suas canhestras namoradas ciborgues, mas sim uma bem-vinda reflexão sobre o que nós, seres humanos de qualquer época, entendemos por “amor”. A meu ver, a discussão principal sugerida pela obra pode ser resumida por uma simples indagação: Teria Theodore, o protagonista da história, direito ou não de se apaixonar por Samantha, um sistema operacional desenvolvido para ser seu complemento ideal? Como resposta, uma segunda pergunta: mas como não se apaixonar por Samantha?
Afinal, além de soar como Scarlett Johansson – o que, convenhamos, transformaria até uma cafeteira quebrada numa pretendente em potencial –, a inteligência artificial em questão fora desenvolvida para desempenhar com maestria as funções de secretária, amiga, terapeuta, empresária, mãe e amante de seu amo, ou seja, o sonho secreto de quase todo barbado. Como se isso não fosse suficiente, Samantha é espirituosa, entusiasmada, sensível, engraçada e, sobretudo, constantemente disposta a aprender novas maneiras de agradar Theodore, mesmo que isso signifique transparecer sentir ciúmes de outras mulheres. O leitor mais atento pode ter achado que me equivoquei ao empregar o verbo “sentir” para designar o comportamento de um sistema operacional, mas garanto não ser esse o caso.
A bem da verdade, é justo nessa aparente incoerência que reside o ponto mais controverso e interessante do filme. Pois, se partimos da premissa de que, no contexto do enredo, o advento tecnológico viabilizou a existência de um sistema operacional capaz de reproduzir com perfeição comportamentos humanos, o que de fato impediria Theodore de se relacionar amorosamente com Samantha? Antes de dar sua resposta, sem entrar em detalhes para não estragar a surpresa, considere que Jonze apresenta uma alternativa plausível para o ato sexual, mesmo com a ausência de um corpo físico.
Numa determinada cena, quando questionado por amigos a respeito do que mais gostava em sua amada, Theodore não hesita em dizer que é a intensidade com que ela ama a vida, possivelmente em referência à voracidade com que busca adquirir, em cada nova experiência, o conhecimento indispensável ao seu aprimoramento contínuo. Irônico pensar que, dessa forma, surge um inesperado e paradoxal desafio a ser superado pelo casal, conseguir conciliar expectativas e objetivos tão distintos; ele quer ensiná-la o mundo através do seu próprio olhar, ela quer compreender o mundo através de todos os olhares possíveis. Mais uma vez, mérito de Jonze, que conseguiu transformar uma história de amor entre um homem e uma máquina acontecida num tempo futuro num episódio tão familiar quando o caso de um conhecido que nos contam numa mesa de bar.

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