Por André Luis Melo
A Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres vem resistindo ao uso da mediação e conciliação no âmbito da violência doméstica ao argumento de que a mulher estaria em desigualdade na relação, logo não seria o caso destes institutos. Embora em algumas situações isso seja compreensível, o que se observa na maioria dos casos é que a mediação ou a conciliação poderia evitar até mesmo a violência, principalmente se realizada no âmbito municipal pelos Creas e Cras, pois muitas vezes o que falta ao casal ou aos litigantes é um canal para diálogo.
Apesar de no inconsciente coletivo de alguns intelectuais a violência doméstica seja um fato que ocorre entre inimigos e que depois viverão distantes, na prática que observamos no cotidiano a situação é outra. O que se verifica é que existe relação familiar e precisarão conviver, mal ou bem. A violência doméstica não é apenas entre casal, mas também ocorre entre filhos e mãe, netos e avós, até mesmo entre irmãos (em alguns casos), além de outros vínculos de afeto e relação familiar.
Na maioria dos casos a vítima aciona a PM apenas para que cesse a agressão física ou verbal, e para que dê um “sermão” ou “sabão” (linguagem popular usada), ou até mesmo que o delegado faça isso. É comum que fiquem revoltadas quando o delegado alega que o autor permanecerá preso, algumas até mesmo pagam a fiança do agressor. Outras, nem mais chamam a PM, pois já sabem que a ação penal por lesão corporal é incondicionada e o processo tramitará até o final.
Além disso, há também a possibilidade de terem um filho em comum e ainda que separados terão que conversar para tratar de temas relativos ao filho. E sem a mediação ou conciliação sempre haverá a tendência de o conflito ser repetido.
De forma bem resumida será ressaltada a diferença entre mediação e conciliação, sendo que a primeira é mais demorada, quase que uma relação de terapia, de escuta das partes mediadas e é recomendável nos casos em que há uma relação mais permanente. Já a conciliação é mais rápida, o conciliador atua mais ativamente, propõe acordos, mas não significa que o problema está resolvido, pois não pacificado.
Outra situação que se observa no dia a dia é que quando o Oficial de Justiça vai intimar o acusado, o casal já está morando na mesma casa.
O que tem se observado nos discursos é um debate inflamado e emotivo, e sem analisar o sistema e os resultados. Os delitos mais comuns na violência doméstica são a ameaça (artigo 147 do CP) e a lesão (artigo 129, parágrafo 9º, do CP). O primeiro delito tem pena mínima de um mês e cabe representação. O de lesão corporal tem pena mínima de três meses, mas não cabe representação, conforme decisão do STF.
Cita-se ainda que as penas mínimas, pois na área penal prevalece a pena mínima e não a pena máxima, como a imprensa comumente divulga.
O artigo 41 da lei 11.343/2006 exclui da competência do juizado especial apenas os crimes e não as contravenções penais (como as vias de fato, a perturbação e outros). Logo, é possível que alguns fatos sejam remetidos ao Juizado Especial Criminal.
Tem também o caso em que a vítima recusa-se a ir à audiência judicial, ou quando conduzida, recusa-se a depor ou muda a versão dos fatos, pois estão morando juntos ou a agressão já passou e não quer reviver os momentos.
Normalmente, não são agressões graves. Este é um problema comum, pois não se consegue priorizar as mais graves, e tudo é tratado com a mesma resposta, o que prejudica as vítimas de fatos com a maior gravidade.
Há também casos em que o risco não é o que a vítima está imaginando, pois apenas ouviu um terceiro dizer que outra pessoa disse que haveria uma ameaça, mas o suposto ameaçador nunca ligou, mora em outro estado e está feliz com outra mulher que arrumou após largar a que alega ser vítima, ou seja, é um caso mais de psicologia do que criminal, e a mediação ou uma consulta psicológica seria mais fecunda no primeiro momento.
Ademais, é raro alguém ficar preso por esses motivos, ainda que haja uma propaganda governamental em sentido contrário. Quando o muito o autor fica preso provisoriamente por alguns dias, no máximo meses, e é colocado em liberdade.
Ainda que seja condenado, ou seja, se não ocorrer a prescrição, o que é comum, acontecerá o seguinte:
a) No caso do artigo 147 do CP: a vítima pode tirar a representação, mas se não o fizer e tiver provas no processo para condenação, esta será de no máximo 6 (seis) meses, mas em geral, a pena ficará próxima de um mês. Neste caso, pode caber Sursis da pena, conforme artigo 77 do CP (um absurdo em que o processo tramita, mas a execução da pena é suspensa. Mas, cabe pena alternativa, exceto a de “cesta básica” ou de natureza pecuniária. Contudo, o regime de prisão é o regime aberto, o qual deveria ser em albergue, mas como estes não existem, o condenado cumprirá a pena na forma domiciliar, a qual pode ser a mesma casa que mora a vítima, exceto se tiver medida de afastamento do lar.
b) Na hipótese do artigo 129, parágrafo 9º, o qual trata apenas da lesão leve, a lei aumentou a pena máxima (três anos), mas não a mínima, três meses, (a mais importante na prática). Neste caso acontecerá o mesmo do artigo 147, com a exceção de que não se exige a representação e não cabe pena alternativa, conforme artigo 44 do CP, em face da violência física. Ou, seja cabe sursis se a pena aplicada for inferior a dois anos, o que é o mais comum de acontecer, ou caberá regime aberto domiciliar, ainda que fixado na pena máxima de três anos, pois até quatro anos cabe regime aberto.
Portanto, é preciso racionalizar este sistema e o discurso, pois não é coerente com a nossa realidade, importante que saiamos da mera retórica e adentremos no que ocorre diariamente nas delegacias, varas e promotorias que atuam nestes casos. Precisamos separar o que é grave do que é não grave, sob pena de a dose ser maior que o necessário e deixar de ser remédio para virar veneno.
O governo federal precisa reavaliar a sua política pública contrária à conciliação e mediação na área de violência doméstica. Certamente em vez de o governo federal priorizar a criação de Delegacias, concluiria que investir nos Cras e Creas para atendimento às vítimas e agressores seria um avanço fenomenal, pois muitos querem continuar como casal, como família ou até mesmo como pais de um filho em comum e que precisam conversar.
Chega a ser uma violação aos direitos humanos a política pública federal intervencionista e punitivista que nega a emancipação das pessoas ao diálogo ao argumento de que sempre haverá desigualdade na relação, pois ainda que haja esta desigualdade, o objetivo desta mediação ou conciliação é resgatar o diálogo. Sem dúvida, a mediação e a conciliação não cabe em todos os casos, mas na maioria sim. É importante que faça uma pesquisa para orientar as suas ações.
Para agravar ainda mais os paradoxos, ao final do ano a presidente da República publica o indulto (perdão da pena) através de decreto presidencial perdoando todos os criminosos de crimes não hediondos, o que inclui os agressores de violência doméstica, os quais serão perdoados se cumprirem um quarto da pena, ou seja, se a pena aplicada for de um mês, basta cumprir 8 dias.
O governo federal precisa estimular a mediação e conciliação nos Cras para prevenir a violência doméstica, e em alguns casos, até mesmo para evitar a violência doméstica, pois em muitas situações são parentes e terão que conviver bem ou mal, é um grave erro a orientação de órgãos federais para que não seja estimulada a mediação e conciliação nos Cras e Creas.
André Luis Melo é promotor de Justiça, mestre em Direito Público pela Unifran e doutorando pela PUC-SP
Revista Consultor Jurídico
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