Por Aline Pinheiro
Se quiser ouvir o que a população pensa sobre a adoção por casais homossexuais, Portugal terá de fazer não um, mas dois referendos. Para o Tribunal Constitucional, o assunto envolve situações diferentes que, se abordadas no mesmo questionário, podem causar confusão nos eleitores. Por esse motivo, a corte derrubou a proposta de referendo já aprovada pelo Parlamento.
A decisão da corte foi tomada num controle prévio de constitucionalidade da resolução sobre o referendo. A manifestação do Tribunal Constitucional foi pedida pelo presidente da República portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, antes que ele pudesse colocar em prática a consulta popular. Agora, cabe ao Legislativo desistir da proposta ou reformular as questões e dar andamento ao referendo.
O Tribunal Constitucional encontrou dois pontos controversos na consulta popular. Um deles se refere diretamente às questões feitas aos cidadãos. De acordo com a proposta, os eleitores teriam de responder às seguintes perguntas: “Concorda que o cônjuge ou unido de fato do mesmo sexo possa adotar o filho do seu cônjuge ou unido de fato?" e "Concorda com a adoção por casais, casados ou unidos de fato, do mesmo sexo?”.
Para os juízes, as duas questões tratam de situações bastante diversas e, se apresentadas no mesmo pacote, podem confundir o eleitor. A primeira pergunta se refere ao que é chamado de coadoção, que é quando um companheiro ou cônjuge adota o filho de outro. Projeto de lei nesse sentido foi aprovado no ano passado pela Assembleia Parlamentar de Portugal, mas ainda não saiu do papel por falta de acordo político.
No julgamento, o tribunal considerou que, nos casos de coadoção, está em jogo não apenas o direito de gays adotarem uma criança, mas a substituição de uma situação familiar anterior por uma nova. Já no segundo caso, a discussão parece mais simples. É basicamente se duas pessoas do mesmo sexo que vivem juntas têm o direito de adotar um filho.
O outro ponto da proposta de referendo que a corte considerou inconstitucional trata do universo de eleitores. Pela resolução aprovada, seriam ouvidos apenas os portugueses que moram em Portugal. O Tribunal Constitucional avaliou que essa restrição não é razoável, já que qualquer mudança legislativa nesse sentido pode afetar a família de portugueses que moram no exterior, pois também estão sujeitos à lei portuguesa.
A adoção por casais homossexuais tem ocupado as mesas de debate em Portugal há vários anos, mas a discussão ganhou corpo em 2010, quando foi aprovado o casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo. Na ocasião, não houve acordo sobre a adoção e a lei que permite o casamento gay passou a prever expressamente que a autorização para a união não significa que os homossexuais podem adotar uma criança. Desde então, grupos políticos vêm tentando aprovar novos projetos que legalizem a adoção por casais gays.
A Corte Europeia de Direitos Humanos não tem uma posição clara sobre o direito de os homossexuais adotarem uma criança, mas já julgou, em mais de uma ocasião, que pessoas na mesma situação têm de ter os mesmo direitos. Quer dizer, na teoria, se cônjuges heterossexuais podem adotar um filho, dois homens ou duas mulheres, desde que sejam casados, podem também. A legislação de Portugal ainda não foi discutida pela corte europeia.
Clique aqui para ler a decisão do Tribunal Constitucional de Portugal.
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico
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